Quem são os outros que trabalharam?
Sua dúvida é sobre Jo 4:37-38, que diz: “Porque nisto é verdadeiro o ditado, que um é o que semeia, e outro o que ceifa. Eu vos enviei a ceifar onde vós não trabalhastes; outros trabalharam, e vós entrastes no seu trabalho”. Quem seriam esses “outros” que trabalharam?
Quando os discípulos começaram seu ministério, estavam pisando em terreno que já havia sido trilhado antes pelos profetas que anunciavam a vinda do Messias e também por João Batista. Por isso o Senhor diz a eles que estavam entrando no trabalho de outros. Eles estavam ceifando em um campo onde outros haviam semeado.
Mas devemos entender que tanto os profetas do Antigo Testamento, como os discípulos de Jesus nos evangelhos, nada tinham (ainda) a ver com a Igreja, que era um segredo oculto (revelado a Paulo e depois aos outros apóstolos), até ter sido fundada no dia de Pentecostes sobre a rocha que é Cristo, porém Cristo morto, ressuscitado e glorificado. Antes disso teria sido impossível que seres humanos desfrutassem de toda a plenitude da obra de Cristo.
Ao falar dos santos e mártires do Antigo Testamento, a epístola aos Hebreus esclarece:
(Hb 11:39-40) “E todos estes, tendo tido testemunho pela fé, não alcançaram a promessa, Provendo Deus alguma coisa melhor a nosso respeito, para que eles sem nós não fossem aperfeiçoados”.
Pedro também explica como os profetas do Antigo Testamento falaram da salvação que seria manifestada, sem, contudo entendê-la perfeitamente:
(1 Pe 1:10-12) “Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada, indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir. Aos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas que agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho; para as quais coisas os anjos desejam bem atentar”.
É preciso entender também que a pregação dos discípulos nos evangelhos, ou seja, a “ceifa” que eles praticavam em terreno semeado por outros, não era de uma mensagem completa, pois Jesus ainda não havia morrido e ressuscitado. Eles pregavam a vinda do Messias e Rei de Israel, sem nem mesmo entender que lugar os gentios teriam na obra de Deus. É só com o evangelho de Paulo, ou a carta aos Romanos, que temos a revelação completa das boas novas de salvação, e pela carta aos Efésios a compreensão do mistério ou segredo oculto, que era a Igreja.
Esta passagem de João4:37-38 também nos dá uma lição importante: qualquer que seja o resultado de nosso trabalho na pregação do evangelho, devemos ter em mente que não foi um trabalho feito apenas por nossa instrumentalidade. Obviamente a obra é de Deus e é o Espírito Santo quem convence uma alma de seu pecado e a leva à conversão, mas mesmo do ponto de vista do instrumento usado por Deus para semear ou ceifar, devemos ser humildes o suficiente para entender que outros antes de nós iniciaram o trabalho.
Quando você encontra uma pessoa e prega a ela o evangelho, não fique se gabando de ter sido o primeiro. A menos que estejamos falando de algum indígena sem contato com a civilização, ou dos pagãos que eram inicialmente alcançados pelos discípulos na Grécia e Ásia antes da disseminação do cristianismo, a pessoa a quem você fala a Palavra no mundo ocidental já foi alcançada pela mesma Palavra em muitas ocasiões anteriores. A Palavra de Deus é como a água que os servos precisaram colocar nas talhas de pedra das bodas de Caná até ficarem cheias e o Senhor fazer o milagre.
Uma pessoa no mundo ocidental de hoje já deve ter escutado a Palavra de Deus em diversos lugares, como em igrejas de diferentes denominações católicas e protestantes, no rádio e TV, em livros, folhetos, Internet, etc. Se você teve o privilégio de assistir à conversão definitiva dessa pessoa, alegre-se por ter sido talvez o que deu a ela o último gole da Palavra necessário para o Espírito Santo agir. Por assim dizer, você encontrou aquele “vaso de pedra” quase cheio e só faltava uma gota. Portanto, em nenhum momento saia por aí se gabando de ter sido o único instrumento usado por Deus na conversão daquela alma.