Por que os pastores não entendem estas coisas?
Após ter lido o livro “A ordem de Deus” você diz ter sido esclarecido sobre muitos pontos relativos ao corpo de Cristo e se diz perplexo por estas verdades não serem compreendidas pelos pastores. O raciocínio lógico seria acreditar que por eles fazerem cursos de teologia deveriam estar cientes dessas coisas.
Cursos e faculdades de teologia são invenções humanas, e basta ver um dos títulos que elas outorgam para entender isso: “Doutor em Divindade”. Alguém em sã consciência poderia aceitar um título assim, considerando-se um perfeito entendedor da Divindade?
(1 Co 8:2) “E, se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber”.
Considerando que essas faculdades criam uma casta de homens considerados superiores em conhecimento aos cristãos comuns, isto acaba também entrando em conflito com passagens como:
(Mt 11:25) “Naquele tempo, respondendo Jesus, disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos”.
(1 Co 2:4-5) “A minha palavra, e a minha pregação, não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria humana, mas em demonstração de Espírito e de poder; Para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria dos homens, mas no poder de Deus”.
(1 Co 2:13-15) “As quais também falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais. Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido”.
Fica evidente que existe um abismo entre o “sistema de ensino” da sabedoria humana e o aprendizado das coisas de Deus, o qual só pode ocorrer mediante o Espírito Santo. Portanto, não é estudando arqueologia, história, antropologia ou línguas antigas que alguém chega ao conhecimento da verdade, mas pela aplicação, pelo Espírito, da Palavra de Deus no coração do crente.
Os evangelhos estão cheios de exemplos de pessoas incultas que reconheceram em Jesus o Messias prometido pelos profetas, enquanto os doutores da Lei e até mesmo os discípulos em algumas ocasiões não enxergavam isso. É instrutivo o capítulo 18 de Lucas, onde temos alguns contrastes evidentes entre aqueles que estão humanamente capacitados e aqueles que são capacitados pelo Espírito Santo.
em Lucas 18:9-14 temos um fariseu cheio de si e de práticas religiosas, e um publicano humilhado diante de Deus. Qual conhecia melhor a Deus? na sequência (Lc 18:15-25) há um jovem rico e versado na Lei cuja bagagem de conhecimento e obediência aos mandamentos é colocada em contraste com os meninos dos quais Jesus diz ser o Reino. O que poderia saber uma criança quando comparada a um ilustre príncipe dos judeus?
Então vemos em Lucas 18:31-43 os discípulos perplexos com as afirmações de Jesus de que deveria ir a Jerusalém para ser morto e um pobre cego que, mendigando, nem precisou de seus olhos naturais para reconhecer que estava diante do Filho de Davi, título que dava a Jesus a ascendência real e o devido reconhecimento de ser ele o escolhido de Deus para o trono. Antes que ele tivesse sua visão natural curada, seus olhos da fé já tinham visto o que olhos de carne não podem ver.
As escolas e faculdades de teologia podem ter tido uma origem bem intencionada, mas não vejo na Palavra de Deus fundamento para elas. O objetivo do cristão é conhecer a Cristo, não esta ou aquela doutrina ou arqueologia, antropologia, línguas antigas, etc. Se alguém quiser aprender estas coisas, que frequente uma escola secular e aprenda, e se for cristão use esse conhecimento humano para a glória de Deus, como faz com o dinheiro, a profissão, os talentos naturais, etc.
Não devemos nos esquecer de que as faculdades de teologia vêm de séculos e já existiam muito antes da reforma protestante. Aliás, no catolicismo elas eram até mais coerentes, pois tinham o objetivo de resguardar as doutrinas católicas, mesmo as equivocadas, e não fazer como as modernas escolas teológicas, que apresentam aos seus estudantes um cardápio do tipo “alguns creem em A, outros creem em B e outros em C”, como se a verdade fosse uma questão de escolha do homem.
Alguém poderia alegar que 2 Timóteo 2:2 serve de aval para a fundação dessas escolas: “E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros”. Este é realmente o papel de todo aquele que aprende da Palavra de Deus: ensinar a outros. Mas onde isto é feito de acordo com a Palavra de Deus? Posso encontrar algumas situações:
Nas reuniões da igreja, onde o ensino não é de um para muitos como no modelo denominacional católico ou protestante, mas de muitos para muitos:
(1 Co 14:31) “Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros; para que todos aprendam, e todos sejam consolados”.
No lar:
(1 Co 14:35) “E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos”.
(2Tm 3:14-15) “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido, E que desde a tua meninice sabes as sagradas Escrituras , que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus”.
(Tt 2:3-5) “As mulheres idosas , semelhantemente, que sejam sérias no seu viver, como convém a santas, não caluniadoras, não dadas a muito vinho, mestras no bem; Para que ensinem as mulheres novas a serem prudentes, a amarem seus maridos, a amarem seus filhos, A serem moderadas, castas, boas donas de casa, sujeitas a seus maridos, a fim de que a palavra de Deus não seja blasfemada”.
Em cartas e livros:
(2Ts 2:15) “Então, irmãos, estai firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa“.
(Cl 4:16) “E, quando esta epístola tiver sido lida entre vós, fazei que também o seja na igreja dos laodicenses, e a que veio de Laodiceia lede-a vós também”.
(1Ts 5:27) “Pelo Senhor vos conjuro que esta epístola seja lida a todos os santos irmãos”.
(1 João 5:13) “Estas coisas vos escrevi a vós , os que credes no nome do Filho de Deus, para que saibais que tendes a vida eterna, e para que creiais no nome do Filho de Deus”.
(2Tm 4:13) “Quando vieres, traze a capa que deixei em Trôade, em casa de Carpo, e os livros, principalmente os pergaminhos“.
No ministério daqueles que têm o dom (não o diploma) de ensinar:
(Atos 11:25-26) “E partiu Barnabé para Tarso, a buscar Saulo; e, achando-o, o conduziu para Antioquia. E sucedeu que todo um ano se reuniram naquela igreja, e ensinaram muita gente ; e em Antioquia foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos”.
Alguém poderia alegar que este último exemplo é perfeito para indicar a validade das faculdades teológicas. Será? O que vemos neste e em outros casos são homens usados por Deus no exercício de seus dons, e Paulo era um caso singular, e não diplomados em escolas teológicas ministrando a alunos das mesmas escolas. É muito simples ver o absurdo disso: como alguém poderia considerar-se “diplomado” no conhecimento de Cristo? E como avaliar o aprendizado da Palavra de Deus usando métodos humanos de ensino, como provas escritas, notas, disciplinas, etc.? É o conhecimento de Cristo que devemos buscar na Palavra, não de disciplinas como história ou geografia.
Maria assentada aos pés de Jesus encontrou a melhor parte sem frequentar nenhuma faculdade de teologia.
(Lc 10:39-42) “E tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual, assentando-se também aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra. Marta, porém andava distraída em muitos serviços; e, aproximando-se, disse: Senhor, não se te dá de que minha irmã me deixe servir só? Dize-lhe que me ajude. E respondendo Jesus, disse-lhe: Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária; E Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada”.
Pedro e João foram reconhecidos como detentores de um conhecimento que não vinha deles por terem estado com Jesus:
(Atos 4:13) “Então eles, vendo a ousadia de Pedro e João, e informados de que eram homens sem letras e indoutos , maravilharam-se e reconheceram que eles haviam estado com Jesus“.
Mas vamos à sua dúvida que é sobre a razão de os pastores não entenderem estas coisas que você aprendeu no livro “A ordem de Deus”. A dificuldade de um pastor compreender é grande, porque a primeira coisa que ele precisaria fazer, se entendesse, seria abandonar sua posição, já que ela não existe nas Escrituras. Existe o dom de pastor e existe o ofício de presbítero, mas no primeiro caso trata-se de um dom dado pelo Senhor, não por uma junta de homens com poderes para ordená-lo, e não se trata de alguém que fique à frente de uma congregação, mas de um que tem um coração de cuidado para com as ovelhas.
Além disso, os dons, como o de pastor, evangelista e mestre, não eram locais, mas universais. Ou seja, um pastor não era aquele responsável por uma congregação local, mas alguém ocupado com as ovelhas de Cristo onde quer que elas estivessem. Quanto aos presbíteros, eram sempre mais de um e divididos por cidades, não por denominações. Se quiser entender melhor isto sugiro que volte a ler os capítulos do próprio livro que leu onde é explicado o lugar de cada dom (como evangelistas, pastores e mestres) e de cada ofício (como presbíteros, bispos ou anciãos, que são tratados como sinônimos).
Como pode ver, está tudo errado no que os homens instituíram, e ao ler “A Ordem de Deus” isso salta aos olhos. Evidentemente, um clérigo, seja ele pastor, padre, presbítero ou qualquer título inventado pelos homens, ficará relutante em adotar a ordem bíblica pois isso significa em muitos casos “perder o emprego” e todas as regalias que o cargo traz, como o ser tratado como “o mais igual entre os iguais” (ouvi dizer que esta era uma expressão usada em monastérios católicos para designar o monge superior, por não poderem considerar ninguém superior de fato entre eles).
Visitei o site que indicou (Mary Schultze), mas ela adota a posição de muitos cristãos (inclusive pastores) que é a crítica ao sistema e a permanência nele. Muitos fazem assim, se esquecendo da importância que Deus dá ao apartar-se do erro. Alguns pastores chegam a apartar-se, mas apenas para iniciar uma nova denominação ou até uma igreja sem denominação, da qual acabam sendo “o mais igual entre os iguais”.
Se tiver facilidade com o inglês sugiro este ótimo texto de C. H. Mackintosh: One-sided Theology, do qual seleciono uma parte que diz:
“Ele [Deus], bendito seja o seu Nome, não se prendeu aos estreitos limites de alguma escola de doutrina, seja ela alta [calvinista], baixa [arminiana] ou moderada. Deus se revelou. Ele expôs os profundos e preciosos segredos de seu coração. Ele descortinou seus conselhos eternos relativos à Igreja, a Israel, aos gentios e à criação como um todo. Os homens podem tentar confinar o oceano em baldes que eles próprios criaram, do mesmo modo como tentam confinar o vasto espectro da revelação divina dentro dos frágeis recipientes dos sistemas humanos de doutrina. É impossível fazê-lo e jamais deveria ser tentado. O melhor é deixar de lado os sistemas e escolas de divindade e aproximar-se como uma criança da eterna fonte das Sagradas Escrituras, e ali beber dos ensinos vivos do Espírito de Deus”.
“Nada é mais prejudicial à verdade de Deus, mais estéril para a alma, ou mais subversivo para qualquer crescimento e progresso espiritual do que a mera teologia, seja ela alta ou baixa, calvinista ou arminiana. É impossível que alguém progrida além dos limites do sistema ao qual está ligado. Se sou instruído nos ‘cinco pontos’ como ‘a fé dos eleitos de Deus’, não poderei sequer pensar em buscar algo além disso, desaparecendo assim de meu campo de visão o mais glorioso campo de verdade celestial. Fico atrofiado, estreito, parcial; e corro o riso de cair naquele estado de espírito estéril e pedregoso que acaba me deixando ocupado com meros pontos doutrinários ao invés de ocupar-me com Cristo. Um discípulo da alta escola [calvinista] de doutrina não ouvirá falar de um evangelho anunciado a todo o mundo, do amor de Deus para o mundo, das boas novas para cada criatura sob os céus. Tudo o que possui é um evangelho para os eleitos. Por outro lado, um discípulo da baixa escola, ou arminiana, não escutará da segurança eterna do povo de Deus. Sua salvação dependerá em parte de Cristo e em parte de si mesmo. De acordo com esse sistema doutrinário, a canção dos redimidos deveria ser alterada. Ao invés de ‘Digno é o Cordeiro’ seríamos obrigados a acrescentar ‘...e digno somos nós’. Podemos estar salvos hoje, porém perdidos amanhã. Tudo isso desonra a Deus e priva o cristão de qualquer paz verdadeira”.
“Não escrevemos com a intenção de ofender o leitor, longe de nós tal pensamento. Não estamos falando de pessoas, mas de escolas de doutrina e sistemas de divindade, os quais gostaríamos sinceramente de exortar nossos amados santos a abandonarem de uma vez para sempre. Nenhum deles contém a completa verdade de Deus. Existem certos elementos de verdade em todos eles, mas a verdade geralmente está neutralizada pelo erro, e mesmo que encontrássemos um sistema que não apresentasse nada além da verdade, ainda assim ele não conteria toda a verdade. O efeito desses sistemas sobre a alma é o mais pernicioso possível, pois levam as pessoas a se gabarem de possuírem a verdade de Deus, quando na verdade possuem apenas um sistema humano parcial”.
“Volto a dizer que raramente encontramos um discípulo sequer de qualquer escola de doutrina que possa encarar as Escrituras como um todo. Ele irá citar passagens favoritas de modo contínuo e reiterado, mas descartará como inadequada uma grande parte das Escrituras”. (C. H. Mackintosh - 1820-1896).