O crente é individualmente a noiva de Cristo?
Na Palavra de Deus encontramos referências a um relacionamento entre um Noivo e uma noiva tanto no Antigo Testamento, principalmente no livro de Cantares, como no Novo Testamento, com maior ênfase na epístola aos Efésios e no livro de Apocalipse. Nos dois casos o Noivo é Cristo.
Em Cantares vemos o relacionamento entre Israel, formado pelo remanescente judeu fiel que se converterá após o arrebatamento da Igreja, e seu Messias há tanto esperado. Obviamente muitos cristãos, principalmente de correntes fundamentalistas como católicos, ortodoxos, luteranos, anglicanos, episcopais, congregacionais, presbiterianos, menonitas e algumas correntes metodistas e batistas, perdem isso de vista, já que consideram que Deus não voltará a tratar com Israel em graça para restaurá-lo como seu povo terreno.
Portanto o livro de Cantares tem um caráter profético e é uma ode ao encontro entre o Noivo e sua noiva, no caso a nação redimida de Israel, que habitará na terra, e seu Messias e Rei. Não faltam no livro de Cantares descrições detalhadas de um genuíno relacionamento entre um homem e uma mulher, pois esse é o grau de intimidade que Cristo terá com o seu povo no futuro.
Já a Igreja, que era um mistério tanto para Salomão, que escreveu Cantares, como para todos os profetas do Antigo Testamento, só seria revelada muito tempo depois a Paulo. Mas esta é também vista como uma Noiva, a Noiva do Cordeiro, sendo preparada para as bodas que ainda estão para acontecer. Mas seria correto aplicar o grau de intimidade que Deus revela entre Cristo e sua noiva ao cristão como indivíduo? Não existe nada nas Escrituras que nos autorizem a fazê-lo.
A passagem em Efésios é muito clara ao indicar que a figura do relacionamento entre marido e mulher é aplicada a Cristo e à igreja no seu sentido coletivo, como o conjunto de todos os salvos, e não a Cristo e ao crente individualmente.
(Ef 5:23-32) “Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo. De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo , assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos. Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela, Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, Para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível. Assim devem os maridos amar as suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. Porque nunca ninguém odiou a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja; Porque somos membros do seu corpo, da sua carne, e dos seus ossos. Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne. Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito de Cristo e da igreja“.
Posso dizer que Jesus é meu Pastor? Sim, e até mesmo o conhecido Salmos 23 nos ajuda a enxergar a figura de seu cuidado com cada um, individualmente, além, obviamente o seu cuidado com o rebanho no sentido coletivo. Também posso afirmar que Jesus é meu Senhor, meu Redentor, meu Salvador e até mesmo meu Deus. Mas não caberia eu chamá-lo de Pai, porque isto seria confundir as Pessoas da Trindade. Também não devo chamá-lo de meu Rei, porque ele é Rei para Israel, não para a Igreja. O mesmo vale para Messias. Mas em nenhuma circunstância posso chamar Jesus de meu Noivo ou meu Marido, ou tentar me imaginar em um relacionamento assim com ele.
Obviamente posso ter a mesma admiração que a noiva, no caso Israel, tem pelo Noivo em Cantares, contemplando da mesma forma a sua formosura. E também posso aprender que o relacionamento que devo ter no matrimônio deve se espelhar no relacionamento entre Cristo e sua igreja. Mas tal aplicação, de imaginar o crente individualmente relacionando com Cristo como um Noivo, e no futuro, como um Marido, não encontra respaldo nas Escrituras e pode trazer problemas sérios de desvio da sã doutrina.
Existe uma corrente mística na cristandade que não consegue discernir isso e acaba querendo provocar no crente uma paixão até de cunho erótico em seu relacionamento com Cristo, o que é um erro grave. Teresa de Ávila, que viveu entre 1515 e 1582, foi uma que registrou seus êxtases místicos com uma linguagem que pendia para o erotismo, chamando Jesus de “esposo”: “Sente-se um enorme deleite no corpo e grande satisfação na alma”, escreveu ela, em “O Caminho da Perfeição”, e “...é possível a alma enamorada pelo seu Esposo passar por todos esses prazeres e desmaios e mortes e aflições e deleites e gozos com ele...”, em suas Meditações, inspiradas no livro de Cantares.
Ao aplicar a si, individualmente, o que viu em Cantares e nas passagens sobre Cristo e sua noiva, ela incorreu em um erro grave e mais tarde foi seguida por muitos autores. Outros autores modernos têm adotado a mesma linha de pensamento, e isso atingiu seu clímax na demoníaca seita fundada por David Berg e conhecida por “Meninos de Deus” (hoje “The Family”), que chegou a produzir arte erótica para ilustrar essas ideias.