Devo parar de trabalhar?
Sua dúvida é se um cristão não pode ter uma ocupação ou trabalho secular, devendo dedicar-se única e exclusivamente ao evangelho. A dúvida surgiu depois que você leu o versículo em 2 Timóteo 2:4, que diz: “Nenhum soldado em serviço se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou”. A resposta imediata é “NÃO” , você não deve deixar de trabalhar, pois a mesma Bíblia ensina que devemos trabalhar, e a passagem abaixo escrita pelo mesmo apóstolo Paulo mostra isto:
(2Ts 3:7-12) “Porque vós mesmos sabeis como convém imitar-nos, pois que não nos houvemos desordenadamente entre vós, nem de graça comemos o pão de homem algum, mas com trabalho e fadiga, trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós. Não porque não tivéssemos autoridade, mas para vos dar em nós mesmos exemplo, para nos imitardes. Porque, quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto, que, se alguém não quiser trabalhar, não coma também. Porquanto ouvimos que alguns entre vós andam desordenadamente, não trabalhando, antes fazendo coisas vãs. A esses tais, porém, mandamos, e exortamos por nosso Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando com sossego, comam o seu próprio pão“.
Há cristãos que se ocupam exclusivamente da obra do evangelho porque Deus assim os sustenta para este fim. Eles esperam em Deus sem pedir dinheiro a ninguém, e mesmo assim Deus os sustenta. Outros, como Paulo, gastam parte do seu tempo com um trabalho secular e parte com a obra de Deus, pois Deus provê o suficiente para seu sustento. Hoje surgiu uma terceira classe, a dos “religiosos profissionais”, aqueles que descobrem que “abrir uma igreja” se tornou um bom negócio e fazem isso com espírito mercenário. Aí passam a obrigar seus seguidores a custear um estilo de vida que geralmente é muito mais caro do que o dos próprios membros de sua congregação, que trabalham duro para pagar os caprichos do “pastor” ou da “pastora”.
O negócio “igreja” acabou sendo tão lucrativo que hoje existe uma alcateia imensa dos que “entraram pelo caminho de Caim, e foram levados pelo engano do prêmio de Balaão, e pereceram na contradição de Coré” (Jd 1:11). O “caminho e Caim” é trilhado por aqueles que pregam que a salvação depende de algo que você faça, de suas contribuições em tempo e dinheiro para a “igreja”. O “engano do prêmio de Balaão” é a ganância dos que não tem escrúpulos em causar dano àqueles que são do Senhor se isto lhes trouxer algum lucro. Balaão havia sido contratado cinco vezes por Balaque para amaldiçoar Israel, e estava bem disposto a fazer isso pelo dinheiro. Porém, na hora, Deus mudou a maldição em bênção para Israel e juízo para Balaão e seu contratante. Os que “pereceram na contradição de Coré” são os que usurpam para si uma posição que Deus não lhes outorgou. Foi o que fez Coré, questionando a liderança de Moisés e Arão e com isso angariou seguidores.
Mas, voltando à sua dúvida, talvez outra tradução esclareça que a questão está, não no trabalho secular, mas em ser enrolado ou embaraçado por ele. Veja como está na versão Almeida Corrigida: “Ninguém que milita se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra”. Ou seja, a prioridade do soldado deve ser aquele que o alistou para a guerra.
No caso do cristão, ele foi “alistado” por Cristo para o “bom combate” , e isto envolve todos os aspectos da carreira cristã, como o amor e o cuidado que deve ter à família, aos amigos e também a diligência com que deve cumprir suas responsabilidades profissionais. Um soldado que se comporte de maneira irresponsável irá prejudicar a imagem de sua pátria que o alistou. Um cristão pouco dedicado fará o mesmo com Cristo.
Encontramos entre os primeiros cristãos muitos que tinham um trabalho secular e ao mesmo tempo estavam empenhados na obra do evangelho. Paulo era um deles, pois sua profissão era fabricar tendas. Mas veja que o exemplo do soldado é apenas o primeiro que Paulo usa, pois é seguido pelo exemplo do esportista e do lavrador. O soldado está sempre pronto a cumprir ordens, e mesmo quando cuida de seus afazeres familiares ou profissionais, basta uma convocação para ele correr defender sua pátria. No Brasil todos os disponíveis para o combate, mesmo quando não estão mais servindo as forças armadas, são considerados na reserva.
O exemplo seguinte é o do atleta. Assim como o cristão deve estar sempre alerta para servir, como faz o soldado, não se deixando embaraçar pelas coisas desta vida, o atleta tem no alvo a sua completa atenção. Você nunca viu um corredor nas Olimpíadas olhando para o lado e ocupado com a plateia. Ele olha adiante, para a linha de chegada. No caso do atleta, o ensino para o cristão é que deve competir de acordo com as regras. Sendo assim, de nada adianta empenharmos nossos esforços naquilo que a Palavra de Deus, a nossa “regra”, não ensina. Aqueles que estão empenhados em algum trabalho “religioso” que não tenha respaldo bíblico estão perdendo tempo.
Finalmente é dado o exemplo do lavrador, no sentido de ser o primeiro a gozar dos frutos de seu trabalho. Mas ninguém se engane: o trabalho mais cansativo e que exige maior paciência é trabalhar na lavoura de manhã à noite. O envolvimento com as coisas de Deus exige diligência como de um soldado, foco e conhecimento das regras como de um atleta, e trabalho duro, paciência e persistência como de um lavrador.