Podemos usar de recursos de persuasão?
Acredito que você tenha uma opinião a respeito do assunto, pois ao fazer a pergunta supõe alguém com habilidades naturais de persuasão deixe isso de lado ao se tornar cristão. Em certo sentido, se você realmente acredita assim, o simples fato de tocar no assunto já é uma tentativa de convencer outros de que esta é a maneira correta de se proceder, e ao fazer isso também está tentando ser persuasivo. Sempre que temos uma opinião, esta opinião nos torna excludentes, pois procuraremos fazer com que a nossa opinião prevaleça, seja em um debate público ou numa festa de aniversário com parentes.
Abro um parêntese para contar uma anedota que ilustra bem como seriam as coisas se as pessoas simplesmente abrissem mão de tentar defender suas convicções. Um sujeito encontra um amigo que não via há anos, o qual vivia deprimido e envelhecido. Agora o homem está feliz e radiante, além de aparentar dez anos menos. “Que diferença! Você vivia deprimido, agora esbanja felicidade e até rejuvenesceu! Conte o segredo”. “Descobri um modo de rejuvenescer. É só você parar de discordar das pessoas e não envelhece mais”. O outro imediatamente discorda: “É impossível alguém rejuvenescer só parando de discordar dos outros!” , ao que o outro responde: “É mesmo, você tem razão”.
Se observar as epístolas dos apóstolos, em especial as de Paulo, perceberá o quanto de argumentos são apresentados na tentativa de fazer com que as pessoas creiam naquilo que estão falando. Até quando você prega o evangelho, se você realmente tiver o desejo de fazer com que a pessoa se converta acabará usando de suas melhores habilidades de comunicação para convencê-la (mesmo sabendo que no fundo é o Espírito quem convence). Se a pessoa for grega, você até irá querer aprender grego para se comunicar com ela.
Lembre-se também que o simples ato de defender-se de uma acusação, ou defender a razão da fé que você professa já é uma tentativa de persuadir ou convencer as outras pessoas de que a maneira correta de crer é a sua. Paulo usa o verbo defender aqui, e Pedro mostra que devemos estar sempre preparados para isso, o que exige obviamente usarmos o melhor que tivermos em termos de comunicação:
(1 Co 9:3) “A minha defesa perante os que me interpelam é esta...”.
(1 Pe 3:15) “Antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós“.
Nesta passagem os irmãos tentaram persuadir Paulo a não viajar a Jerusalém, mas seus esforços foram em vão porque ele estava determinado a ir (contra o aviso do Espírito Santo para que não fosse).
(Atos 21:14) “E, como não podíamos convencê-lo , nos aquietamos, dizendo: Faça-se a vontade do Senhor”.
Quando evangelizamos buscamos persuadir os homens da melhor maneira possível. Quando um bombeiro vai ao socorro de alguém que está na beirada da laje de um edifício querendo saltar, você acha que ele deveria evitar usar toda a sua capacidade de persuasão? Será que ele deveria chegar lá em cima e dizer: “Se você quiser saltar, não se preocupe que providenciarei o enterro. Mas só queria dizer que é melhor não saltar. Tchau!”. Ora, o bombeiro diria para não saltar e daria um milhão de razões para isso na tentativa de persuadi-lo a deixar seus desejos suicidas.
(2 Co 5:11) “E assim, conhecendo o temor do Senhor, persuadimos os homens e somos cabalmente conhecidos por Deus; e espero que também a vossa consciência nos reconheça”.
A resposta de Agripa a Paulo é outro exemplo, e a reação do apóstolo, demonstram o quanto Paulo estava desejoso de conquistar aqueles corações enquanto apresentava o evangelho:
(Atos 26:28-29) “E disse Agripa a Paulo: Por pouco me queres persuadir a que me faça cristão! E disse Paulo: Prouvera a Deus que, ou por pouco ou por muito, não somente tu, mas também todos quantos hoje me estão ouvindo, se tornassem tais qual eu sou, exceto estas cadeias”.
Portanto, não há como evitar: se você for uma pessoa simpática, charmosa e com grande magnetismo acabará sendo mais convincente nas suas afirmações do que uma pessoa chata, sem graça e opaca em seu modo de ser. Você não precisará fazer qualquer esforço para ser persuasivo, até seu timbre de voz trabalhará neste sentido. A segunda pessoa, mesmo que se esforce, não convencerá ninguém. C. H. Mackintosh, que foi muito usado por Deus no século 19, ao falar de como pregar o evangelho em seu livro “Cartas aos Evangelistas”:“Se você tem eloquência, use-a”.
O mesmo pode ser dito caso você tenha um segundo idioma. Será que você deixaria de pregar o evangelho a pessoas de outros países por achar que estaria usando de um subterfúgio (uma segunda língua) para convencê-las?
Não é correto um cristão usar de artimanhas para persuadir as pessoas, mas não há nada de errado valer-se de uma boa capacidade de comunicação para falar às pessoas, e isto inclui uma correta entonação de voz, postura do corpo, etc. Até os elementos que em comunicação chamamos de AIDA (despertar a A tenção, criar I nteresse, gerar D esejo e partir para a A ção) acabam sendo usados informalmente numa pregação. Veja que o Senhor Jesus chamou a atenção da mulher samaritana, não indo direto no assunto logo de início, mas começando a conversa falando de água, que era o que ocupava a mente dela naquele momento. Paulo também começa sua conversa com os gregos falando do “Deus desconhecido” , que era algo que eles já tinham, ao invés de tomar o caminho das coisas negativas e ficar acusando aquele povo de idolatria (o que certamente teria fechado as portas ao evangelho).
Não é errado o cristão ter uma boa comunicação, mas é errado usar de argumentos falsos, mentir, etc. Por exemplo, eu sou um profissional de comunicação e minha especialidade é ensinar as pessoas, para o que preciso ser convincente ou de nada irá valer meu trabalho. Como palestrante e consultor eu preciso também ter a certeza do que estou falando e comunicar esta certeza, caso contrário como criarei a mesma convicção em quem escuta? Muito disso faz parte da minha própria personalidade, outras coisas adquiri com o tempo, estudo e prática. Como eu poderia “desligar” esta habilidade na hora de falar do evangelho? Não tem como, mas eu preciso, isto sim, me policiar para não usar de subterfúgios. De qualquer maneira, mesmo ao falar do evangelho eu preciso passar firmeza e certeza. Você gostaria de ser examinado por um médico que não soubesse dizer exatamente o que você tem (por falha em sua comunicação) e deixasse você em um mundo de incertezas? Isto também vale para todas as profissões, professores, advogados, vendedores...
Tudo isso eu escrevi entendendo sua pergunta, mas quis expandir um pouco o assunto até como forma de... lhe convencer de que a minha forma de pensar é a correta! Viu só como são as coisas? Mas vamos ao que você realmente quis perguntar, se é correto manipular a conversa e usar de subterfúgios na comunicação, e a resposta é NÃO! E é aí que entra 1 Coríntios 1:1-5
(1 Co 2:1-5) “E eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não fui com sublimidade de palavras ou de sabedoria. Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado. E eu estive convosco em fraqueza, e em temor, e em grande tremor. A minha palavra, e a minha pregação, não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria humana , mas em demonstração de Espírito e de poder; Para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria dos homens, mas no poder de Deus“.
Esta passagem fala do tema de Paulo, do modo de comunicar este assunto e da atitude daquele que comunica. O assunto de Paulo era o testemunho de Deus, ou seja, Cristo; o modo de comunicar não era com palavras sublimes; a mensagem não incluía palavras persuasivas de sabedoria humana e a atitude do apóstolo foi de temor e grande tremor. Paulo aqui já está dando uma aula de comunicação. Veja você o que está incluído no que ele disse se fosse explicado por um professor de comunicação ao falar das 4 partes principais que compõem uma mensagem:
FONTE (Quem): Paulo, em temor e tremor, ou seja, a atitude de quem comunica. Mas numa comunicação normal a fonte precisa ter credibilidade para que as pessoas acreditem no que ela está dizendo. Embora a credibilidade ajude na comunicação das coisas de Deus, devemos sempre nos lembrar de que a convicção vem do Espírito usando o poder da Palavra de Deus. Felizmente é assim, pois de outro modo ninguém se converteria nessas religiões de pregadores picaretas, mas porque é a Palavra de Deus que está sendo pregada ali, e a Palavra de Deus tem poder, mesmo saindo de uma boca não convertida ela cumpre os propósitos de Deus.
FORMATO (Meio): Aqui era uma carta que Paulo usou, mas poderia ser por voz (hoje temos multimídia). No caso do evangelho é preciso cuidado para não se valer de meios dúbios. Por exemplo, não caberia usar uma revista pornográfica para publicar textos evangelísticos. Um meio assim seria totalmente inadequado. Pense em formato ou meio como os recursos utilizados. Um carro de som na frente de um hospital, mesmo pregando o evangelho, não seria um meio ou formato correto por transgredir a lei e incomodar pessoas enfermas que precisam de descanso. O mesmo pode ser dito de pregações de muitos decibéis cujos pregadores acabam na delegacia, quando a vizinhança incomodada chama a polícia.
ESTRUTURA (Como): Paulo explica que a sua comunicação era sem uso de palavras persuasivas ou sem fundamentar-se na sabedoria humana. Na comunicação normal isto seria levar em consideração a capacidade dos ouvintes e adequar o vocabulário ou o modo de comunicação à sua capacidade. É claro que isto também pode ser feito na comunicação do evangelho. Mas um erro seria tentar fundamentar o evangelho em fatores históricos, como alguns tentam fazer para desacreditar os escritos de Paulo. Quando ele dá instruções de como os cristãos devem andar e a igreja congregar, alguns simplesmente descartam essas instruções fundamentando-se em dados históricos, sociológicos, científicos, culturais, nacionais, etc. Então quando Paulo diz que as mulheres devem cobrir a cabeça na oração, lá vêm aquela longa explicação dos costumes dos gregos antigos para invalidar o mandamento de Deus. Quando ele diz para as mulheres permanecerem caladas nas igrejas, são usados os mesmos subterfúgios de fundamentação nos costumes e na cultura para abrir mão disso. E hoje algumas congregações já anulam o que Paulo fala sobre homossexualismo por considerarem as instruções bíblicas apenas reflexos de uma época.
CONTEÚDO (O quê): Cristo. Este é o assunto de Paulo e este deveria ser o assunto de cada cristão na sua comunicação das coisas espirituais. Hoje isto tem sido trocado por prosperidade material, saúde física, sorte no amor, etc.
Para terminar, um exemplo de comunicação fazendo exatamente o contrário do que Paulo fazia e com o objetivo, não de salvar e edificar, mas de dividir e destruir:
(Rm 16:17-18) “E rogo-vos, irmãos, que noteis os que promovem dissensões e escândalos contra a doutrina que aprendestes; desviai-vos deles. Porque os tais não servem a nosso Senhor Jesus Cristo, mas ao seu ventre; e com suaves palavras e lisonjas enganam os corações dos simples”.
(2Tm 2:16-18) “Mas evita os falatórios profanos , porque produzirão maior impiedade. E a palavra desses roerá como gangrena ; entre os quais são Himeneu e Fileto; Os quais se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição era já feita, e perverteram a fé de alguns”.
(Gl 5:7-8) “Corríeis bem; quem vos impediu, para que não obedeçais à verdade? Esta persuasão não vem daquele que vos chamou“.