A oração de Tiago 5 serve para qualquer enfermidade?
Ao longo da Bíblia você encontra muitos casos de cura de doentes, tanto as feitas por Jesus como as que seus discípulos realizaram. Quando as pessoas levavam doentes ao Senhor ou aos discípulos, TODOS eram curados (Mt 8:16; Atos 5:16), e não apenas alguns. Aquelas curas tinham uma tripla finalidade: Deus, o testemunho e o doente.
A primeira finalidade da cura era obviamente exaltar e glorificar a Deus, conforme o Senhor explicou aos discípulos que perguntaram sobre o cego de nascença em João 9:3: “foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus”. O mesmo nós vemos no episódio da doença, morte e ressurreição de Lázaro: “E Jesus, ouvindo isto, disse: Esta enfermidade não é para morte, mas para glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela“ (Jo 11:4). Os sinais, milagres e maravilhas serviam para comprovar as credenciais do Filho de Deus, pois assim tinha sido a promessa de sua vinda. “Eis-me aqui, com os filhos que me deu o Senhor, por sinais e por maravilhas em Israel, da parte do Senhor dos Exércitos, que habita no monte de Sião” (Is 8:18). “Homens israelitas, escutai estas palavras: A Jesus Nazareno, homem aprovado por Deus entre vós com maravilhas, prodígios e sinais , que Deus por ele fez no meio de vós, como vós mesmos bem sabeis” (Atos 2:22).
A segunda finalidade geralmente tinha a ver com o testemunho de Deus no mundo. Sempre que Deus começava algo importante ou uma “nova etapa” no modo de tratar o homem, aquilo era cercado de sinais e milagres. Foi assim quando o Senhor veio ao mundo e andou aqui, e foi assim quando o Espírito Santo veio habitar neste mundo na igreja. Além disso, os sinais e milagres tinham uma aplicação especial para os judeus: “Porque os judeus pedem sinal , e os gregos buscam sabedoria” (1 Co 1:22). “Está escrito na lei: Por gente de outras línguas, e por outros lábios, falarei a este povo ; e ainda assim me não ouvirão, diz o Senhor” (1 Co 14:21). Por isso encontramos citações como estas em Atos que serviam para mostrar que aquela obra, a saber, a igreja, tinha a chancela de Deus:
(Atos 2:43) “E em toda a alma havia temor, e muitas maravilhas e sinais se faziam pelos apóstolos“.
(Atos 8:13) “E creu até o próprio Simão; e, sendo batizado, ficou de contínuo com Filipe; e, vendo os sinais e as grandes maravilhas que se faziam , estava atônito”.
(Atos 19:11) “E Deus pelas mãos de Paulo fazia maravilhas extraordinárias“.
A terceira finalidade era resolver o problema do ser humano, mas pelas duas outras finalidades acima já dá para perceber que esta não era a prioridade. Se fosse, Jesus e seus discípulos teriam simplesmente erradicado a doença do mundo como num passe de mágica. O Senhor tinha poder para tanto? Certamente, ele podia fazer isso mas não devia fazer isso, pois a doença era consequência do pecado que entrou na Criação, portanto de nada adiantaria erradicar a consequência sem arrancar a raiz. Foi para tirar o pecado do mundo que veio o Cordeiro de Deus, e não para servir de médico da humanidade arruinada. A solução completa, quando serão manifestos todos os benefícios da morte e ressurreição de Cristo, só veremos no final da história.
Tanto é verdade que a finalidade principal das curas não era o bem estar da humanidade, que depois de um tempo da habitação do Espírito Santo na igreja neste mundo você já não encontra tantos sinais e milagres como no princípio. Paulo tinha uma doença, que ele chamava de “espinho na carne” (2 Co 12:7), permitida por Deus para ele não se ensoberbecer; o mesmo apóstolo deixou Trófimo doente em Mileto (2Tm 4:20 - por que não o curou?!) Em uma de suas viagens, e também deu uma receita de um medicamento caseiro para Timóteo aplacar seus frequentes problemas estomacais (1Tm 5:23). Por que não enviar a Timóteo um lenço como os que vemos em Atos 19?
“E Deus pelas mãos de Paulo fazia maravilhas extraordinárias. De sorte que até os lenços e aventais se levavam do seu corpo aos enfermos, e as enfermidades fugiam deles , e os espíritos malignos saíam” (Atos 19:11-12).
Paulo não curava a si mesmo de seu espinho na carne, não curou Trófimo em Mileto e nem enviou um lenço para curar Timóteo porque isso não estava nos planos de Deus e nem serviria para glorificar a Deus como das outras vezes, ou para confirmar que Deus estava fazendo uma grande obra com a fundação da igreja. A igreja já estava bem fundada e agora devia seguir em simplicidade de fé e dependência do Senhor, concentrada na adoração a Cristo, e não na dependência e exaltação de homens com poderes miraculosos.
A oração para cura descrita em Tiago 5 parece ter outro propósito. Por ela envolver a igreja (os presbíteros e anciãos são chamados) a enfermidade pela qual eles oram deve estar afetando a igreja de alguma forma. Creio que esta passagem seja a única que inclua o óleo ou azeite no processo, portanto deve existir aqui algum particular que deve ser levado em consideração e o leitor atento irá logo descobrir o que é. Vamos ao trecho:
(Tg 5:14-20) “Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor; E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. Confessai as vossas culpas uns aos outros, e orai uns pelos outros, para que sareis. A oração feita por um justo pode muito em seus efeitos. Elias era homem sujeito às mesmas paixões que nós e, orando, pediu que não chovesse e, por três anos e seis meses, não choveu sobre a terra. E orou outra vez, e o céu deu chuva, e a terra produziu o seu fruto. Irmãos, se algum dentre vós se tem desviado da verdade, e alguém o converter, Saiba que aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador, salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão de pecados“.
Você reparou que esta oração com a unção de azeite feita pelos presbíteros ou anciãos está associada não apenas à doença, mas a pecados ? E Tiago menciona ainda uma oração feita por Elias que é no mínimo estranha: Elias orou para não chover por três anos e meio e não choveu. Aquela não foi uma oração para resolver um problema, mas uma oração para juízo porque o povo de Israel estava em pecado.
A passagem fala também de perdão de pecados e de cobrir uma porção de pecados, o que obviamente não se trata do perdão divino ou judicial de pecados, mas de um perdão administrativo , já que é ministrado por homens. Por isso a oração de cura mencionada neste contexto não deve ser para qualquer enfermidade, mas para aquela que está associada a pecado ou a um juízo ou perdão administrativo.
Portanto temos aqui alguém que pode estar envolvido em um pecado que afeta o testemunho da igreja, como encontramos em 1 Coríntios 5 no caso do homem que estava se deitando com a madrasta. A doença aqui pode ser o juízo de Deus para levá-lo ao arrependimento, como foi o caso do juízo de excomunhão que a assembleia em Corinto foi obrigada a aplicar no homem do capítulo 5 daquela epístola, o qual parece ter sido restaurado à comunhão em 2 Coríntios 2:7 e 7:10. É uma oração necessária para resolver um problema que afeta não apenas o doente, mas os irmãos.
A presença dos anciãos denota algo que envolve a assembleia e a promessa de cura é tanto para a restauração física do enfermo, quanto moral, para perdoá-lo de algo que também esteja afetando os irmãos. O versículo 16 fala de confissão , algo necessário para o recebimento de perdão, como também ensina a passagem de 1 João 1:9, e está claro aqui que é uma confissão não somente a Deus, mas “uns aos outros” , ou seja, uma confissão que envolve toda a assembleia. Daí podermos ter a certeza de que o contexto esteja falando de doença como consequência de um pecado que tem um impacto sobre o testemunho público da igreja.
A unção feita pelos presbíteros ou anciãos (plural) “com azeite em nome do Senhor” denota que a autoridade que Cristo deu à assembleia está sendo invocada aqui. Não se trata de uma oração individual em nome do Senhor, mas de uma ação coletiva como foi ensinado pelo Senhor, para quando a assembleia deveria “ligar” e “desligar” , isto é, tomar decisões, em seu Nome.
(Mt 18:18-20) “Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu. Também vos digo que, se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles“.
Por isso não se trata de uma mera oração feita a pedido de um enfermo qualquer, mas os anciãos que oram devem também discernir se devem ou não orar. Como já vimos com o exemplo de Elias, a situação toda pode envolver uma enfermidade que poderia ser uma disciplina vinda do Senhor, equivalente aos anos de seca impostos sobre o povo, os quais só cessaram pela intervenção do profeta em oração.
(Hb 12:6) “Porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho“.
(Sl 32:3-6) “Quando eu guardei silêncio, envelheceram os meus ossos pelo meu bramido em todo o dia. Porque de dia e de noite a tua mão pesava sobre mim ; o meu humor se tornou em sequidão de estio. Confessei-te o meu pecado, e a minha maldade não encobri. Dizia eu: Confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a maldade do meu pecado. Por isso, todo aquele que é santo orará a ti , a tempo de te poder achar;”.
O processo aqui poderia ser ilustrado por um caso de pecado na assembleia. Imagine alguém que tenha pecado e sentido sobre si o peso da mão do Senhor por ter comprometido o testemunho público daqueles congregados ao seu Nome. Esse “açoite” ou “peso da mão de Deus” poderia tanto ser uma aflição de consciência, uma dificuldade na vida ou uma doença física. Sabemos que o Pai disciplina aquele que ama. Arrependido de seu pecado esse irmão confessaria sua falta aos outros e os presbíteros ou anciãos da assembleia iriam orar por ele. Ao se submeter a isso o enfermo demonstraria arrependimento e contrição. Os anciãos orariam sobre o enfermo ungindo-o com azeite (símbolo do Espírito Santo) e ele poderia receber um duplo benefício: a cura e o perdão de pecados, neste caso, como já disse, não o perdão judicial (já que este foi garantido na cruz e somente Deus dá), mas o perdão administrativo aqui neste mundo.
Seria isto válido para os dias de hoje? Vamos ver o que F. B. Hole responde:
“Cremos que sim. Por que então é algo tão pouco praticado? Por ao menos duas razões. A primeira é que não se trata de tarefa fácil encontrar os anciãos DA IGREJA , apesar de ser fácil encontrar os anciãos de certos agrupamentos religiosos. A igreja de Deus está em ruínas quanto à sua manifestação exterior de unidade, e pagamos o preço por isso. Segundo, supondo que os anciãos da igreja fossem encontrados, e que atendessem ao chamado, dificilmente eles teriam o discernimento e a fé exigidos para oferecerem a oração de fé que é mencionada aqui. A fé, observe bem, é da parte dos que oram, isto é, dos anciãos. Nada é dito da fé do enfermo, apesar de podermos inferir que ele tivesse alguma fé, ao menos para se colocar aos cuidados dos anciãos conforme esta passagem de Tiago 5:16”.