Por que Jesus não batizava?
Jesus batizava sim, mas ‘por procuração’: “Depois disto foi Jesus com os seus discípulos para a terra da Judeia; e estava ali com eles, e batizava” (Jo 3:22). Outra passagem no mesmo evangelho esclarece que era por meio de seus discípulos que o batismo era ministrado, e não pessoalmente por Jesus. “E quando o Senhor entendeu que os fariseus tinham ouvido que Jesus fazia e batizava mais discípulos do que João (ainda que Jesus mesmo não batizava, mas os seus discípulos), deixou a Judéia, e foi outra vez para a Galileia” (Jo 4:1-3).
O fato de Jesus não batizar pessoalmente as pessoas não fazia grande diferença para aqueles que eram batizados, pois o batismo era válido mesmo assim. Quando você dá a alguém uma procuração tudo o que essa pessoa fizer em seu nome, dentro dos poderes especificados na procuração, será legalmente reconhecido. E Jesus passou essa procuração quando disse aos discípulos: “Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28:19).
Embora naquele momento o contexto fosse outro, pois a igreja ainda não tinha sido formada e aqueles discípulos receberam a “procuração” no caráter de um remanescente judeu fiel ao Messias, as passagens que mostram os discípulos batizando em Atos certamente revelam que o batismo permanecia como uma ordenança também para os membros do corpo de Cristo, da igreja inaugurada em Atos 2 no dia de Pentecostes. A menção ao batismo também é encontrada nas epístolas, que formam a doutrina dos apóstolos. Devemos sempre ter em mente que ainda que certas coisas não tenham sido ensinadas pelos apóstolos em suas epístolas, as ações deles podiam estar em conformidade com aquilo que aprenderam diretamente do Senhor principalmente nos 40 dias que passou com eles, já ressuscitado e antes de subir ao céu. (Atos 1:3).
É por isso que qualquer batismo cristão é válido, independente de quem o tenha ministrado ou em que lugar e circunstâncias isso tenha sido feito, porque o que importa é em nome de quem (com que procuração) ou a quem o batismo está sendo ministrado. O batismo aparece na Bíblia de diferentes formas e situações, portanto é preciso entender esta distinção. O batismo de João, por exemplo, era diferente e não vemos que os discípulos de João Batista batizassem. Era sempre ele quem ministrava aquele batismo que era de arrependimento. Não era um batismo cristão, pois os próprios discípulos de João precisaram ser novamente batizados em Atos portanto as religiões cristãs que tentam usar passagens que falam do batismo de João para justificar suas doutrinas de batismo estão equivocadas.
(Atos 19:3-5) “Perguntou-lhes, então: Em que sois batizados então? E eles disseram: No batismo de João. Mas Paulo disse: Certamente João batizou com o batismo do arrependimento, dizendo ao povo que cresse no que após ele havia de vir, isto é, em Jesus Cristo. E os que ouviram foram batizados em nome do Senhor Jesus“.
O batismo cristão tem, entre outras, a finalidade de incluir o batizado em um novo círculo. A passagem em Efésios 4 revela os quatro círculos e, para facilitar o entendimento, vou inverter a ordem em que aparecem:
- “Um só Deus e Pai de todos , o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós”. (Ef 4:6)
Esta é a esfera à qual pertencem todos os seres humanos. Aqui “Pai” é no grego “pater” , pois aparece no sentido de Criador ou fato gerador, e não no sentido de “Aba” , como em Romanos 8:15, uma familiaridade que é exclusiva ao convertido a Cristo (o círculo “C” abaixo): “Recebestes o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai”.
- “Um só Senhor , uma só fé , um só batismo ;” (Ef 4:5).
Dentro do círculo grande da humanidade (A) existe um círculo menor que exclui os pagãos. Neste círculo estão as pessoas que levam o nome de “cristãos” por terem sido associadas a Cristo, independente de terem nascido de novo ou não, de estarem salvas ou perdidas. Elas agora têm uma autoridade ( “Senhor” ) sobre elas e a responsabilidade de conduzirem suas vidas segundo esse senhorio. A palavra “fé” aqui está mais no sentido de crença , e não da fé que salva e decorre da graça de Deus. Aqui há um só “batismo” , o qual é a porta de entrada para este círculo (apesar de muitas religiões cristãs usarem erroneamente o batismo como porta de entrada à membresia daquela denominação).
- “Há um só corpo e um só Espírito , como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação;” (Ef 4:4).
Chegamos ao círculo menor e que é restrito àqueles que nasceram de novo e pela graça de Deus creram em Jesus como Salvador. Estes tiveram seus pecados perdoados e aguardam serem levados para o céu ( “esperança” e “vocação” ) juntamente com o Espírito, quando este for tirado do mundo no arrebatamento. São estes que formam o “um só corpo”, a igreja (independente de pertencerem ou não a alguma denominação criada por homens, geralmente chamadas de “igrejas”). Neste círculo se entra pela fé em Cristo e não pelo batismo, embora este seja uma ordenança à qual devem se submeter caso ainda não tenham se submetido quando incrédulos (quando estavam no círculo “B”).
Voltando ao círculo “B”, a pessoa batizada veste, por assim dizer, a camisa do cristianismo, o que não era o caso no batismo de João Batista. Ela passa a ter novas responsabilidades por estar agora numa esfera de cristianismo, e não mais na esfera do judaísmo ou do paganismo. Por isso os apóstolos batizavam famílias inteiras.
(Atos 16:15) “E, depois que foi batizada, ela [Lídia] e a sua casa [família]”.
(Atos 16:33) “E, tomando-os ele consigo naquela mesma hora da noite, lavou-lhes os vergões; e logo foi batizado, ele [carcereiro] e todos os seus [familiares]”.
(1 Co 1:16) “E batizei também a família de Estéfanas”.
Em seu aspecto amplo em todos os casos, em figura ou literal, o batismo envolve mudança de posição. Seu significado mais específico é o da passagem pela morte para desfrutar dessa mudança de posição, e neste sentido vemos o batismo em figura ou literalmente em passagens do Antigo Testamento. No dilúvio uma família foi também “batizada” quando tirada das águas mortais graças à arca construída pelo patriarca. Veja que o apóstolo Pedro faz esta conexão com o batismo quando diz que por meio da arca “poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água; que também, como uma verdadeira figura, agora vos salva , o batismo, não do despojamento da imundícia da carne, mas da indagação de uma boa consciência para com Deus, pela ressurreição de Jesus Cristo“ (1 Pe 3:20-21).
A salvação pelo batismo mencionada aqui não é a salvação eterna da alma, mas no sentido de colocar o batizado “a salvo” da contaminação do círculo maior do paganismo. Noé não perguntou se a sua família queria entrar na arca. Ele levou todos para lá, independente de crerem ou não na mensagem de Deus. Veja que os animais foram levados para dentro da arca, o que poderia ser interpretado como tendo passado pelo mesmo “batismo” mencionado por Pedro, mas seria uma insensatez pensar que os animais tenham sido salvos no sentido espiritual da palavra.
Uma figura do batismo vemos também no bebê Moisés, salvo de Faraó e da morte pelas águas do rio onde foi colocado em uma “mini arca”, não de vontade própria, mas por decisão de sua mãe. Aquilo era uma figura do batismo de “casa” ou família, que nesse caso colocou Moisés literalmente numa nova posição. Ainda que ele tenha sido “entregue”, por assim dizer, à Faraó, passou a atuar ali como um representante do Deus de seus pais.
O mesmo Moisés mais tarde “batizaria” todo o povo no mar e na nuvem (mais água aqui, líquida e gasosa), independente da idade e entendimento deles. Ele não deixaria os bebês de seu povo morando no Egito de Faraó para decidirem mais tarde se queriam continuar a viver lá ou não. Obviamente Faraó não tinha o desejo de perder as crianças dos hebreus, do mesmo modo como hoje o diabo não gosta nem um pouco quando os pais introduzem seus filhos na esfera cristã (B). Por isso batizei meus filhos quando ainda bebês.
(Ex 10:9) “E Moisés disse: Havemos de ir com os nossos jovens , e com os nossos velhos; com os nossos filhos, e com as nossas filhas , com as nossas ovelhas, e com os nossos bois havemos de ir; porque temos de celebrar uma festa ao Senhor. Então ele [Faraó] lhes disse:... Não será assim; agora ide vós, homens [adultos], e servi ao Senhor”.
(1 Co 10:1-2) “Ora, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, e todos passaram pelo mar. E todos foram batizados em Moisés, na nuvem e no mar“.
Repare que Moisés não quis sair do Egito sem levar a todos, independente da idade e do entendimento que tinham. Um batizado, seja ele convertido ou não e independente de seu nível de entendimento, passa a fazer parte do círculo dos que estão sob o senhorio de Cristo.
Voltando agora à sua pergunta da razão de Jesus não batizar, e sim seus discípulos, se levarmos em consideração que o batismo e as águas que este envolve figurarem a morte, fica perfeitamente consistente pensar que o papel de Jesus era o de dar vida, e não de fazer as pessoas passarem pela morte. A tarefa prática do batismo estava mais adequada aos discípulos, pois equivalia a sepultar mortos. Vemos também que Jesus, apesar de mandar batizar, não foi batizado (exceto por João Batista, mas o contexto era outro, de cumprir toda a justiça). Se a virtude do batismo estivesse naquele que batiza, então seria importante alguém ser batizado pessoalmente por Jesus. Mas, ainda que feito por meio de seus discípulos, era a Jesus que as pessoas eram batizadas, e não aos discípulos, do mesmo modo como na figura do Antigo Testamento citada por Paulo “todos foram batizados em Moisés”. “Para que ninguém diga que fostes batizados em meu nome” (1 Co 1:15), explicou Paulo ao falar do batismo.
Cabe aqui também uma observação sobre a passagem em que Paulo diz isto, onde também diz que não foi enviado a batizar. “Porque Cristo enviou-me, não para batizar , mas para evangelizar” (1 Co 1:17). Seu ministério tinha um caráter diferente e estava intimamente ligado à salvação pela pregação do evangelho e também à revelação que recebeu do corpo de Cristo, a igreja. “Porque... o evangelho de Cristo... é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê“ (Rm 1:16). Se o batismo tivesse a importância que algumas religiões dão para a salvação eterna certamente Paulo teria sido enviado a batizar e não teria tratado isso como acessório, mas teria incluído o batismo em sua pregação e prática.
Portanto é bom lembrar que o batismo é algo para este mundo e não tem qualquer eficácia eterna. É só lembrar que um incrédulo pode ser batizado e, ainda que isto o coloque num diferente círculo de responsabilidades e privilégios criando nele uma “indagação [compromisso] de uma boa consciência para com Deus” (1 Pe 3:21), ele não é salvo pelo batismo. Um exemplo semelhante ocorre na santificação do marido incrédulo e dos filhos em um lar (a esfera) onde a mãe é convertida: “Porque o marido descrente é santificado pela mulher; e a mulher descrente é santificada pelo marido ; de outra sorte os vossos filhos seriam imundos; mas agora são santos“ (1 Co 7:14). Eles têm o privilégio de estar, ainda que não de escolha própria, em uma esfera diferente da dos outros que não têm o mesmo privilégio.