O assunto da epístola é a evangelização?

Recebi seu e-mail e percebi sua preocupação em tentar interpretar 1 Coríntios sempre do ponto de vista da evangelização. Não é este o assunto ali. Entenda que a atividade maior do crente não é pregar o evangelho, mas adorar a Deus. Deus busca adoradores; evangelistas ele dá (Jo 4:23; Ef 4:11). Portanto, a carta aos Coríntios é uma carta a crentes, à igreja, dizendo como devemos nos comportar principalmente para a edificação uns dos outros. Em algumas partes Paulo menciona o testemunho aos incrédulos, ou mesmo como os próprios Coríntios foram evangelizados no princípio (1 Co 15), mas não é o assunto principal da carta.

Quando você está numa denominação, é dada uma ênfase enorme na pregação do evangelho porque as pessoas simplesmente não sabem o que fazer se não estiverem pregando o evangelho. Há lugares em que o pregador se sente frustrado quando não vê incrédulos na audiência. Nesses lugares, o tempo todo, todos são exortados a saírem pregando, são feitas campanhas missionárias (não que essas coisas não sejam boas) e até mesmo quando estão reunidos, dependendo do dom daquele que ministra, tudo o que ouvem é o evangelho. Em muitos lugares onde o que prega tem o dom de evangelista, as pessoas padecem de desnutrição ou não saem nunca do leite para o alimento sólido (1 Co 3:2).

Mas veja que quando celebramos a ceia do Senhor, não estamos pregando o evangelho a incrédulos, mas adorando a Deus e recordando a morte de Cristo. Se pudermos chamar assim, trata-se de uma atividade vertical, de baixo para cima, dos homens para Deus, pois é adoração e louvor (aqui alguns terão dificuldade de entender a que estou me referindo porque as palavras “adoração” e “louvor” ganharam o significado de shows de bandas evangélicas).

Quando estamos orando em assembleia, não estamos pregando o evangelho, mas falando com Deus e colocando diante dele nossas necessidades. Mais uma vez temos uma atividade com sentido vertical, de nós para Deus quando nossas orações sobem à presença do Pai.

Quando estamos pregando ou ouvindo o ministério da doutrina dos apóstolos, não estamos pregando o evangelho porque nossos irmãos já são convertidos, e quem está ministrando não está pregando a incrédulos, mas a crentes. Trata-se de uma atividade também vertical, pois é a Palavra que o Espírito Santo de Deus traz através dos irmãos que ministram que será distribuída entre os santos, como os pães que o Senhor multiplicou e depois deu aos discípulos para que distribuíssem entre a multidão. Numa reunião assim não existe o apelo para que o pecador se converta, pois a Palavra é dirigida a crentes.

Obviamente em todas essas atividades a obra de Cristo é colocada sob os holofotes, porque tudo começa ali, e a Palavra de Deus continuará sendo o poder de Deus para a salvação de todo o que crê. Se um incrédulo escutá-la poderá ser convencido pelo Espírito Santo e se converter. Mas não é o incrédulo a ocupação dos crentes que ministram na assembleia, e sim Deus, na adoração, e nossos irmãos, pelos quais intercedemos em oração, e no ministério da Palavra para edificação exortação e consolação dos crentes.

Repare que os primeiros cristãos não se reuniam em assembleia ou igreja para pregar o evangelho; eles se reuniam para adorar a Deus, ter comunhão, orar e aprender da Palavra. A evangelização não é uma atividade da igreja ou assembleia, mas da pessoa que evangeliza. Até mesmo o batismo é uma responsabilidade e atividade de quem prega o evangelho, e não da igreja ou assembleia, como se fosse uma responsabilidade institucional.

(Atos 2:42) “E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações”. (Percebe que o evangelismo não aparece aqui?).

(Atos 8:38) “E mandou parar o carro, e desceram ambos à água, tanto Filipe como o eunuco, e o batizou”.