Minha salvação não foi completa?
Seu amigo questionou meus textos e vídeos que você enviou a ele, que tinham os títulos “Precisamos começar as reuniões invocando o Senhor?” e “Existe um arrebatamento parcial?”, e perguntou o que você acha sobre “crescer na vida divina a fim de reinar”. Argumentou que se “somos herdeiros de Deus temos que amadurecer na vida divina a fim de podermos reinar, pois o reino é a herança de Deus para os crentes”.
Acho que ele está confundindo um pouco as coisas, talvez por seguir ensinamentos equivocados. Por exemplo, ele citou Filipenses 2:12 como argumento de que a salvação não seja tão completa como podemos pensar. Vou transcrever o versículo mas também o que vem em seguida por causa do contexto: “De sorte que, meus amados, assim como sempre obedecestes, não só na minha presença, mas muito mais agora na minha ausência,assim também operai a vossa salvaçãocom temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade”.
O versículo 12 que seu amigo citou fala de colocar em prática aquilo que já recebemos por graça, e não o contrário. Não é operando a salvação que seremos merecedores de alguma coisa, mas depois de salvos é nossa responsabilidade colocar essa salvação em prática (este é o significado do verbo “operar”). Outras versões dizem “desenvolvei a vossa salvação” (ARA), “cultivai a vossa salvação” (LITV),“ponham em ação a salvação de vocês” (NVI).
Portanto isso nada tem a ver com a responsabilidade nossa em completar nossa salvação como se faltasse fazer algo que Cristo não tivesse feito. Como poderia alguém morto em seus delitos e pecados salvar-se a si mesmo? E como poderia Deus dar uma salvação “meia-boca” a alguém, sendo ele perfeito em tudo e tendo pago um preço tão alto por nossa redenção? Você acha que seria solto da prisão se um amigo seu se propusesse a pagar metade da fiança? E como poderia Paulo querer dizer algo do tipo depois de ter escrito com todas as letras em Efésios 2:8-9 que “pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie”? Então se Paulo diz que a salvação é pela fé e depois diz que devemos operar nossa salvação ele obviamente não está com isso anulando o que disse antes, mas apenas falando de outro aspecto da salvação, que é o de colocá-la em prática.
A própria palavra “salvação” tem diferentes significados dependendo do contexto. Em Filipenses 1:19 Paulo diz: “Porque sei que disto me resultará salvação, pela vossa oração e pelo socorro do Espírito de Jesus Cristo”. Mas espere um pouco! Acaso Paulo já não era salvo? Sim, sem dúvida, mas o assunto aqui é o de salvação da prisão e morte, que é o contexto do que ele está falando. Em Filipenses 1:28 ele diz: “E em nada vos espanteis dos que resistem, o que para eles, na verdade, é indício de perdição, mas para vós de salvação, e isto de Deus.” Aqui também o contexto mostra salvação mais como de resolução de um problema do que de salvação eterna.
É como o caso de um cristão que escapa de um acidente e exclama: “Puxa! Foi por pouco! Nasci de novo!”. Mas aí vem aquele irmão que só usa o hemisfério esquerdo do cérebro e não consegue falar em linguagem que não seja estritamente lógica e lhe dá uma lição: “Não, meu irmão, você nasceu de novo quando o Espírito Santo aplicou a água da Palavra em você lhe dando nova vida, etc.” A explicação pode ser muito boa e correta, mas não foi nesse sentido e contexto que o outro tinha usado a expressão “Nasci de novo”.
O outro versículo que seu amigo usou foi Romanos 5:10: “Porque se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, tendo sido já reconciliados, seremos salvos pela sua vida”. Aqui é outro aspecto de salvação que não é exatamente o da salvação eterna. L. M. Grant explica assim:
“Éramos inimigos de Deus, mas ele não era nosso inimigo, porém, ao contrário, trabalhava visando nos reconciliar a si mesmo, e isso foi o que aconteceu, por inigualável graça, pela morte de Cristo, seu Filho. Quão transcendente e maravilhoso evangelho! Mas tendo sido assim, ‘muito mais... seremos salvos pela sua vida’. Necessariamente esta é a vida de Cristo em ressurreição, ressuscitado ‘segundo o poder de vida indissolúvel’ (Hb 7:16). Não se trata aqui de salvação eterna, mas do divino poder de Deus agora empregado em nos salvar dos males e perigos que nos ameaçam em nosso dia a dia em nossa senda através do mundo... Isto tem a ver com a intercessão sacerdotal de Cristo por nós à destra de Deus, cuidando de nós em cada circunstância na terra” - L. M. Grant.
Veja o que J. N. Darby comenta da mesma passagem: “[Paulo] acrescenta que, se fomos reconciliados por Deus pela morte de seu Filho, isto é, por aquilo que era, por assim dizer, sua fraqueza, muito mais seremos agora salvo por sua vida, isto é, pela poderosa energia na qual ele vive eternamente. Assim o amor de Deus fez a paz no que diz respeito ao que éramos, e nos dá segurança no que diz respeito ao nosso futuro, providenciando para que sejamos felizes também em nosso presente. Isto que Deus é nos assegura todas essas bênçãos. Ele é amor, cheio de consideração e sabedoria para conosco” - J. N. Darby.
Posso estar enganado, mas talvez esse seu amigo siga os ensinos de Watchman Nee e Witness Lee que falavam de duas classes de pessoas, uma dos “vencedores”, que seriam arrebatados por estarem prontos para reinar com Cristo, e outra dos (“perdedores”?) que ficarão por aqui para sofrer a grande tribulação para aparar as arestas. Isso é o mesmo que dizer que a obra de Cristo não foi perfeita e completa; é como dizer que ao crente vacilante existe uma espécie de “purgatório” para purificar os não arrebatados. Alguns dos que professam estas doutrinas costumam se identificar como “igreja local” e se adivinhar onde eles acreditam que está congregada a maior parcela de “vencedores” você ganha um doce.
É simples saber que ninguém vai ficar aqui no arrebatamento para ser “purificado” ou “aperfeiçoado” por esse suposto “purgatório”. Se fosse assim, como é que Cristo se contentaria em vir buscar sua Noiva e só levar consigo um pedaço dela? De maneira nenhuma! “Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a si mesmoigreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5:24-26).
E o que dizer dos salvos que irão ressuscitar nesse dia e viveram aqui uma vida meio fora do padrão bíblico de qualidade total? Será que na ressurreição Cristo iria também dividir os crentes mortos em duas turmas? Os “vencedores” que ressuscitariam para subir com os arrebatados, e os “perdedores” que seriam deixados aqui. Mas espere um pouco! Se esses perdedores ressuscitarem, como poderão passar pelo suposto sofrimento purificador da Grande Tribulação se estarão já em um corpo perfeito à semelhança do corpo de Cristo, já imune à dor e ao sofrimento? Se não morreram cem por cento aperfeiçoados estarão tão perdidos para sempre como qualquer incrédulo, e só irão ressuscitar no dia do Grande Trono Branco para serem lançados no lago de fogo!