Devo me submeter ao ritual da crisma?
Por ser jovem e ainda viver na casa de seus pais, esta é uma questão que aflige muitos convertidos a Cristo: seguir ou não as tradições religiosas da família para evitar o enfrentamento e transtornos? Eu mesmo já passei por isso no início de minha conversão e acredito hoje sinceramente que a posição que tomei, apesar de radical demais segundo meu entendimento atual, mostrou a meus pais e irmãs que eu era coerente na fé que tinha abraçado. Eventualmente meus pais e minhas irmãs acabariam abraçando a mesma fé, apesar da tradição católica que todos haviam seguido desde o nascimento.
Quando cremos em Jesus e decidimos obedecer a Palavra de Deus certamente iremos encontrar muitas práticas religiosas familiares que não têm fundamento na Palavra. Se, por um lado, o batismo é uma ordenança bíblica que devemos respeitar, independente de quem nos tenha batizado ou em que religião, desde que tenha sido com água e para o nome de Jesus, a crisma, que é a razão de sua dúvida, não tem qualquer fundamento bíblico.
Segundo a doutrina católica “só com a crisma teremos no céu a proximidade de Deus e a intensidade de amor que ele quer nos dar. Além disso, só com a crisma teremos as forças necessárias para vencer as tentações e caminharmos firmemente no caminho da perfeição” (citação obtida em um site de doutrinas católicas). Não é preciso conhecer muito a Bíblia para perceber que tal afirmação não tem qualquer fundamento e torna o homem dependente de um ritual para receber aquilo que Deus dá a todo crente por pura graça e independente da intervenção humana.
Além disso, o fato de esse ritual precisar ser ministrado por um bispo católico (em caso de urgência serve um padre) mostra que seu objetivo é criar dependência do clero. Isso não acontece apenas no catolicismo, mas também no protestantismo, onde muitas atividades são prerrogativa dos membros do clero protestante. Tal costume foi importado do judaísmo, uma religião que, apesar de ter sido instituída por Deus, foi totalmente deixada de lado, como nos ensina a carta aos Hebreus e outras passagens da doutrina dos apóstolos.
O site católico de onde obtive informações sobre o chamado “sacramento da crisma” ensina que “o ministro do sacramento da crisma é o bispo, pois é o pai de todos os fiéis, aquele que lhes confere maturidade da vida da graça” , o qual no ritual dá um leve tapa no rosto da pessoa crismada. Segundo a doutrina católica, isto serve “para significar que ela é soldado de Cristo, tendo o dever de suportar pacientemente, em nome de Jesus, toda sorte de sofrimentos e de injúrias, defender a Fé quando atacada e conhecer a doutrina”. Obviamente está se referindo à doutrina católica, que é baseada, não na Bíblia, mas na tradição dos papas que o catolicismo considera como estando acima da Palavra de Deus.
As pessoas que ministram esse ritual, e as pessoas que são crismadas, têm a melhor das intenções, mas ignoram ou preferem ignorar o que ensina a Bíblia. De acordo com o catolicismo, a crisma seria baseada em Atos 8:14-17, que diz:
“Os apóstolos, pois, que estavam em Jerusalém, ouvindo que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João. Os quais, tendo descido, oraram por eles para que recebessem o Espírito Santo (porque sobre nenhum deles tinha ainda descido; mas somente eram batizados em nome do Senhor Jesus). Então lhes impuseram as mãos, e receberam o Espírito Santo”.
Tirada de seu contexto a passagem pode fazer sentido sob a ótica católica, mas quando analisada à luz de toda a Palavra de Deus fica claro que aqui se trata de um tempo de transição (como é todo o livro de Atos). Quando o Espírito Santo foi dado, primeiro isso aconteceu em Atos 2, na formação da igreja e exclusivamente aos judeus, que primeiro receberam o Espírito Santo e depois foram batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Mas a igreja não iria ser formada apenas por judeus, por isso encontramos em Atos 8 o Espírito ser dado também aos samaritanos que haviam sido batizados. Os samaritanos eram gentios que haviam sido convertidos compulsoriamente ao judaísmo durante o tempo em que a terra de Israel ficou invadida pelo inimigo e esvaziada de verdadeiros israelitas. Eles acabaram criando sua própria versão do judaísmo e por isso não eram bem vistos pelo judeu, como vemos no caso da mulher samaritana em João 4.
Mas em Atos 8 vemos que não foi a todos que o Espírito Santo foi ali dado por meio da imposição das mãos dos apóstolos. Simão, em Atos 8:18-24, não teve tal privilégio. Ele não passava de um cristão professo, não nascido de novo e nem salvo, mas apenas revestido de um nome pelo batismo, como encontramos hoje aos milhares.
Depois de judeus e samaritanos, em Atos 10 vemos a terceira classe de pessoas que viria a receber o Espírito Santo e a fazer parte da recém-criada igreja: os gentios, representados ali pelo centurião romano Cornélio e os que o acompanhavam. “E, dizendo Pedro ainda estas palavras, caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra. E os fiéis que eram da circuncisão, todos quantos tinham vindo com Pedro, maravilharam-se de que o dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios” (Atos 10:44-45). É importante notar as diferenças na ordem em que essas pessoas são introduzidas:
1. JUDEUS - Atos 2:38: os judeus são introduzidos seguindo este processo:
a. Arrependimento (os judeus eram primariamente culpados da rejeição e morte de seu Messias, portanto tinham muito de que se arrepender).
b. Batismo nas águas.
c. Recebimento ou selo do Espírito Santo.
2. SAMARITANOS - Atos 8:14-17: os samaritanos são introduzidos; eles eram gentios convertidos ao judaísmo levados para a terra prometida para substituir os judeus durante o exílio:
a. Fé (crer).
b. Batismo nas águas.
c. Recebimento do Espírito pela oração e imposição de mãos dos apóstolos.
3. GENTIOS - Atos 10:44-48: todos aqueles que não eram judeus ou samaritanos:
a. Fé (crer).
b. Recebimento do Espírito Santo.
c. Batismo nas águas.
Finalmente podemos mencionar também uma classe especial ali que são os discípulos de João Batista - Atos 19:1-7, um subgrupo de judeus que eram os discípulos de João, que já haviam se apartado dos judeus e suas culpas:
a. Fé (crer)
b. Rebatismo nas águas (tinham sido antes batizados “em” João Batista como os israelitas tinham sido batizados “em” Moisés, pois quando você é batizado, você é batizado “a” alguém, compare as passagens 1 Co 1:15; 10:2; Gálatas 3:27).
c. Recebimento do Espírito Santo pela imposição das mãos do apóstolo.
Veja que estes não são processos para a salvação, a qual recebemos apenas pela fé em Jesus, mas apenas a ordem em que as coisas aconteceram em um período de transição, quando foram usadas as chaves recebidas por Pedro (Mt 16:19) para abrir o Reino dos céus (que não é o céu, mas a esfera da profissão cristã onde existe tanto joio quanto trigo) a judeus, samaritanos e gentios.
Uma vez formada a igreja não vemos mais as pessoas receberem o Espírito Santo na forma como ocorreu em Atos esse período de transição e inauguração da igreja. Encontramos em Efésios o claro ensino de que o Espírito Santo é recebido agora como decorrência da fé em Cristo, sem intervenção humana, e é o Espírito a garantia ou penhor de que seremos levados para o céu. Nenhum homem ou ritual pode nos dar tal garantia.
“Cristo... em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade , o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa. O qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão adquirida, para louvor da sua glória” (Ef 1:13-14).
Portanto nenhuma pessoa poderá afirmar que a crisma tem fundamento bíblico se tentar usar a passagem de Atos 8 ou qualquer outra do Novo Testamento. Os próprios católicos reconhecem isso, tanto é que apelam para a tradição católica recorrendo a uma frase de São Cipriano que no ano 258 teria escrito: “Os batizados serão conduzidos aos Bispos, a fim de, por sua oração e imposição das mãos, receberem o Espírito Santo, e pelo selo do Senhor, serem perfeitos”. Faria todo sentido se nossa responsabilidade fosse a de seguir tradições humanas e não a Palavra de Deus.
Como proceder então quando a família exige sermos crismados no catolicismo? É claro que decisões assim dependem de cada crente no Senhor Jesus e de buscar a direção do Espírito Santo. Mas posso afirmar sem sombra de dúvida que a crisma não é uma ordenança bíblica e sequer tem fundamento na Palavra de Deus, portanto não há razão para algum salvo por Cristo, que deseja obedecer à Palavra de Deus, se sujeitar a ela.
Quando cremos em Cristo devemos traçar uma linha divisória clara entre o que éramos e o que agora somos, e isto inclui religião, tradição, mundanismo, etc. Trata-se de uma questão de coerência: se estou determinado a seguir o que diz a Palavra, seria correto continuar praticando os rituais da religião na qual nasci, os quais são claramente fundamentados na tradição dos Papas e não na Palavra de Deus? A santificação prática, e a palavra “santificação” significa “separação”, inclui também tradições e costumes religiosos. Devemos nos separar dos costumes que sejam uma desonra ao Senhor e à sua graça, mesmo que agir assim possa trazer consequências desagradáveis para nosso relacionamento com amigos e parentes.
Eu entendo a crisma como uma desonra a Deus e à sua graça, por incluir condições para a recepção do Espírito Santo de Deus ou dos dons do Espírito. A própria doutrina católica ensina que é pela crisma que o cristão receberia os “7 dons” , que seriam “Temor de Deus, Piedade, Fortaleza, Conselho, Ciência, Inteligência e Sabedoria”. Que desonra a Cristo é tal ideia! Pela Palavra de Deus aprendemos que todo dom é dado por Cristo, e isso não depende da intervenção de homens, muito menos de um autointitulado clero.
As pessoas que praticam a crisma podem ter até boa intenção achando com isso estarem agradando a Deus, mas se alguém quiser lhe dar um presente e você impuser condições para recebê-lo, algo do tipo, “Ok, aceito seu presente desde que eu possa fazer isso e aquilo em troca...”, isso será visto como desonra por quem lhe quer presentear de graça e sem condições.
Não duvido que ao assumir uma posição firme e coerente com sua obediência à Palavra de Deus você irá sofrer a repreensão e talvez até a perseguição de amigos e familiares. Sempre foi assim e o próprio Senhor havia previsto que na própria família o crente encontraria problemas. Quando queremos fugir dos problemas e agradar a todos deixamos de agradar ao Senhor. Foi o que o apóstolo Paulo fez quando insistiu em ir a Jerusalém e até a adotar rituais judaicos que ele próprio ensinava terem sido abolidos por Deus.
Mesmo depois de ter sido alertado pelo Espírito Santo ele seguiu seu próprio coração e o grande amor que tinha para com o povo judeu e sofreu as terríveis consequências de ter feito a sua própria vontade e não a vontade de Deus. Obviamente Deus acabou usando tudo aquilo para sua glória, fazendo com que Paulo chegasse a Roma para pregar aos gentios, que era a intenção inicial do Espírito Santo de Deus. Mas não foi sem sofrimento para Paulo por se deixar levar pelas afeições do coração e não pela clara direção do Espírito Santo de Deus. Para conhecer melhor a história sugiro a leitura de Atos a partir do capítulo 19, que vou resumir aqui:
(Atos 19:21) “E, cumpridas estas coisas, Paulo propôs, em espírito [seu próprio espírito humano], ir a Jerusalém , passando pela Macedônia e pela Acaia, dizendo: Depois que houver estado ali, importa-me ver também Roma...”.
(Atos 21:2-4) “E, achando um navio, que ia para a Fenícia, embarcamos nele... navegamos para a Síria e chegamos a Tiro; porque o navio havia de ser descarregado ali. E, achando discípulos, ficamos ali sete dias; e eles pelo Espírito diziam a Paulo que não subisse a Jerusalém“.
(Atos 21:7-23) “E nós, concluída a navegação de Tiro, viemos a Ptolemaida... E no dia seguinte, partindo dali Paulo, e nós que com ele estávamos, chegamos a Cesaréia e, entrando em casa de Filipe, o evangelista, que era um dos sete, ficamos com ele... E, demorando-nos ali por muitos dias, chegou da Judeia um profeta, por nome Ágabo; E, vindo ter conosco, tomou a cinta de Paulo, e ligando-se os seus próprios pés e mãos, disse: Isto diz o Espírito Santo: Assim ligarão os judeus em Jerusalém o homem de quem é esta cinta, e o entregarão nas mãos dos gentios. E, ouvindo nós isto, rogamos-lhe, tanto nós como os que eram daquele lugar, que não subisse a Jerusalém. Mas Paulo respondeu: Que fazeis vós, chorando e magoando-me o coração? Porque eu estou pronto não só a ser ligado, mas ainda a morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus”.
(Atos 21:17-24) “E, logo que chegamos a Jerusalém... no dia seguinte, Paulo entrou conosco em casa de Tiago, e todos os anciãos vieram ali... e disseram-lhe: Bem vês, irmão, quantos milhares de judeus há que creem, e todos são zeladores da lei. E já acerca de ti foram informados de que ensinas todos os judeus que estão entre os gentios a apartarem-se de Moisés, dizendo que não devem circuncidar seus filhos, nem andar segundo o costume da lei. Que faremos pois?... Faze, pois, isto que te dizemos: Temos quatro homens que fizeram voto. Toma estes contigo, e santifica-te com eles, e faze por eles os gastos para que rapem a cabeça, e todos ficarão sabendo que nada há daquilo de que foram informados acerca de ti, mas que também tu mesmo andas guardando a lei“.
(Atos 21:26-33) “Então Paulo, tomando consigo aqueles homens, entrou no dia seguinte no templo, já santificado com eles, anunciando serem já cumpridos os dias da purificação; e ficou ali até se oferecer por cada um deles a oferta. E quando os sete dias estavam quase a terminar, os judeus da Ásia, vendo-o no templo, alvoroçaram todo o povo e lançaram mão dele, Clamando: Homens israelitas, acudi; este é o homem que por todas as partes ensina a todos contra o povo e contra a lei, e contra este lugar; e, demais disto, introduziu também no templo os gregos, e profanou este santo lugar... e, pegando Paulo, o arrastaram para fora do templo, e logo as portas se fecharam. E, procurando eles matá-lo, chegou ao tribuno da coorte o aviso de que Jerusalém estava toda em confusão; O qual, tomando logo consigo soldados e centuriões, correu para eles. E, quando viram o tribuno e os soldados, cessaram de ferir a Paulo. Então, aproximando-se o tribuno, o prendeu e o mandou atar com duas cadeias, e lhe perguntou quem era e o que tinha feito”.
Apesar de Deus ter intercedido por meio do oficial romano para salvar a vida de Paulo, e no final ter usado o apóstolo como pretendia fazer enviando-o a Roma, todo esse sofrimento poderia ter sido evitado se Paulo deixasse de ouvir o seu próprio coração para ouvir a voz do Espírito, claramente manifestada pelos avisos dos irmãos de Tiro e pelo profeta Ágabo. Ao deixar-se enredar pelos conselhos dos cristãos judaizantes de Jerusalém ele não só comprometeu a própria doutrina que havia recebido de Cristo, a qual pregava com tanta veemência, mas também acabou sofrendo na própria carne as consequências dessa atitude. Como é possível ler nos capítulos seguintes de Atos, o apóstolo dos gentios ficou preso por não ter seguido logo de início a missão de “apóstolo dos gentios” que lhe tinha sido designada e decidiu dar uma passadinha em Jerusalém para agradar aqueles com quem mantinha laços de sangue e afeição, os judeus que ele tanto amava.