Mario, qual é o seu dom?
Você escreveu perguntando qual seria o meu dom, e logo me lembrei de uma frase de J. N. Darby: “Humildade não é pensar pouco de si; humildade é não pensar em si”. Por isso acho que o melhor é não ficar preocupado se tenho este ou aquele dom e simplesmente fazer aquilo que cair em minhas mãos e precisar ser feito. O cristão que está ocupado com o trabalho que lhe cai nas mãos não terá tempo de pensar se tem ou não tem um dom.
Uma vez vi uma cena hilária na recepção de uma escola de inglês onde tinha ido buscar meus filhos. O marido de uma aluna entrou e pediu se o rapaz da recepção poderia pegar a sombrinha que sua esposa tinha esquecido na sala de aula. “Desculpe, senhor, mas não sou responsável por esse departamento” — respondeu o empertigado recepcionista. Vi o sangue do homem subir à cabeça e ele esbravejou: “Então enquanto não chega o responsável pelo departamento de sombrinhas esquecidas, vou eu mesmo procurar” — e entrou de forma tempestiva nas salas de aula em busca da sombrinha da mulher.
Quando um cristão passa a se achar alguma coisa — tipo responsável por um departamento ou carimbar um crachá com um dom que tem como seu — isso pode atrapalhar quando ele for exortado a “_fazer o trabalho”_de um dom que não possa chamar de seu. Como no caso de Timóteo, que provavelmente não tinha o dom de evangelista mas era encorajado por Paulo a fazer esse trabalho. “Mas tu, sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre o teu ministério”(2Tm 4:5).
Uma vez eu estava construindo uma casa em Alto Paraíso de Goiás, um lugar onde na época era difícil conseguir alugar um caminhão para transportar material e mão de obra para carregar e descarregar. O costume ali era ficar no posto de gasolina e quando um caminhão em viagem parasse para abastecer, tentar contratar algumas horas para transportar pedras para alicerce, areia tirada da alguma praia na beira do rio, ou terra para aterro extraída de algum barranco.
Consegui combinar algumas horas com o motorista de um caminhão e espalhei a notícia de que precisava de mão de obra para carregá-lo de terra. Além de mim, que também pegava na pá, só tinha conseguido mais um. Então apareceu um jovem todo arrumadinho dizendo que estava desempregado, precisava de dinheiro e coisa e tal, e tinha ouvido dizer que eu iria transportar um caminhão de terra para minha construção.
Quando eu disse que tinha uma pá sobrando ele sentiu-se ofendido: “Pá? Não, senhor, eu não faço trabalho braçal. Sou motorista e tenho até curso. Pensei que fosse para dirigir o caminhão”. Então respondi: “Já entendi... Olha, se você precisar de um arquiteto que tem até curso, procure no barranco que ele estará jogando pá de terra”.
Às vezes a preocupação com o ter ou não ter um dom pode ser pela má interpretação da passagem “procurai com zelo os melhores dons”(1Co 12:31), como se o cristão pudesse sair às compras em um“_Supermercado de Dons”_e escolher nas prateleiras aquele que mais lhe agrade, que ache mais útil, ou que traga maior prestígio entre seus irmãos. Mas o apóstolo não está dizendo aí para nos esforçarmos para receber este ou aquele dom, e sim para termos discernimento de buscarmos nos ocupar com os dons de outros irmãos que trouxerem maior benefício para nós, os melhores dons. Ele está comparando na passagem os dons de ministério com dons de línguas, para mostrar o valor dos que trazem maior benefício.
Dom não é algo que tenhamos condições de conquistar, mas algo que nos é dado com uma determinada finalidade. Existem os dons de Cristo do capítulo 4 de Efésios, e existem os dons ou manifestações do Espírito do capítulo 12 de 1 Coríntios. Se ler o capítulo 14 de 1 Coríntios, que é uma continuação do assunto do capítulo 12, verá que o apóstolo está comparando o dom de falar em línguas estrangeiras com o dom de profecia (falar da parte de Deus ou falar a Palavra de Deus). A conclusão do apóstolo é que o dom de profecia é muito superior ao dom de línguas, porque o primeiro edifica a todos, e o segundo só à pessoa que fala.
“Segui o amor, e procurai com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de profetizar. Porque o que fala em língua desconhecida não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala mistérios. Mas o que profetiza fala aos homens, para edificação, exortação e consolação” (1Co 14:1-3).