Quem disse que Pastor não é um título honorífico?

Você me ouviu dizer em algum lugar que nenhum cristão no Novo Testamento trazia títulos como os que hoje trazem os ‘Pastores’ antes do nome, tipo ‘Pastor Fulano’, ‘Pastor Sicrano’. E aí argumentou que Paulo era chamado de apóstolo, o que na sua ótica era razão suficiente para chamarmos alguns de “pastor” antes do nome. Realmente, você não encontra nenhum ‘Pastor Fulano’ nas páginas do Novo Testamento porque pastor era um dom dado por Cristo conforme Efésios 4:11. A cristandade adotou essa maneira de qualificar pessoas como fazem com ‘Doutor Fulano’, ‘Engenheiro Sicrano’, ‘Deputado Beltrano’, ‘Comendador Tal’, em sua volúpia por dividir os cristãos entre clérigos e leigos.

Com a adoção de escolas de teologia — algo também estranho à doutrina dos apóstolos — essas pessoas passaram a sair da faculdade com títulos assim, do mesmo modo como um advogado que sai de seu curso de direito com direito ao título por ter estudado e se esforçado para obtê-lo. Estes títulos honoríficos fazem sentido numa escala humana, como no caso de médicos, professores, advogados, políticos, etc., mas nada têm a ver com os dons dados por Cristo.

Até onde eu pude observar, no Novo Testamento só encontramos pessoas identificadas pelo dom no caso de apóstolos, profetas e evangelistas. Mas repare que em nenhum caso o dom vem antes do nome como se fosse um título honorífico. Me corrija se eu estiver enganado, mas em buscas na Bíblia encontrei diversas vezes a forma “Paulo, apóstolo...”, mas nenhuma vez ‘Apóstolo Paulo’. Aliás, quando Pedro o menciona, usa a forma “_irmão”_antes do nome, “como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu”(2Pe 3:15). Isso está bem ao modo como o Senhor Jesus pediu que nos considerássemos mutuamente: “Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos”(Mt 23:8). E qual a razão de ele ter dito isso? Nada melhor que apresentar todo o contexto para detectar a loucura daqueles que buscam posições eclesiásticas:

Então falou Jesus à multidão, e aos seus discípulos, dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem; pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los; e fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas das suas vestes, e amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas, e as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens; Rabi, Rabi. Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos. E a ninguém na terra chameis vosso pai [ou padre], porque um só é o vosso Pai, o qual está nos céus. Nem vos chameis mestres, porque um só é o vosso Mestre, que é o Cristo. O maior dentre vós será vosso servo. E o que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado” (Mt 23:1-12).

Para o dom de profeta também não encontrei qualquer citação do tipo “Profeta Fulano”, mas apenas a identificação de quem era a pessoa, como quando “chegou da Judeia um profeta, por nome Agabo”(At 21:10). Apenas os profetas do Antigo Testamento trazem “_Profeta”_antes do nome, como “Profeta Isaías”. Mas estamos falando aqui dos dons dados por Cristo à igreja em Efésios 4, e faremos bem em observar o modo como os cristãos do primeiro século tratavam uns aos outros, nunca elevando alguém a uma posição honorífica por ter obtido seu dom por esforço próprio ou comenda dos homens, como fazem as pessoas do mundo.

Apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e doutores não eram tratados como títulos honoríficos ou eclesiásticos, mas eventualmente era citado o dom apenas para indicar a capacidade que Cristo havia dado àquela pessoa. Era apenas para diferenciar o dom, e isso obviamente era mais expressivo no caso de apóstolos e profetas, que não existem mais, por terem sido eles as pedras do alicerce da casa de Deus. A alegação de alguns hoje de que podem ou devem ser chamados de pastor antes do nome, só porque Paulo era identificado como apóstolo, Agabo como profeta e Filipe como evangelista, é no mínimo pedante. O que esses que querem ser chamados assim procuram? Crédito por possuírem um dom? Ninguém pode se orgulhar de um dom porque é algo que recebeu sem merecer.

...para que em nós aprendais a não ir além do que está escrito, não vos ensoberbecendo a favor de um contra outro. Porque, quem te faz diferente? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras recebido?” (1Co 4:6-7).

Além disso nunca devemos nos esquecer de que os dons de Cristo de Efésios 4 (não confundir com as manifestações do Espírito de 1 Coríntios 12) são dados como dons para o corpo como um todo. São dons universais e não locais ou provisórios, como são as manifestações de 1 Coríntios 12, que literalmente são chamadas, não de “dons espirituais”, mas de “manifestações espirituais”. Alguém que tenha o dom de pastor será reconhecido por seu dom utilitário de pastor em qualquer lugar onde esteja. Eu disse reconhecido pela facilidade e disponibilidade como age no cuidar das ovelhas, não apontado ou ordenado. O mesmo vale para o evangelista, que qualquer um pode identificar por sua prontidão em buscar pecadores e encaminhá-los a Cristo, e o mestre ou doutor, pela facilidade como expõe as Escrituras e tem prazer em explicá-las.

E ele mesmo [Cristo] deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo” (Ef 4:11-12).

Mas isso obviamente alguém no sistema denominacional não irá entender, porque ali “_pastor”_virou título honorífico e sua atuação é na assembleia local e também como uma espécie de dirigente das reuniões. Esse modelo foi copiado do catolicismo romano, e por isso o pastor protestante tem a mesma função do padre católico, apenas usando uma roupa diferente. Mas sua atuação obviamente inibe a ação do Espírito Santo numa reunião da igreja, onde a ordem não foi dada para que um falasse, mas para que dois ou três falassem e os outros julgassem (Leia 1 Coríntios 14:26 ao final).

Uma experiência me marcou logo nos meus primeiros anos de convertido. Eu já compreendia em algum grau estas coisas quando conversei com um jovem ‘pastor’ presbiteriano. Ele tinha feito faculdade de teologia, sido ordenado ‘pastor’ e designado para ‘pastorear’ uma pequena congregação numa cidade vizinha. Naquele dia ele veio abrir seu coração para me dizer que estava deprimido, que nunca teve jeito para cuidar de pessoas, para dirigir ‘cultos’, para visitar enfermos e tudo o que era exigido dele. O que ele gostava mesmo era de sair pelas ruas evangelizando, pregando nas praças, distribuindo folhetos evangelísticos. Ele tinha um jeito especial de sorrir para as pessoas e seus olhos brilhavam quando falava do Salvador.

Mas ficar confinado aos ditames da organização à qual servia estava sendo demais para ele. Senti pena daquele irmão em Cristo que eu já tinha observado ser um evangelista de mão cheia, um soldado de linha de frente, não de retaguarda. Ele estava mais para Filipe, que era levado pelo Espírito aonde quer que existisse um eunuco pronto para ouvir as boas novas, do que para um Barnabé, “o qual, quando chegou, e viu a graça de Deus, se alegrou, e exortou a todos a que permanecessem no Senhor, com propósito de coração; porque era homem de bem e cheio do Espírito Santo e de fé”(At 11:23-24 - a propósito leia desde os versículos 19 ao 26 para ver os diferentes dons em ação nesta ordem: evangelista, pastor e mestre). Da conversa que tive com aquele jovem pastor presbiteriano percebi o quanto eu era privilegiado de não ser guiado por alguma organização religiosa que rotula o que cada um deve ser e determina o que cada um deve fazer dentro de suas fileiras eclesiásticas.