Um cristão pode ser vendedor?

Sua dúvida é se a profissão de vendas seria incompatível com a fé cristã, pois após atuar muitos anos como gerente de vendas de uma grande montadora de automóveis, e depois de observar que trabalho como palestrante, indagou: “O teu lado espiritual não choca com teu lado profissional, pelo fato de vendas ter o motivacional quase sempre voltado ao lado material? Como você separa?”.

A sua dúvida é também a dúvida de muitos cristãos, principalmente porque o cristianismo foi grandemente influenciado por filosofias orientais e pelo gnosticismo, que pregam que o mundo material é ruim e o mundo espiritual é bom, sem perceberem que existem “as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais.” (Ef 6:12). Todavia, ao criar o mundo material Deus afirmou seis vezes “bom” para cada coisa que fazia, e depois de ter criado o homem declarou que tudo o que havia feito era “muito bom”.

(Gn 1:4-31) “E viu Deus que era boa a luz... E disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca... e viu Deus que era bom.... E disse Deus: Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente está nela sobre a terra... e viu Deus que era bom.... E fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas... e viu Deus que era bom.... E Deus criou as grandes baleias, e todo o réptil de alma vivente que as águas abundantemente produziram conforme as suas espécies; e toda a ave de asas conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom.... E fez Deus as feras da terra conforme a sua espécie, e o gado conforme a sua espécie, e todo o réptil da terra conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom... E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou... E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom“.

Além disso, se a matéria fosse intrinsecamente maligna, o Filho de Deus jamais teria vindo em carne, já que assumiu aqui um corpo material semelhante ao nosso, porém sem pecado. A verdade é que o problema não está na matéria ou no mundo material, mas no pecado, este sim um intruso na Criação. Por causa do pecado, primeiro de Satanás e depois do homem, é que o mundo material se corrompeu e se degrada continuamente.

Qualquer trabalho ou profissão tem por objetivo prover o sustento, e isto não é diferente para o cristão, que ainda vive neste mundo, possui um corpo de carne e é exortado a trabalhar para comer. “Se alguém não quiser trabalhar, não coma também” (2 Ts 3:10). Porque trabalhamos, recebemos um salário ou pagamento por nosso trabalho, e isto geralmente vem na forma de dinheiro, seja ele de papel, metal ou digital. E nos evangelhos Jesus fala do dinheiro em um contexto negativo, primeiro chamando-o de “Mamom” , e depois de “riquezas da injustiça”.

Considerando que o próprio Senhor usou dinheiro, fazendo uma moeda aparecer na boca de um peixe, isto pode nos confundir, mas só até entendermos que o mal não está no dinheiro, mas no amor ao dinheiro. “Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores” (1Tm 6:10).

Escrevi tudo isto para colocar cada coisa em seu devido lugar: a vida em um mundo material, trabalho, salário, dinheiro e o seu uso errado. Agora vamos à profissão de vender e também ao papel do palestrante quando motiva seu público a vender mais.

O Senhor Jesus certamente se envolveu em vendas, pois trabalhando como carpinteiro, profissão que provavelmente aprendeu com José, ele não distribuía gratuitamente o resultado de seu trabalho, mas vendia para ajudar na manutenção da família. Seria tolice pensar que ele simplesmente fazia pães e peixes aparecerem na mesa da família como fez para alimentar as multidões. Nenhum milagre é registrado antes do início de seu ministério, pois os milagres e sinais tinham um objetivo muito claro: demonstrar suas credenciais de Messias e Rei prometido a Israel. Portanto pense em Jesus, em sua juventude e até o início de seu ministério, como um profissional vivendo, trabalhando e comercializando os produtos e serviços que oferecia.

Agora vamos pensar nos discípulos que encontramos em Atos. Excetuando os apóstolos, que haviam sido chamados de forma muito específica e deixaram seus ofícios de pescadores ou, como foi o caso de Mateus, de funcionário público, todos os outros estavam envolvidos com vendas. Até mesmo um funcionário precisa vender bem sua capacidade para permanecer no emprego ou ser promovido. Lídia era vendedora de púrpura, Dorcas era costureira e Paulo, juntamente com Priscila e Áquila, estava empenhado na fabricação de tendas. O que eles faziam com sua púrpura, suas confecções e suas tendas? Vendiam.

E o que dizer de Barnabé? Ele tinha uma propriedade e decidiu vendê-la para entregar o fruto da venda aos apóstolos para o sustento destes e também dos irmãos necessitados. Você conseguiria imaginar Barnabé entregando sua propriedade a qualquer preço? Eu não. Acredito que ele tenha avaliado pelo preço de mercado e procurado a melhor oportunidade de vender pelo maior preço que pudesse conseguir. Menos que isto seria desprezar o fato de Deus ter colocado aquele bem em suas mãos com um propósito maior. É preciso entender que sempre que ocorre uma transação de compra e venda isto pode também ser encarado como uma ajuda.

Aprendi com minha mãe, que vinha de uma linhagem de empresários e comerciantes, a nunca criticar pessoas ricas por comprarem coisas caras ou fazerem festas suntuosas. Ela sempre dizia que muitos eram beneficiados com aquilo: fabricantes, operários, comerciantes, balconistas, garçons, costureiras, músicos, etc. Quantas vezes você comprou algo no semáforo para ajudar uma pessoa? A compra e venda podem ser enxergadas como ajuda. O vendedor me ajuda a encontrar e possuir o que necessito e eu ajudo o vendedor a alimentar seus filhos. Mesmo porque as coisas não aparecem por passe de mágica: tudo, absolutamente tudo o que temos, passou pelas mãos de um vendedor. Até eu e você, pois alguém comprou os serviços da parteira, que por sua vez vendeu sua experiência.

Portanto não vejo que exista algum mal na profissão de vendas, desde que esta seja feita de maneira ética. É claro que enganar para vender não é a maneira do cristão, mas sim procurar descobrir as necessidades do cliente para ajudá-lo a encontrar aquilo que procura ou ir além, apresentando até o que poderá precisar no futuro. Certamente existem muitos vendedores que mentem e enganam os clientes, mas não é o que eu e muitos outros palestrantes ensinamos nas palestras...