Posso aplicar este versículo em qualquer caso?
É preciso sempre bom senso antes de aplicar um versículo a uma determinada situação. Não é por algo estar na Bíblia que serve para qualquer situação. Sua dúvida está relacionada a uma irmã que não quis cobrir a cabeça por estar na presença de outras irmãs que não agem assim na denominação em que frequentam. Vamos ao versículo que citou: (Rm 16:17-18) “E rogo-vos, irmãos, que noteis os que promovem dissensões e escândalos contra a doutrina que aprendestes; desviai-vos deles. Porque os tais não servem a nosso Senhor Jesus Cristo, mas ao seu ventre; e com suaves palavras e lisonjas enganam os corações dos simples“.
Paulo está falando aqui de hereges, pessoas que deliberadamente promovem divisões entre os irmãos querendo atrair discípulos após si. Este versículo está relacionado com Colossenses 2: “E digo isto, para que ninguém vos engane com palavras persuasivas... Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens , segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo” (Cl 2:4-8).
Os que promovem dissensões (ou divisões, facções, heresias) e escândalos (no original tem o sentido de armadilhas) fazem isso (agora lendo Colossenses) “segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo”. Isto é, são pessoas legalistas que querem fazer a carne (o homem natural) agir de maneira religiosa. Era este o grande problema que a igreja enfrentava no início por causa dos cristãos judaizantes, aqueles que haviam se convertido e trazido do judaísmo uma série de costumes, os quais queriam impor sobre os irmãos (para esses existe a carta aos Gálatas e aos Hebreus).
Como eu disse, o versículo não poderia ser aplicado a essa irmã, pois ela não estava querendo promover divisões e armadilhas com suaves palavras, filosofias ou tradições. E também fica difícil querer aplicar às irmãs que a visitavam, pois se elas trouxeram algum costume na hora de cantar hinos ou orar foi fruto de ignorância de como ensina a Palavra de Deus. Não podemos esperar que alguém no sistema denominacional (em especial o pentecostal) entenda certas coisas, por estarem carregados dos costumes, doutrinas e jargões de suas denominações.
Alguém poderia alegar que numa situação assim deveríamos agir como fez Paulo com Pedro, resistindo na cara por Pedro querer agir como se fosse judeu na frente dos judeus. Vamos ver a passagem:
(Gl 2:11-14) “E, chegando Pedro à Antioquia, lhe resisti na cara, porque era repreensível. Porque, antes que alguns tivessem chegado da parte de Tiago, comia com os gentios; mas, depois que chegaram, se foi retirando, e se apartou deles, temendo os que eram da circuncisão. E os outros judeus também dissimulavam com ele, de maneira que até Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação. Mas, quando vi que não andavam bem e direitamente conforme a verdade do evangelho , disse a Pedro na presença de todos: se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?”
Fica claro que a situação é bem diferente, pois ali envolvia uma questão séria. Se Deus estava agora unindo judeus e gentios em um só corpo, querer fazer distinção entre os que faziam parte deste corpo era algo abominável aos olhos de Deus (isto não é diferente do que fazem algumas denominações, que só chamam de irmãos os que fazem parte de seu quadro de membros, ao qual se referem como “irmandade”). Por isso Paulo precisou intervir de forma enérgica para proteger uma doutrina que é fundamental, a de que há um só corpo e nele não existe a parede que dividia judeus e gentios. Mas se ler outra passagem verá que o próprio Paulo dizia procurar fazer-se judeu para agradar os judeus.
(1 Co 9:19-23) “Porque, sendo livre para com todos, fiz-me servo de todos para ganhar ainda mais. E fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivesse debaixo da lei, para ganhar os que estão debaixo da lei. Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei. Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. E eu faço isto por causa do evangelho , para ser também participante dele”.
Aqui, porém, ele fala no sentido de alcançar os perdidos e não de seu relacionamento entre irmãos (que era o caso de Pedro). Paulo, por amor dos judeus que ainda estavam perdidos, procurava agir e falar como eles para se aproximar deles em amor. O mesmo fazia para com os gentios, obviamente em todos os casos não desobedecendo à Palavra de Deus. Um bom exemplo disso é quando ele visita o Areópago em Atos 17. Apesar de encontrar centenas de estátuas dos mais diferentes deuses gregos, ele não perdeu seu tempo criticando os falsos deuses, mas foi direto falar do pedestal que não tinha imagem alguma e os gregos dedicavam ao “Deus verdadeiro”. Sua mensagem era sempre positiva.
Mas voltando ao caso de Pedro, ele agiu daquele jeito (adotando hábitos judeus quando na presença de irmãos cristãos judeus) para “fazer média”, como costumamos dizer, com os irmãos judeus. Ele não estava preocupado com a honra e glória de Deus, mas com sua própria imagem. Talvez ele pensasse: “O que esses irmãos judeus irão pensar de mim se me virem comendo com gentios?”. Mas ele poderia também errar de outro modo, fazendo questão de comer com gentios para chocar os judeus visitantes. De uma forma ou de outra ele estava agindo de si e para si. Nada daquilo tinha a ver com o Senhor e a sua glória. Não importa se o modo de agir está certo ou errado, mas sim o motivo de agirmos assim. Veja isto:
(Mt 23:23-28) “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas. Condutores cegos! Que coais um mosquito e engolis um camelo”.
É claro que os fariseus agiam corretamente dando o dízimo da hortelã e outras coisas pequenas, pois o Senhor mesmo afirma que eles deviam fazer estas coisas (é bom lembrar que o contexto é dos Evangelhos, ou seja, de um tempo ainda na Lei mosaica, quando havia um Templo, sacerdotes, dízimos, sacrifícios de animais, etc.). Mas o problema era que eles faziam as coisas tangíveis ou palpáveis e negligenciavam as intangíveis ou menos evidentes, como o juízo, a misericórdia e a fé. Duas vezes em Mateus (9:13 e 12:7) o Senhor cita o profeta Oséias 6:6: “Porque eu quero a misericórdia , e não o sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos”.