Devo viver antenado no mundo evangélico?
Depois de você dizer que tinha se apartado do mundo religioso por desejar estar congregado somente ao nome do Senhor Jesus, me surpreendi por saber que você curtia o Facebook de líder evangélico da doutrina da prosperidade. Felizmente você logo dissipou minhas dúvidas ao esclarecer que só tinha curtido o perfil dele para ser avisado de novas postagens e manter-se informado do que acontece naquela denominação.
Tenho procurado me policiar para não me envolver com o mundo religioso mais do que o necessário, seja por curiosidade, seja para criticá-lo, pois são dois erros nos quais podemos incorrer quando saímos do “arraial” para estarmos congregados somente ao nome do Senhor. Às vezes sou obrigado a conhecer o mínimo apenas para responder às pessoas que me escrevem com dúvidas, mas tenho consciência de que isso também contamina.
Em nossa sociedade temos profissões de risco, cujos profissionais são obrigados a lidar todos os dias com o mal a fim de nos proteger dele. É o caso dos policiais, bombeiros, médicos, soldados, coveiros, carcereiros, etc. São atividades necessárias, mas é sempre bom entender que esses profissionais não estão nelas por curiosidade ou apenas para denunciar o mal. Policiais não trabalham para ficarem antenados no que acontece no mundo do crime, e que bem faria um bombeiro parado em frente a um prédio em chamas criticando o fogo?
No Antigo Testamento vemos atividades que eram necessárias, porém contaminavam aqueles que se dedicavam a elas. Se você fosse um israelita, cada vez que uma ovelha de seu rebanho morresse por acidente ou doença, o simples fato de livrar-se dela o deixaria imundo até o final do dia. E se você trabalhasse numa funerária, cada vez que preparasse um cadáver para o sepultamento ficaria uma semana imundo.
(Lv 11:39) “E se morrer algum dos animais, que vos servem de mantimento, quem tocar no seu cadáver será imundo até à tarde;”.
(Nm 19:11) “Aquele que tocar em algum morto, cadáver de algum homem, imundo será sete dias”.
Pastores de ovelhas, coveiros e até médicos que cuidavam de leprosos eram contaminados por sua atividade profissional, mas em todos estes casos o objetivo era de resolver o problema, não de ocupar-se com ele por curiosidade ou simplesmente para criticá-lo. É importante entender o princípio da separação e da contaminação.
Isto pode ser aprendido de Ageu:
(Ag 2:12-13) “Se alguém leva carne santa na orla das suas vestes, e com ela tocar no pão, ou no guisado, ou no vinho, ou no azeite, ou em outro qualquer mantimento, porventura ficará isto santificado? E os sacerdotes responderam: Não. E disse Ageu: Se alguém que for contaminado pelo contato com o corpo morto, tocar nalguma destas coisas, ficará ela imunda? E os sacerdotes responderam, dizendo: Ficará imunda”.
O santo não santifica o imundo, mas o imundo contamina o santo. É como se você tivesse dois copos d’água: um com água limpa e pura e outro com água suja. De nada adianta despejar água limpa no copo de água suja porque esta última nunca irá ficar limpa. Mas basta cair uma gota da água suja no copo de água limpa para esta ficar suja.
Entenda que isto que estou dizendo não se trata de julgar se fulano ou sicrano estão salvos ou não. Na “grande casa” em que se transformou a cristandade dos últimos dias há milhões de pessoas genuinamente salvas pela fé em Jesus, e entenda que isto inclui indivíduos protestantes, católicos e cristãos sem denominação. Não cabe a você julgar quem é ou não do Senhor (Ele conhece os que são seus), mas cabe a você, isto sim, separar-se do mal e também dos vasos de desonra.
(2Tm 2:19-21) “Todavia o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade. Ora, numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra. De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra”.
O princípio da separação é algo muito negligenciado hoje em dia: separação do mal moral, doutrinal e eclesiástico.
Existe mal moral no lugar onde você está congregado? Pessoas em pecados notórios como prostituição, adultério, avareza (amor ao dinheiro) e outros, convivem normalmente com os irmãos e até são recebidos como se nada estivesse acontecendo? Aparte-se desse lugar.
Existe mal doutrinal no lugar onde você está congregado? Pessoas que professam doutrinas sem base bíblica, que creem numa salvação (ou manutenção dela) por boas obras e perseverança, que colocam em dúvida a divindade de Jesus, que alegam que ele poderia pecar ou introduzem filosofias humanas e motivacionais no culto a Deus? Aparte-se desse lugar.
Existe mal eclesiástico no lugar onde você está congregado? Há um clero copiado do judaísmo, pessoas com posições, títulos e vestes diferenciadas dos “leigos”; uma denominação que torne aqueles irmãos distintos de outros do corpo de Cristo; rituais estranhos à doutrina dos apóstolos, etc.? Aparte-se desse lugar.
Além de entender que apartar-se significa colocar-se na prática FORA do arraial religioso onde essas coisas são praticadas, o apartar-se significa também deixar de se ocupar com o arraial, mesmo estando fora dele. É muito comum, eu volto a repetir, que eu mesmo preciso me policiar muitas vezes contra isso, nos separarmos das religiões dos homens e adquirirmos o péssimo hábito de ficarmos o tempo todo olhando para essas mesmas religiões para encontrarmos nelas defeitos.
É claro que vez ou outra você irá precisar apontar seus erros para aqueles que “perguntarem para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós” (1 Pe 3:15). Aí você estará fazendo o papel do policial, bombeiro, médico ou coveiro, mas para resolver algo ou ajudar alguém. Mas não há necessidade de pesquisar os detalhes desses erros e muito menos de propagá-los aos quatro ventos, o que acaba servindo apenas de munição para os ímpios falarem mal de Cristo e de sua Igreja.
(2 Sm 1:19-20) “Ah, ornamento de Israel! Nos teus altos foi ferido, como caíram os poderosos! Não o noticieis em Gate, não o publiqueis nas ruas de Ascalom, para que não se alegrem as filhas dos filisteus, para que não saltem de contentamento as filhas dos incircuncisos”. (Davi se lamentando, não apenas da morte de seu amigo Jônatas, mas também de seu inimigo Saul).
Ficar “antenado” no que ocorre no mundo “evangélico”, que foi o que entendi que você faz, não lhe trará qualquer edificação ou santidade, muito pelo contrário. É como ter o hábito de assistir esses jornais sensacionalistas da TV. As mesmas pessoas que costumam buscar na Bíblia versículos que as motivem a viver uma vida alegre e despreocupada não percebem que ver programas assim causa o efeito contrário: as fazem viver tristes e preocupadas.
Resumindo, (a) desligue-se de vez de todo o mundo religioso, seja ele protestante, católico ou espiritualista, e (b) evite arvorar a bandeira de crítico de suas práticas além do que for necessário para responder sobre a razão da esperança que há em você ou auxiliar alguém ainda imerso no erro.
Um exemplo de errar em (a) seria continuar visitando seus cultos, visitar seus sites ou insistir na comunhão com seus vasos com o único intuito de descobrir o quão errados estão. Um exemplo de errar em (b) seria criar um blog para denunciar esses erros, publicando “nas ruas de Ascalom” todo o lixo que viesse a encontrar nesses lugares.
O que fazer então? Viva uma opção (a) de maior comunhão com aqueles que “com um coração puro [purificado dessas coisas], invocam o Senhor” (2Tm 2:22). E viva a opção (b) com a consciência de que “roupa suja se lava em casa”, ou seja, limite-se a esclarecer àqueles que lhe perguntarem da razão de não frequentar o mundo cristão institucional, mostrando os fundamentos bíblicos para isso.
Vou dar um exemplo desta última: já viu aqueles críticos que escrevem no jornal ou falam na TV sempre sobre os males da sociedade, do governo e da criminalidade em geral? Pois é, alguns deles são como urubus: precisam de carniça para sobreviver. Tire a carniça e eles desaparecem. Se eles ficarem sem assunto caso desaparecerem os crimes, as corrupções e as atrocidades humanas é porque a vida deles depende dessas mesmas coisas. Eles não são como policiais, juízes ou médicos, que se envolvem com essas coisas com o objetivo de resolvê-las ou proteger a sociedade delas.
Um cristão que fica sem assunto se não existirem os descalabros da cristandade é alguém que ainda não aprendeu a se ocupar com o único tema com o qual nos ocuparemos por toda a eternidade: CRISTO. Mais uma vez eu lhe digo da importância que é me policiar nesta parte também, pois o contato constante com pessoas que me escrevem com dúvidas costuma desviar meus olhos da contemplação do único tema realmente necessário e útil.
(Jo 6:68) “Respondeu-lhe, pois, Simão Pedro: Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna”.
(Lc 10:41-42) “E respondendo Jesus, disse-lhe: Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária; E Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada”.
(Fp 4:8) “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai”.
Mais uma coisa: existe também o risco de, ao separar-se dos sistemas criados por homens para estar congregado somente ao nome do Senhor, você passar a ter um sentimento de superioridade em relação àqueles que permanecem nos sistemas. Decore o versículo abaixo para evitar isso:
(Lc 18:11) “O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: O Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano”.
A altivez é um pecado que Deus abomina e você encontra em várias ocasiões Deus tratando de forma dura com a altivez. Moisés, ao ser designado para liderar seu povo para fora da escravidão do Egito, recebeu de Deus poder para executar dois sinais diante de Faraó: transformar a vara em serpente e sua própria mão em leprosa. O primeiro sinal ele executou na presença de Faraó, mas o segundo não quis executar, preferindo já passar às pragas maiores (será que Moisés teve receio de revelar sua vulnerabilidade ao não dar a Faraó essa segunda chance de crer?). Deus lhe deu isso para que ele aprendesse que em seu peito, em seu coração, havia tanto mal (lepra) quanto no coração de Faraó.
(Ex 4:1-8) “Então respondeu Moisés, e disse: Mas eis que não me crerão, nem ouvirão a minha voz, porque dirão: O Senhor não te apareceu. E o Senhor disse-lhe: Que é isso na tua mão? E ele disse: Uma vara. E ele disse: Lança-a na terra. Ele a lançou na terra, e tornou-se em cobra; e Moisés fugia dela. Então disse o Senhor a Moisés: Estende a tua mão e pega-lhe pela cauda. E estendeu sua mão, e pegou-lhe pela cauda, e tornou-se em vara na sua mão; Para que creiam que te apareceu o Senhor Deus de seus pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. E disse-lhe mais o Senhor: Põe agora a tua mão no teu seio. E, tirando-a, eis que a sua mão estava leprosa, branca como a neve. E disse: Torna a pôr a tua mão no teu seio. E tornou a colocar sua mão no seu seio; depois tirou-a do seu seio, e eis que se tornara como a sua carne. E acontecerá que, se eles não te crerem, nem ouvirem a voz do primeiro sinal, crerão à voz do derradeiro sinal;”.
Se Deus de algum modo lhe revelar algo que seus irmãos espalhados pelas denominações ainda não entendem, não se orgulhe disso como se tivesse partido de si mesmo. Você só descobriu isso porque Deus lhe deu por graça o entendimento.
(1 Co 4:7) “Porque, quem te faz diferente? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras recebido?”.
Elias se gabou de ser o único em Israel que tinha se apartado dos ídolos, só para ouvir de Deus a notícia de que Elias não era a última bolacha do pacote. Deus tinha um povo numeroso que não se contaminou com os ídolos:
(1 Rs 19:14-18) “E ele disse: Eu tenho sido em extremo zeloso pelo Senhor Deus dos Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram a tua aliança... e só eu fiquei... E o Senhor lhe disse: Também deixei ficar em Israel sete mil: todos os joelhos que não se dobraram a Baal, e toda a boca que não o beijou”.
A Paulo, que recebeu de Deus revelações que nem mesmo os outros apóstolos tinham recebido (e depois aos outros apóstolos e profetas do NT — Efésios3:5), Deus permitiu que vivesse com um espinho na carne para impedi-lo de gloriar-se dessas revelações.
(2 Co 12:7) “E, para que não me exaltasse pela excelência das revelações, foi-me dado um espinho na carne, a saber, um mensageiro de Satanás para me esbofetear, a fim de não me exaltar”.
(Pv 16:18) “A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda”.
(Lc 14:11) “Porquanto qualquer que a si mesmo se exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado”.