Como lidar com visitantes?
Situações em que somos visitados por irmãos das denominações podem ser constrangedoras, mas nessas horas, independentemente do modo como agirmos, devemos investigar nosso coração e perguntar: “Estou agindo assim para agradar os irmãos visitantes?” ou “Estou agindo assim para agradar os irmãos com os quais tenho comunhão?”. Podemos errar agindo tanto de um modo como do outro, porque em nenhum dos casos estamos fazendo aquilo para o Senhor, para sua glória. “E, quanto fizerdes por palavras ou por obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai... E tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor, e não aos homens” (Cl 3:17-23).
De qualquer maneira, eu sei que as visitas de irmãos denominacionais em nossa casa, quando estamos apartados dos sistemas religiosos, podem ser realmente constrangedoras, e hoje é mais provável acontecer esse constrangimento com a visita de crentes do que de incrédulos. Quando temos visitas de incrédulos e explicamos a eles o costume da família, de ler a Bíblia ou orar ou cantar hinos, eles educadamente aceitam e ficam calados.
Mas quando são cristãos, e principalmente pentecostais, alguns não respeitam o modo como agimos e acabam querendo impor seus costumes, que geralmente são escandalosos (mudança no tom da voz, gritos exagerados de “aleluias”, uso de jargões que não têm respaldo bíblico, “profetadas” do tipo “O Espírito está me revelando blábláblá....”, etc.).
No dia em que minha mãe faleceu, ela já nem respondia mais a estímulos e sua vida estava visivelmente se esvaindo. Eu e minhas irmãs estávamos no quarto dela aguardando sua partida para o Senhor e combinamos de não chorarmos ou fazermos espetáculo naqueles últimos momentos. Sempre nos lembrávamos do que minha mãe contava, de quando a mãe dela (nossa avó) estava morrendo, minha mãe, que na época tinha uns 15 ou 16 anos, estava ao lado da cama “rezando” insistentemente em voz alta. Então, para surpresa de todos, minha avó abriu os olhos e disse: “Ruth, pare de rezar. Você não está deixando eu partir em paz”. Nunca sabemos o quanto uma pessoa moribunda está ouvindo e entendendo do que se passa ao redor.
Por isso tínhamos combinado de ficar em silêncio, pois não havia mais nada a fazer e, apesar de aparentemente adormecida pela fraqueza ou pela ação da morfina, ela poderia ainda estar escutando o que se passava no quarto e querer se apegar à vida, só prolongando seu sofrimento. Com mais de setenta anos, seu organismo já estava tomado pelo câncer que passou dos ossos para o pulmão. Seria um ato de misericórdia Deus levá-la para estar com Cristo. Dois dias antes, ainda lúcida, ela tinha até escolhido o vestido com o qual queria ser enterrada e dado as últimas instruções para nós cuidarmos de suas coisas. Minha mãe estava realmente em paz nos momentos em que antecederam seu encontro com o Senhor Jesus.
Aí chegaram alguns “obreiros” da denominação da empregada de minha mãe e queriam entrar no quarto para orarem pela cura dela. Não deixei e expliquei a eles que ela já estava morrendo e era uma questão de minutos (como realmente foi) para que ela entrasse na presença do Senhor. O “líder” deles não gostou nem um pouco e ainda contestou, querendo discutir que nunca era tarde demais, que a oração era poderosa e coisas do tipo.
Logo me lembrei do que uns “obreiros” da mesma denominação haviam feito com meu avô, pai de minha mãe. Depois de ter extraído o estômago, por causa de um câncer, e já moribundo e com tubos entrando em seu abdome, foi levado para casa para morrer. Foi a mesma história: uma empregada trouxe “obreiros” de sua denominação que insistiam que minha avó permitisse que eles levassem meu avô (ou trouxessem uma piscina de montar) para que fosse batizado por imersão, o que minha avó obviamente não permitiu. A respostas daqueles “obreiros” foi que então meu avô estaria perdido eternamente por não ter o “verdadeiro” batismo.
Portanto sempre existe algum constrangimento quando ficamos numa situação quando nos deparamos com cristãos vindos dessa confusão que é hoje a “grande casa” de 2 Timóteo 2, onde há vasos de honra e de desonra. Por isso é preciso que a família esteja bem coesa nesses momentos, principalmente para que o inimigo não acrescente mais um problema: o de criar um conflito também entre marido e mulher, pais e filhos.
Outro ponto que me vem à mente é o fato de nós mesmos reagirmos de forma inadequada diante de situações assim. O marido de minha filha, que é norte-americano, costuma dizer que conseguiu tirar minha filha do Brasil mas não o Brasil de minha filha. Isto porque apesar de ela morar nos EUA, falar fluentemente o inglês e estar totalmente ambientada aos costumes daquele país, em seu coração ainda bate um coração brasileiro e as coisas do Brasil ainda a encantam.
Isto também é verdade com respeito aos que saíram de uma denominação religiosa para congregar somente ao nome do Senhor, sem o sistema, o clero e outras coisas típicas das religiões. Mesmo tendo saído do sistema religioso, nem sempre o sistema religioso sai deles. Então é comum a pessoa trazer à tona costumes religiosos, principalmente em situações de stress. Uma análise rápida e imparcial pode claramente revelar costumes e maneiras de agir que mais lembram os fariseus do que o Senhor misericordioso que conhecemos nos evangelhos.
Vem-me à mente o versículo: (Mt 23:4-5) “Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los; E fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas das suas vestes”. Pessoas religiosas são bem assim: legalistas ( “atam pesados fardos” ), sem misericórdia ( “nos ombros dos [outros] homens” ), hipócritas ( “eles, porém, nem com o dedo querem movê-los” ), exibicionistas ( “fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens” ) e gostam de aparentar piedade como alerta Paulo a Timóteo em 2Tm 3:5 ( “pois... alargam as franjas das suas vestes” ).
As franjas das vestes eram, na verdade, roupas desfiadas pelo constante caminhar no deserto arrastando a barra das vestes no chão, um sinal de que o povo havia sido tirado por Deus do Egito para ser levado à terra prometida (Nm 15:38-41). A barra desfiada era para lembrá-los de seu caráter de humilhação e dependência de Deus, mas os fariseus faziam o desfiado ficar maior para mostrar que eram mais humildes do que os outros (é parecido com o que fazem alguns muçulmanos hoje, que batem constantemente a testa no chão nas orações para criar uma cicatriz e tornar visível a todos que são homens de oração).
Portanto devemos manter uma vigilância constante de nosso modo de agir para não nos tornarmos fariseus quando na presença de outras pessoas, como se quiséssemos dizer a elas: “Ei, vejam vocês, eu sou diferente! Eu estou congregado fora das denominações!”. Nessas horas o zelo sem entendimento atropela a misericórdia e acabamos apenas criando contendas, tanto com os visitantes como até com nossos irmãos e familiares.
Às vezes o que vem à tona nessas horas é o vocabulário, pois muitos denominacionais adoram chamar os irmãos de “irmão Fulano” ou “irmã Sicrana” na frente de incrédulos como forma de forçar uma distinção, colocando o “irmão” como se fosse um título de classe, tipo “professor” ou “doutor”. Isto não é muito diferente do que fazem monges e freiras, que chamam de irmãos apenas os que pertencem às suas ordens.
Quando lemos o último capítulo da carta aos Romanos vemos que Paulo não usa “irmão” antes de nenhum dos 30 nomes de irmãos que menciona ali. Apenas para Febe ele acrescenta “nossa irmã”. Na sequência, Tércio, que foi quem escreveu o que Paulo ditava, menciona três nomes próprios, mas apenas em um acrescenta “irmão”, no caso de Quarto.
Outro exemplo da adoção de algo até bíblico para criar distinção é o ósculo ou beijo entre irmãos. Algumas denominações usam o “ósculo” como forma de se distinguirem dos demais, mesmo daqueles que creem no Senhor (alguns nem mesmo consideram irmãos os de fora de sua organização religiosa). O ósculo que a Palavra de Deus menciona é “ósculo santo” e não um instrumento de discriminação e farisaísmo. (1Ts 5:26) “Saudai a TODOS os irmãos com ósculo santo”. Não se trata de uma lei, pois o cristão não vive dentro de um sistema legalista de mandamentos e regras. Também está muito evidente não se tratar de um ato de segregação, pois ali diz “a TODOS os irmãos”.
Outras denominações usam uma saudação característica, como “paz do Senhor” ou “paz de Cristo” para se diferenciarem de outros cristãos, não fazendo a mesma saudação, ou por não os considerarem irmãos de fato ou por acharem que sejam cristãos de uma categoria inferior. Falando a seus discípulos, o Senhor deixou claro: (Mt 23:8) “Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos“.
Outras vezes nos deixamos levar por uma forma legalista de agir trazida da religião de onde saímos. A diferença é que simplesmente acabamos adotando leis e regras diferentes daquelas às quais estávamos habituados no sistema religioso, mas não deixam de ser igualmente leis e regras. Por exemplo: a mulher deve cobrir a cabeça quando orar ou profetizar (falar do Senhor)? Sim, porque vemos isto claramente na doutrina dada pelos apóstolos (1 Co 11:1-16). Não é difícil de ser obedecido por qualquer mulher em qualquer situação, pois às vezes até a mão serve como cobertura na hora de dar graças pelo alimento em um restaurante, por exemplo. Mas seria isto uma lei ou mandamento que devesse ser aplicado como se vivêssemos no Antigo Testamento? Certamente não, pois hoje vivemos não mais na lei, mas na graça.
Dou um exemplo: você está de moto numa via movimentada e em alta velocidade e se lembra de que naquele exato momento uma pessoa muito querida está entrando na sala de operações de um hospital para uma cirurgia complicada. Imediatamente vem o desejo de orar por aquela pessoa, bem ali, em sua moto a cem por hora numa estrada movimentada e sem acostamento. Mas o problema é que você é homem e está de capacete, ou seja, com a cabeça coberta, o que a Bíblia diz que não é a maneira apropriada para um homem orar (1 Co 11:4). Você deixa de elevar a Deus o nome daquele enfermo em uma rápida oração em pensamento, ou simplesmente se nega a fazer isso priorizando o fato de estar com a cabeça coberta?
Sim, você pode até parar mais à frente, tirar o capacete e orar, mas o Senhor certamente entenderia sua situação se antes tivesse pedido que guiasse as mãos dos médicos, ainda que tivesse feito isto de capacete a cem por hora numa moto. Lançar aos céus uma oração rápida de cima da moto teria sido um ato de misericórdia. Estacionar quando pudesse para tirar o capacete e orar teria sido “dizimar a hortelã, o endro e o cominho”, parodiando o versículo a seguir:
(Mt 23:23-28) “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé ; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas. Condutores cegos! Que coais um mosquito e engolis um camelo.”
(Os 6:6) “Porque eu quero a misericórdia, e não o sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos”.