Toda denominação é uma seita?
Sim, qualquer denominação é uma seita, apesar de nem toda seita ser uma denominação. Seita significa simplesmente uma divisão ou algo sectário, que divide, separa, etc. De acordo com o Concise Bible Dictionary, a palavra traduzida como “seita“ em algumas passagens da Bíblia é, no original grego, “hairesis“, e usada para as seitas entre os judeus, como era o caso dos Saduceus e Fariseus. Veja Atos 5:17; 15:5 e 26:5. Os judeus, por sua vez, empregavam a mesma palavra para os cristãos (Atos 24:5, 14; 28:22). As seitas ou heresias no cristianismo apareceram cedo e eram o resultado da vontade humana, não de Deus.
O Concise Bible Dictionary continua explicando: “A raiz da palavra grega significa ‘escolher’ e demonstra que uma heresia é algo peculiar. A doutrina professada [pelo herético] pode ser verdadeira em si mesma, mas pode ter sido exagerada ou colocada fora de seu contexto. A consequência evidente é a formação de um partido ou seita (1 Co 11:9; Gálatas 5:20; 2 Pe 2:1). Quem adere a uma heresia é um herético, e depois da primeira e segunda admoestação deve ser rejeitado (Tt 3:10). Havendo Deus dado em sua Palavra tudo o que era necessário para a igreja, não existe espaço para a escolha ou vontade humana. O homem deve ser um humilde receptor” (1 Co 4:7).
A leitura deste comentário de Bruce Anstey no livro “Um só corpo na prática” dá uma ideia melhor do assunto. O simples fato de uma denominação existir (qualquer que seja) é uma desonra para Deus que tinha em mente que a igreja não apenas fosse “um só corpo”, mas que expressasse isso na prática. A igreja nunca deixou de ser “um só corpo”, mas a expressão disso foi deturpada pelos homens. Em seu livro Bruce Anstey inclui o seguinte exemplo, tirado de outra publicação:
“Se pudéssemos voltar ao princípio, ao dia de Pentecostes, quando o Espírito de Deus desceu e uniu aquelas 120 pessoas em um só corpo, e todas elas estavam reunidas ao Nome do Senhor Jesus Cristo, suponha que Pedro tivesse um desentendimento com João e eles decidissem que iriam estabelecer comunhões separadas. A partir daí existiria uma comunhão seguindo a Pedro e outra a João. Será que poderíamos dizer que o Espírito iria guiar alguns a uma comunhão e outros à outra? Será que o Senhor aprovaria as duas igualmente? Não cremos que ele iria sancionar as duas comunhões com sua presença em seu meio, pois agindo assim ele estaria aprovando a divisão prática na igreja.Se o fizesse, ele seria autor de confusão”. (“Can Christians be Gathered in Only One Place?” - Notes of Ottawa General Meetings - April 1987 - p. 11-12).
Ele mostra também o processo que leva às divisões: começam com diferenças de opinião (1 Co 1:10) que levam a contendas (1 Co 1:11), as quais resultam em divisões (1 Co 1:12-13), tudo ainda no âmbito interno, ou seja, entre irmãos em uma mesma assembleia. Se não forem julgadas, essas divisões internas resultam em heresias ou seitas (1 Co 11:18-19), no sentido explicado aqui, e não no habitualmente usado pelos evangélicos. O autor conclui dizendo:
“Uma ‘seita’ ou ‘heresia’ (trata-se da mesma palavra em grego) é uma divisão consumada entre os santos, quando um partido se separa e passa a congregar de forma independente. O que começa como uma diferença de opinião, leva à contenda e acaba produzindo um cisma ou divisão interna entre os santos, a qual, se não for julgada, levará a uma heresia ou seita -- uma divisão visível entre os santos”.
Ao contrário do que pensam os evangélicos, que chamam de “seita” apenas as religiões com aberrações doutrinárias, como Testemunhas de Jeová, Mórmons, Espiritismo, etc., a Bíblia chama de “seita” ou “heresia” qualquer coisa que divida os cristãos, portanto uma seita pode existir mesmo dentro de um grupo de cristãos que aparentemente andam juntos. Quando se entende isto se percebe que não apenas as denominações são seitas ou facções, mas até mesmo grupos independentes sem denominação que não estejam congregados sobre o princípio do “um só corpo” também se encaixam nessa descrição.
Sabe o que acontecerá com as denominações após o arrebatamento dos verdadeiros crentes (inclusive os que hoje estão nelas)? Essas organizações e as pessoas que nelas apenas professavam ser cristãs (mas não eram e não foram arrebatadas) formarão a “Grande Meretriz” de Apocalipse. Certamente você não iria defender essa “Grande Meretriz”, a cristandade apóstata, que na grande tribulação utilizará de seus sistemas, templos e instalações para perseguir, torturar e matar os “pequeninos irmãos”, que formarão o remanescente de judeus convertidos nessa época.
Nada disto, porém, implica em um julgamento das pessoas que hoje estão nessas seitas. Muitos são irmãos amados que conheceremos no dia do arrebatamento e encontraremos no céu, mas que infelizmente na terra estão divididos em compartimentos sectários por causa dos nomes e das organizações que criaram. A rigor, esses não deveriam dizer, como na oração do “Pai Nosso”, a frase “seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” , já que na terra estão fazendo o contrário da vontade de Deus no céu, que é de não existir qualquer denominação que divida os salvos por Cristo. Se não existem denominações ou divisões entre irmãos no céu, por que iríamos promover tal coisa na terra?
A reação de um cristão sincero a isso não é tentar consertar o que está errado e nem mesmo frequentar as denominações para tentar convencer seus membros a mudarem de ideia. A reação bíblica é simplesmente apartar-se, separar-se de tudo aquilo que não tenha fundamento na Palavra. Apartar-se do mal é o que Moisés fez, quando viu o mal disseminado no arraial de Israel e tomou para si a tenda da congregação e a armou fora do arraial. Aí quem queria buscar o Senhor saía do arraial e se dirigia à tenda da congregação fora do arraial.
(Ex 33:7) “E tomou Moisés a tenda, e a estendeu para si fora do arraial, desviada longe do arraial, e chamou-lhe a tenda da congregação. E aconteceu que todo aquele que buscava o Senhor saía à tenda da congregação, que estava fora do arraial”.
Apartar-se do mal e dos vasos que estão contaminados com o mal é o que também nos ensina 2 Timóteo 2, que também nos alerta para não tentarmos julgar quem é e quem não é do Senhor, porque somente o Senhor conhece os que são seus:
(2Tm 2:19-22) “Todavia o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade. Ora, numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra. De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra. Foge também das paixões da mocidade; e segue a justiça, a fé, o amor, e a paz com os que, com um coração puro, invocam o Senhor”.
O ato de se apartar do mal não significa separar-se para ficar só, mas para congregar com aqueles que estão igualmente apartados, “os que, com um coração puro [ou purificado dessas coisas] invocam o Senhor”. Também não é um apartar-se para si mesmo e nem mesmo para algum grupo, mas para Cristo.
(Hb 13:13) “Saiamos, pois, a ele [a Cristo] fora do arraial [sistema humano], levando o seu vitupério”.