Onde encontrar uma igreja bíblica?

Você escreveu dizendo que se desligou da denominação onde congregava porque tentou e não conseguiu mudar aquilo que considera como práticas erradas, dentre elas, o pastor adotar a Bíblia na Linguagem de Hoje, cobrar dízimos em envelope e a denominação ordenar mulheres pastoras. Por isso busca pelo que chamou de “uma igreja bíblica” e perguntou se existe um grupo de “igreja nas casas” em sua cidade.

Você perguntou se eu congrego nas “igrejas nas casas”. Já ouvi falar desse movimento de “igrejas nas casas” mas não tenho qualquer ligação com ele. Há muitos grupos assim e alguns são até mesmo patrocinados por alguma denominação ou adotam o mesmo sistema denominacional e clerical, mudando apenas o local das reuniões.

Quando buscamos a coisa errada pelos motivos errados corremos o risco de acabar no lugar errado. Quero dizer que não acredito que seja correto procurar uma “igreja bíblica”, pois isto acabaria levando você a algum grupo ou lugar que o seu atual entendimento da Bíblia poderia considerar correto em suas práticas. Se pintarmos listras em um asno ele não se transforma em zebra. Um grupo de cristãos que adote práticas biblicamente corretas não tem a garantia de ser o lugar que o Senhor determinou para estar no meio se não estiver congregado no terreno correto.

Vou tentar explicar. Não foi em uma “igreja bíblica” que o Senhor prometeu que estaria, mas onde dois ou três estivessem congregados em (ou ao) seu nome. (Mt 18:20) “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles”. Por “nome” entenda não apenas o nome de Jesus, mas o lugar onde sua autoridade é reconhecida como suprema. Se ler atentamente a passagem onde ele diz isso verá que o contexto é o de julgar e tomar decisões, “ligar” e “desligar”.

Talvez seu comentário seria mais certeiro se dissesse “não consegui encontrar nenhum lugar onde o Senhor colocou o seu nome”, ou “não consegui encontrar nenhum lugar onde a única autoridade seja o Senhor”, ou “não consegui encontrar nenhum lugar onde é o Espírito, e não o homem, quem reúne”, ou “não consegui encontrar nenhum lugar governado pela Palavra, e não por algum dogma ou estatuto”, etc. Assim ficaria mais fácil descobrir onde não é o lugar, se identificar as pessoas por outro nome, existir um clero que determina o que deve ser, as reuniões forem dirigidas por homens (geralmente um só), existir um estatuto dizendo em que as pessoas creem...

Quando o Senhor disse aos discípulos que preparassem a ceia, a pergunta deles foi: “E eles lhe perguntaram: Onde queres que a preparemos?”.

Portanto esta é a primeira coisa que você deve fazer: perguntar ao Senhor o “onde” (tenho certeza de que você já deve ter feito isto). Mas é importante entender a resposta que o Senhor dá a eles, e nela está o segredo do lugar.

Primeiro, foi a ele que eles perguntaram, e não a algum líder ou tradição religiosa. Segundo, foi a Palavra do Senhor que os instruiu aonde ir, mesmo que no princípio eles não entendessem o que ele estava dizendo. Sim, provavelmente aquelas instruções não faziam muito sentido pois começavam dizendo para seguirem um homem carregando um cântaro de água e homens não carregavam cântaros na época. Aquilo era tarefa das mulheres. Vamos ver a passagem inteira:

(Lc 22:8-14) “Chegou, porém, o dia dos ázimos, em que importava sacrificar a páscoa. E mandou a Pedro e a João, dizendo: Ide, preparai-nos a páscoa, para que a comamos. E eles lhe perguntaram: Onde queres que a preparemos? E ele lhes disse: Eis que, quando entrardes na cidade, encontrareis um homem, levando um cântaro de água; segui-o até à casa em que ele entrar. E direis ao pai de família da casa: O Mestre te diz: Onde está o aposento em que hei de comer a páscoa com os meus discípulos? Então ele vos mostrará um grande cenáculo mobilado; aí fazei preparativos. E, indo eles, acharam como lhes havia sido dito; e prepararam a páscoa. E, chegada a hora, pôs-se à mesa, e com ele os doze apóstolos”.

A passagem é cheia de instrução. É na cidade, e não no campo, que eles encontrariam esse homem carregando o cântaro. O cristianismo não é uma fé rural, mas cosmopolita. Os movimentos cristãos que povoaram os Estados Unidos levaram consigo ideias utópicas de uma separação física e geográfica do mundo criando uma espécie de fé ruralista, levada ao extremo por comunidades como os Amish. Foi nas cidades do primeiro século que o cristianismo se estabeleceu, e foi na cidade (aqui Jerusalém) que os discípulos encontraram e seguiram o homem com o cântaro de água.

Quando ficamos sabendo por Ef 5:26 que a água é uma figura da Palavra de Deus fica fácil perceber que esse homem pode muito bem representar aquele que aplica a Palavra às consciências, ou seja, o Espírito Santo. Se eles fossem dirigidos pelo Espírito Santo e pela Palavra de Deus seriam capazes de encontrar o lugar onde o Senhor se colocaria no meio deles.

Quando chegassem na casa indicada após seguirem o homem com o cântaro, não seria no primeiro piso, o térreo, que eles encontrariam o lugar, mas no cenáculo, ou seja, no andar superior. O lugar onde Jesus se colocaria no meio deles não estaria ao rés do chão, no mesmo nível das coisas deste mundo, de suas políticas, instituições e maneiras dos homens, mas acima de tudo isso.

Ao chegarem à casa eles não deveriam escolher eles mesmos o aposento, ou perguntar pelo lugar onde se sentiriam melhor, algo muito comum hoje entre os que dizem “procurem a igreja que mais lhe agrade, onde Cristo é honrado e a Palavra pregada”. Se eles procurassem pelo lugar do agrado deles naquela grande Jerusalém, teriam esperado em vão pela presença do Senhor. E eles não iriam ali apenas pelo prazer de estarem juntos numa confraternização, mas para estarem com o Senhor, e ele no meio. Não haveria lugar para Pedro, João ou outro discípulo tomar a direção da reunião e ninguém estaria ali por causa uns dos outros, mas seria o próprio Senhor o centro e motivo da reunião.

Outro detalhe é o que eles iriam fazer ali. “O Mestre te diz: Onde está o aposento em que hei de comer a páscoa com os meus discípulos?”. Não era para procurarem pelo lugar onde estivesse o pregador mais eloquente, a banda mais afinada ou as bênçãos maiores e mais prósperas. Eles deviam procurar pelo lugar onde pudessem celebrar a morte do cordeiro, pois era isso que os judeus faziam na páscoa: comiam um cordeiro assado, recordando o dia da libertação do Egito, quando o sangue do cordeiro os livrou do juízo de Deus.

Recapitulando: O lugar é onde o Espírito faz os seus chegarem atraídos pela Palavra de Deus; é um lugar acima do mundo; amplo e espaçoso porque não há limites para quantos Deus chama; o objetivo de estarem ali não é se ocuparem uns com os outros ou com alguma atração suplementar (eloquência, música, etc.), mas com o Cordeiro e a recordação da sua morte.

Somente num lugar assim eles poderiam contar com a presença do Senhor no meio deles. Havia muitos cenáculos mobilados em Jerusalém, muitos lugares onde a páscoa estava sendo celebrada naquela noite, mas havia um só lugar aonde as pessoas eram guiadas a se dirigirem pela ação do Espírito levando a Palavra de Deus. Esse continua sendo o lugar, e a pergunta que cada um deveria fazer ainda hoje, dirigida ao Senhor, é: “Onde queres que a preparemos?”.

Mas não posso deixar de perguntar se você quer apenas encontrar uma “igreja” que pratique as coisas mais de acordo com a Bíblia, ou quer estar onde o Senhor está no meio? Se for esta segunda opção, então sabe que ali não há lugar para o homem no meio, mas só o Senhor. nem para o homem na direção, mas apenas o Espírito Santo.