Judas participou da ceia do Senhor?
Eu acredito que Judas tenha saído antes de Jesus ter partido o pão e dado o cálice com vinho para os discípulos. A passagem que mostra Jesus dando a Judas um pão molhado tem o sentido de pão com molho (de carne ou de ervas usado na ceia da Páscoa dos judeus, que comiam um cordeiro assado no fogo) e não molhado no vinho.
Mesmo assim devemos nos lembrar de que aquela não era a ceia que celebramos, pois ela foi antes da morte do Senhor (ele estava vivo ali). Eles estavam celebrando a Páscoa judaica, que também era uma ceia ou refeição que incluía carne, pão e ervas, além do vinho que era a bebida convencional em cada refeição judaica. Entendo que foi depois de terem celebrado a Páscoa, segundo o mandamento da Lei de Moisés, que o Senhor instituiu a ceia em memória de si.
A ceia que celebramos é mostrada em 1 Coríntios 11, a qual o Senhor revelou a Paulo depois de ter morrido e ressuscitado. Portanto é nessa condição que hoje celebramos a ceia. Paulo não ouviu sobre a ceia de outros discípulos, mas foi o Senhor quem lhe revelou.
(1 Co 11:23) “Porque eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão...”.
Pelo relato de Lucas pode parecer que Judas tenha participado da ceia, mas quando comparamos com os outros evangelhos vemos que ele saiu antes que o Senhor instituísse a ceia. Uma das particularidades do evangelho de Lucas é que ele reúne os eventos numa sequência moral e não cronológica. Já Mateus agrupa os eventos de uma forma dispensacional. João, apesar de não descrever a ceia, dá a entender que Judas deixou o local antes:
(Jo 13:21-30) “Tendo Jesus dito isto, turbou-se em espírito, e afirmou, dizendo: na verdade, na verdade vos digo que um de vós me há de trair. Então os discípulos olhavam uns para os outros, duvidando de quem ele falava. Ora, um de seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus. Então Simão Pedro fez sinal a este, para que perguntasse quem era aquele de quem ele falava. E, inclinando-se ele sobre o peito de Jesus, disse-lhe: Senhor, quem é? Jesus respondeu: É aquele a quem eu der o bocado molhado. E, molhando o bocado, o deu a Judas Iscariotes, filho de Simão. E, após o bocado, entrou nele Satanás. Disse, pois, Jesus: o que fazes, faze-o depressa. E nenhum dos que estavam assentados à mesa compreendeu a que propósito lhe dissera isto. Porque, como Judas tinha a bolsa, pensavam alguns que Jesus lhe tinha dito: Compra o que nos é necessário para a festa; ou que desse alguma coisa aos pobres. E, tendo Judas tomado o bocado, saiu logo. E era já noite”.
No versículo 2 deste capítulo, embora algumas traduções tragam “E, acabada a ceia, tendo o diabo posto no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, que o traísse...” (Almeida Corrigida), uma tradução mais correta seria a que você encontra em outras versões (Almeida Atualizada, Darby, Ave Maria, Soc. Bíblica Britânica, CNBB, NVI, etc.), como “enquanto ceavam, tendo já o Diabo posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, que o traísse...”. Ali está falando da ceia pascal, não da ceia do Senhor que foi instituída DEPOIS da ceia pascal.
Portanto, foi durante a ceia da Páscoa que o diabo colocou no coração de Judas o desejo de trair Jesus. No versículo 27, quando o Senhor dá a ele um pedaço de pão com molho, Satanás entra em Judas para este dar continuidade ao seu plano.
Entre Satanás insinuar a Judas (vers. 2) e entrar nele (vers. 27) houve um tempo para que Judas repelisse tal insinuação, e para nós isso também é um alerta: o pecado só se consuma depois de ter sido insinuado em nosso coração. Sempre existe um período em que temos a oportunidade de repelir a tentação.
(1Ts 5:22) “Abstende-vos de toda a aparência (ou forma) do mal”.
(Tg 1:12-15) “Bem-aventurado o homem que suporta a tentação; porque, quando for provado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que o amam. Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta. Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência. Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte”.
(Jo 13:30) “E, tendo Judas tomado o bocado, saiu logo. E era já noite”.
Foi só depois de terminarem a refeição ou ceia da Páscoa que o Senhor instituiu a ceia do Senhor (Mt 26:26; Marcos 14:22; Lucas 22:21). O fato de em Marcos 14:23 dizer “todos” não apresenta qualquer dificuldade se entendermos que Jesus estava falando dos que ficaram no aposento.
Eles estavam à mesa em meio à ceia da Páscoa quando o Senhor pegou um pedaço de pão, molhou provavelmente em uma tigela com molho de carne ou ervas e o deu a Judas. O pão não foi necessariamente molhado em vinho, como alguns dizem, mas Jesus fez o que todos nós estamos acostumados a fazer numa refeição em que há algum molho ou tempero. Porém, mesmo que tivesse sido molhado em vinho isto não configuraria a participação na ceia do Senhor, a qual é celebrada com a separação distinta entre pão e vinho: primeiro o pão é partido e comido, e depois o vinho é bebido do cálice e não de um pão molhado.
De qualquer modo, os discípulos que participaram daquela ceia não o fizeram na condição de Igreja, de membros do corpo de Cristo, mas de um remanescente formado por judeus. A igreja seria formada só em Atos 2 e o seu significado seria revelado mais tarde primeiramente a Paulo.