A palavra “escrituras” no Novo Testamento refere-se ao Antigo Testamento?
Sim, sempre que lemos “escrituras” nos evangelhos, Atos e até nas epístolas, está se referindo ao Antigo Testamento. Para um judeu ou um prosélito (gentio convertido ao judaísmo) que conhecesse as escrituras do Antigo Testamento, o evangelho fazia todo sentido, pois era a concretização das promessas feitas pelos profetas.
Desde criança o judeu era ensinado nas escrituras e elas o ajudariam a identificar o Cristo que aguardavam, como aconteceu com Timóteo:
(2Tm 3:15) “E que desde a tua meninice sabes as sagradas Escrituras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus”.
Imagine um judeu, que cresceu vendo cordeiros sendo sacrificados pelos pecados dos homens, quando ouviu a frase de João Batista: “Este é o Cordeiro de Deus”. Ele imediatamente saberia de que João estava falando. Podia até achar um absurdo, uma blasfêmia, etc., mas não podia negar que sabia que João estava falando de um ser humano que seria entregue em sacrifício pelo pecado.
Em sua vida aqui ele várias vezes apoiava suas palavras nas escrituras do Antigo Testamento, e o evangelista Mateus é campeão em apontar em Jesus o cumprimento das escrituras, pois em seu evangelho é onde aparece o maior número de citações do Antigo Testamento cumpridas em Jesus. Por exemplo:
(Mt 1:22-23) “Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor, pelo profeta, que diz; Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, E chama-lo-ão pelo nome de Emanuel, Que traduzido é: Deus conosco”.
Vemos também que em outras ocasiões o próprio Senhor revelava o que dizia respeito a si mesmo no Antigo Testamento, ou então eram outros que, inspirados pelo Espírito de Deus, faziam afirmações a seu respeito como nestas passagens de Lucas:
(Lc 4:16-21) “Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos”.
(Lc 9:20) “E disse-lhes: E vós, quem dizeis que eu sou? E, respondendo Pedro, disse: O Cristo de Deus”.
Quando o Senhor, depois de ressuscitar, encontra-se com dois discípulos no caminho de Emaús, ele lhes fala de tudo o que estava escrito dele nas escrituras. Mas não basta o mero conhecimento das escrituras, o qual aqueles dois certamente tinham. Ali foi preciso o Senhor abrir também seus olhos e entendimento para que eles o reconhecessem e as escrituras pudessem aquecer seus corações.
É esta a grande diferença entre um salvo e um perdido. Fale a um perdido da Bíblia e para ele você está falando de um livro velho e antiquado, cheio de regras absurdas, que deveria inclusive receber o veto de qualquer associação de proteção aos animais, tamanho o número de animais sacrificados em suas páginas. O incrédulo também enxergará um sem número de guerras e atrocidades e culpará a Deus (se acreditar que ele existe) por todas aquelas desgraças, sem nem ao menos passar perto de entender a real ruína do ser humano e muito menos ser capaz de ver Cristo em suas páginas, a resposta de Deus para a ruína que o pecado trouxe ao homem e à Criação. Dê a mesma Bíblia para um crente em Jesus e seus olhos brilharão, seu coração se aquecerá e ele falará de como foi salvo e abençoado, quando ainda era um pecador perdido e inimigo de Deus.
Se quisermos uma passagem das escrituras como exemplo disso, não penso numa melhor agora do que a do rei Salomão ordenando que a criança disputada por duas mães fosse cortada ao meio e entregue metade para cada uma.
Nós sabemos que Salomão, uma figura de Cristo reinando em paz, estava testando as mulheres, e imediatamente o teste fez vir à tona o que havia no coração de cada uma. Aquela que diz ao rei para cortar a criança não tinha qualquer relação de afeto, enquanto a verdadeira mãe estava disposta a perder a guarda do filho por amor a ele. Esta também sabia que seu pedido seria atendido, pois confiava na sabedoria e justiça de Salomão, o rei ao qual até reis acorriam para escutá-lo e contemplar a glória do seu reino.
Um crente enxerga principalmente duas coisas nas escrituras. Primeiro ele enxerga a Cristo, pois é dele que elas falam. Depois enxerga a si mesmo, individualmente, e à igreja, coletivamente, como objeto do amor e graça de Deus.
Assim, quando lê a história de Adão, vê Cristo assumindo a culpa de sua esposa, a igreja, por amor dela. Quando vê a história de Abel, enxerga aquele que sabia que Deus exigia um sacrifício de sangue pelo pecado. José, filho de Jacó, é Cristo sendo invejado e vendido pelos próprios irmãos, porém tirado da cova e exaltado para a salvação dos próprios irmãos que o venderam. Isaque é Cristo em busca de uma noiva, para o que o Pai (figurado por Abraão) envia o Espírito Santo (o servo da história) em busca da igreja (Rebeca, a noiva).
Davi é o Cristo guerreiro e conquistador que, depois de exilado pelo seu próprio povo, volta triunfante para destruir seus inimigos. Salomão é Cristo estabelecendo um reino de paz (quase não houve guerras no reinado de Salomão) e estabelecendo o lugar de adoração a Deus em Jerusalém. Ao mesmo tempo vemos Cristo, o “Bom Pastor” que dá a vida por suas ovelhas no Salmos 22, então o “Grande Pastor” que apascenta suas ovelhas ainda em um mundo hostil no Salmos 23 e o “Supremo Pastor” assumindo seu lugar de direito para reinar no Salmos 24.
Talvez existam centenas de referências diretas a Jesus no Antigo Testamento, na forma de profecias, e um sem número de referências na forma de tipo, já que aprendemos que até coisas, como o tabernáculo no deserto e a arca da aliança, são figuras de Cristo.