O Espirito Santo foi dado antes de Pentecostes?
Sua dúvida é se no capítulo 20 do Evangelho de João o Espírito Santo teria sido dado aos discípulos antes de Atos 2, quando lemos da fundação da igreja. A verdade é que o Espírito Santo é visto enchendo e influenciando os santos e até incrédulos (por exemplo, Balaão) em todas as eras anteriores a Pentecostes, como é possível ver em algumas passagens do Antigo Testamento:
(Ex 31:1-5) “Depois falou o Senhor a Moisés, dizendo: Eis que eu tenho chamado por nome a Bezalel, o filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, E o enchi do Espírito de Deus , de sabedoria, e de entendimento, e de ciência, em todo o lavor, Para elaborar projetos, e trabalhar em ouro, em prata, e em cobre, E em lapidar pedras para engastar, e em entalhes de madeira, para trabalhar em todo o lavor”.
(Nm 24:2) “E, levantando Balaão os seus olhos, e vendo a Israel, que estava acampado segundo as suas tribos, veio sobre ele o Espírito de Deus“.
(1 Sm 10:6-10) “[Samuel dizendo a Saul]: E o Espírito do Senhor se apoderará de ti , e profetizarás com eles, e tornar-te-ás um outro homem... E, chegando eles ao outeiro, eis que um grupo de profetas lhes saiu ao encontro; e o Espírito de Deus se apoderou dele , e profetizou no meio deles”.
(Sl 51:11) “Não me lances fora da tua presença, e não retires de mim o teu Espírito Santo“.
(2 Cr 15:1) “Então veio o Espírito de Deus sobre Azarias , filho de Odede”.
(2 Cr 24:20) “E o Espírito de Deus revestiu a Zacarias , filho do sacerdote Joiada”.
Em João20 o versículo 22 deve ser lido no contexto do que vem antes e depois, pois o assunto ali não é a descida do Espírito Santo que o Senhor havia prometido aos discípulos nas passagens abaixo:
“E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre; Mas aquele Consolador, o Espírito Santo , que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito. Mas, quando vier o Consolador , que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, ele testificará de mim. Todavia digo-vos a verdade, que vos convém que eu vá; porque, se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, quando eu for, vo-lo enviarei“ (Jo 14:16, 26; 15:26; 16:7).
Da passagem acima fica muito claro que o Espírito Santo só seria dado depois que Cristo morresse, ressuscitasse e ascendesse aos céus para rogar ao Pai que enviasse o Espírito. Para entender Jo 20:22 é preciso ler os versículos 21 e 23, pois só então será possível entender que esse “assoprar” o Espírito nos discípulos não fala de eles receberem como ocorreu em no dia de Pentecostes ou como ocorre com cada crente em Jesus. O assunto ali em Jo 20 é o comissionamento dos discípulos para que saíssem por Cristo neste mundo para pregar, representando Aquele que estaria ausente a partir de então:
(Jo 20:21) “Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco; assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós“.
No versículo 21 está comissionando seus discípulos e os enviando a pregar as boas novas neste mundo como Seus representantes.
(Jo 20:22) “E, havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei [o] Espírito Santo“.
Para capacitá-los nessa tarefa o Senhor assopra neles Espírito Santo. No original está “Recebei Espírito Santo” e não “Recebei o Espírito Santo”. Quando Deus soprou em Adão feito de barro Adão não recebeu o Espírito de Deus, mas recebeu fôlego da vida vinda de Deus, capacitando-o a viver como um ser à imagem e semelhança de Deus:
(Gn 2:7) “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida ; e o homem foi feito alma vivente”.
Acredito que o versículo 22 tenha também este sentido, não de receber “O” Espírito, como viria a ocorrer em Atos 2 e depois com todo aquele que viesse a crer em Cristo, individualmente, e com a igreja coletivamente, mas de receber a capacitação necessária (vinda do Espírito de Deus) para serem enviados. O versículo seguinte é o de sua próxima dúvida:
(Jo 20:23) “Àqueles a quem perdoardes os pecados lhes são perdoados; e àqueles a quem os retiverdes lhes são retidos”.
Uma vez enviados e capacitados, eles recebem também autoridade para perdoar pecados, porém o perdão aqui é obviamente declaratório, e não o perdão eterno que é uma prerrogativa de Deus. Como assim? Bem, se eu prego o evangelho a alguém prometendo que pela fé no Salvador essa pessoa terá todos os seus pecados perdoados, se essa pessoa crer eu posso declarar que seus pecados foram todos perdoados, pois a garantia disso tenho na Palavra de Deus. Mas se a pessoa recusar-se a crer eu posso declarar que seus pecados são retidos, pelo menos até que ela decida crer.
Mas não podemos nos esquecer de que aos apóstolos foi dada também uma autoridade que vai além dessa que é comum a todo crente. Eles tinham autoridade para entregar alguém a Satanás para a destruição da carne (1 Co 5:3-5; 12-13) como parece ter sido o caso na morte de Ananias e Safira em Atos 5:1-11. Ou seja, aos apóstolos havia sido dado o poder de vida e morte sobre os cristãos no sentido administrativo e punitivo, obviamente não implicando com isso qualquer alteração no estado eterno da alma do que era assim disciplinado. É este o caso do “pecado para morte” de 1 João, ou seja, morte física, do corpo:
(1 João 5:16) “Se alguém vir pecar seu irmão, pecado que não é para morte, orará, e Deus dará a vida àqueles que não pecarem para morte. Há pecado para morte , e por esse não digo que ore”.
Em 1 Coríntios5 e também em Mateus 18 o assunto é a autoridade dada à igreja para “ligar” e “desligar”, isto é, tomar decisões relativas à assembleia no sentido de perdoar ou não pecados na esfera administrativa ou governamental.
(Mt 18:15-20) “Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão Mas, se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda a palavra seja confirmada. E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano. Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu. Também vos digo que, se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles”.
O malfeitor de 1 Coríntios5 parece ter sido restaurado em 2 Coríntios 2:4-8 por sugestão do apóstolo aos irmãos de Corinto, o que teria sido o “desligar” ou a anulação do “ligar” executado em 1 Coríntios 5.
Fica mais claro entender o que é um perdão administrativo ou governamental quando transferimos isto para a esfera da justiça humana. No Brasil um criminoso pode ir para a cadeia por 35 anos e sair antes por bom comportamento. Quando sair a justiça o declarará livre e perdoado do que fez, pois cumpriu sua pena. Mas, por mais que Deus reconheça a justiça humana que ele próprio estabeleceu, não significa que aquele criminoso está perdoado pela justiça divina. A menos que ele creia no Salvador, seus pecados continuarão nele e sujeitos à sentença e condenação eterna no lago de fogo.