Quem pode falar nas reuniões?

Quando dizemos que não existe, na doutrina dos apóstolos, um “dirigente” das reuniões, além do Espírito Santo e do Senhor Jesus no meio, alguns podem pensar que tal ausência daria lugar, ou à desordem, ou a uma espécie de debate democrático, no qual todos os que quisessem poderiam dar sua opinião. Não é assim.

Um debate, como um brainstorming, pode ser muito bom para as reuniões das coisas desta vida, para gerar ideias numa empresa ou escola. Mas quando estamos congregados ao nome do Senhor, democracia é a última coisa que buscamos. O fundamento da democracia é o poder colocado nas mãos das pessoas, e isso não faria qualquer sentido numa reunião de irmãos congregados ao nome do Senhor Jesus e tendo somente a ele no meio como autoridade. Portanto, não é por existir a liberdade do Espírito de usar quem ele deseja para ministrar que signifique que exista liberdade para a carne se manifestar.

Vamos ver o que diz a Palavra de Deus:

(1 Co 14:29-33) “E falem dois ou três profetas, e os outros julguem. Mas, se a outro, que estiver assentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro. Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros; para que todos aprendam, e todos sejam consolados. E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas. Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos”.

Primeiro, existe um ministério múltiplo da Palavra: “falem dois ou três”. Segundo, existe um julgamento quanto ao que está sendo falado, o que obviamente cria a possibilidade de quem fala ser corrigido ou calado caso não fale de acordo com a sã doutrina. Terceiro, “os espíritos dos profetas” estão sujeitos a eles próprios, o que equivale dizer que ninguém poderá alegar estar fora de si ou não ter controle próprio por estar sendo usado pelo Espírito Santo. Pessoas usadas pelo Espírito Santo continuam no total controle de si mesmas.

Mas o que dizer da frase “todos podereis profetizar”? Como Paulo está se dirigindo a uma assembleia de irmãos congregados ao nome do Senhor, portanto conhecidos entre si e em comunhão uns com os outros, esse “todos” é no sentido dos que fazem parte da assembleia e são reconhecidos, e não estranhos que simplesmente estejam passando pela rua e decidem entrar num local onde está tendo uma reunião da assembleia. Neste caso a pessoa desconhecida deve ser tratada como tal e a ela deve ser informada de que ali o ministério da Palavra é exercitado por aqueles que já estão em comunhão e são conhecidos dos irmãos, ou chegaram até ali trazendo uma carta de recomendação de outra assembleia igualmente reconhecida. Tudo o que diz respeito à assembleia deve ser feito de acordo com este princípio: “Por boca de duas ou três testemunhas será confirmada toda a palavra” (2 Co 13:1).

Quando as reuniões são feitas em um salão isso parece ser mais difícil de ocorrer, mas quando são feitas nos lares a impressão que outros têm é de que seja algo informal e, portanto, com a licença para qualquer um se manifestar. Já passei por situações embaraçosas quando morava em São Paulo e as reuniões de assembleia eram em minha casa. Às vezes aparecia algum visitante ou amigo de alguém que reunia e no meio da reunião a pessoa achava que aquilo ali era um debate para todos participarem e começava a dar suas opiniões. Houve casos também de mulheres fazendo assim, o que obviamente é totalmente contrário à ordem da reunião em assembleia:

(1 Co 14:34-35) “As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja”.

Como na maioria das vezes a pessoa fazia aquilo de boa-fé, até pelo desejo de ajudar, porém ignorando a ordem da reunião, quando a pessoa chegava antes, eu ou outro irmão procurávamos explicar que somente os irmãos que eram conhecidos da assembleia é que falavam durante as reuniões. Quando a pessoa chegava depois de começar e dava alguma opinião, eu ou outro irmão a interrompia e explicava que após a reunião nós teríamos um tempo para os visitantes fazerem perguntas e darem sua opinião. Se alguém insistisse em continuar falando o correto seria tal pessoa ser convidada a sair, o que felizmente nunca aconteceu comigo.

Devemos ser assim rigorosos porque nunca sabemos quem é ou como está a pessoa que vem de fora. Basta vermos quantos hoje são seguidores de religiões e pregadores que professam más doutrinas para entendermos que essas pessoas podem ser instrumentos para contaminar a mente dos irmãos. É por isso que existe todo um critério e cuidado para receber pessoas à comunhão, pois nos dias atuais é comum elas virem contaminadas com muitos erros doutrinários, além obviamente de pecados morais e conexões eclesiásticas.

O cuidado deve ser ainda maior quando se percebe na pessoa um sentimento de liderar, pois tanto pode ser um irmão sincero, como um herege atrás de discípulos ou um lobo querendo destruir o rebanho. Há ainda os que estão atrás de dinheiro e são atraídos por saberem que os cristãos são exortados a se importarem uns com os outros. Já tive experiência com alguns tipos assim.

Há também pessoas que não se encaixam em lugar nenhum por serem causadoras de problemas e podemos acabar achando que estão sem denominação porque entenderam a verdade do corpo de Cristo e desejam congregar somente ao nome do Senhor, o que pode não ser o caso. Há pessoas que foram colocadas fora de comunhão em uma denominação por algum pecado grave ou insubordinação e podem querer se aproximar assumindo um papel de vítimas de injustiça. É bom lembrar que mesmo nas denominações (as mais sérias, pelo menos) há irmãos sinceros que julgam o mal, portanto não devemos fechar os olhos para a disciplina à qual alguém foi submetido enquanto estava na denominação, pois pode ter sido uma disciplina perfeitamente válida e de acordo com as Escrituras. Alguém poderia achar essa atitude como contrária ao comportamento cristão, mas continua valendo a exortação que o Senhor deu aos discípulos:

(Mt 10:16) “Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos; portanto, sede prudentes como as serpentes e inofensivos como as pombas”.

Se para uma pessoa ser recebida à comunhão à mesa do Senhor já devemos ter cuidado, quanto maior deve ser o cuidado com aqueles que ministram. Não é qualquer um que pode ministrar, pois primeiro ele precisa ser aprovado quanto à doutrina. Há irmãos que, por ensinarem coisas erradas ou nebulosas, são colocados em disciplina de silêncio até que se esclareça o que querem realmente dizer. Embora continuem em comunhão à mesa do Senhor, são proibidos de falar nas reuniões até que se tenha certeza de não estarem envolvidos com algum erro doutrinário, o que poderia gerar contendas em plena reunião e contaminar os ouvintes.

(2Tm 2:14) “Traze estas coisas à memória, ordenando-lhes diante do Senhor que não tenham contendas de palavras, que para nada aproveitam e são para perversão dos ouvintes”.

Existe um princípio que podemos adotar, embora o versículo fale especificamente de diáconos (os que cuidam das necessidades materiais), o cuidado também vale para aqueles que “servem” ou ministram a Palavra de Deus:

(1Tm 3:10) “E também estes sejam primeiro provados, depois sirvam, se forem irrepreensíveis”.

Quando Paulo se converteu, ele primeiro precisou ter um exercício profundo com o Senhor e também conquistar a confiança dos irmãos antes que seu ministério fosse aprovado e ele recebido. Em seu livro “A ordem de Deus”, Bruce Anstey explica:

Atos 9:26-29 nos dá um exemplo do cuidado que a igreja no princípio tinha ao receber alguém à comunhão. Quando Saulo de Tarso foi salvo, ele quis entrar em comunhão com os santos em Jerusalém, porém foi rejeitado. Mesmo que tudo o que ele dissera aos irmãos em Jerusalém sobre sua vida pessoal fosse verdade, ele não foi recebido com base em seu próprio testemunho. Foi só quando Barnabé levou Saulo consigo e o apresentou aos irmãos, testificando de sua fé e caráter, de modo que então já era o testemunho de duas pessoas, que os irmãos o receberam. Daquele momento em diante Saulo “andava com eles em Jerusalém, entrando e saindo” (Atos 9:28). Se a igreja no princípio não recebeu Saulo de Tarso imediatamente, com certeza os cristãos hoje não podem esperar ser recebidos imediatamente quando desejarem estar em comunhão em uma assembleia local”.

Devemos ter esse cuidado, ainda mais em um tempo de tantos erros doutrinários. O fato de nos reunirmos somente ao nome do Senhor sem um homem à frente dirigindo as reuniões não significa que qualquer um pode chegar e fazer ou falar o que quiser. Existe ordem e existe uma dependência do Espírito Santo. Aqueles que são desconhecidos de uma assembleia e se acham no direito de falar estão transgredindo a Palavra de Deus:

(Tg 1:26) “Se alguém entre vós cuida ser religioso, e não refreia a sua língua, antes engana o seu coração, a religião desse é vã”.