Darby era maçom?

Não, John Nelson Darby não era maçom e nem poderia ser, entendendo como entendia que a única irmandade que o cristão deve ter, exceto aquela que vem de seu nascimento natural, é aquela que obtém pelo novo nascimento e por fazer parte da família de Deus. Um cristão que entenda isso não chamaria um incrédulo de “irmão” como fazem os maçons. Geralmente as acusações e suspeitas levantadas contra J. N. Darby tem uma agenda oculta da pessoa que escreve ou fala. Por isso é sempre bom perguntar se essa pessoa leu algum dos mais de quarenta livros de J. N. Darby, de onde obteve as informações que usa para acusá-lo e quais são as crenças dessa pessoa que entram em conflito com aquilo que Darby escreveu.

Costumo dizer que é preciso olhar para a outra mão do mágico para descobrir o truque, e não para aquela que ele está acenando. Este é o caso aqui também. Existem várias formas de explicar o ódio que muitos nutrem contra John Nelson Darby, e pode ter certeza de que não é porque ele cria e ensinava o arrebatamento da Igreja. Crer no arrebatamento é algo que só tem influência na pessoa que crê, portanto não seria uma ameaça a pessoas que creem de modo diferente. Em um site em inglês cujo autor chama Darby de “satanista”, encontrei uma lista das coisas “malignas” que Darby ensinava:

— Deus desejaria que os judeus voltem à sua terra.

— Deus teria dois planos de salvação: ele iria salvar os que creem em Jesus, mas também Israel por ser seu povo escolhido.

— Os cristãos não deveriam se envolver em política.

— Deus estaria tratando com o homem de diferentes maneiras em diferentes épocas e dispensações.

— A Igreja estaria destinada ao fracasso e isso encerraria a dispensação da graça.

— Cristo iria tirar da terra no arrebatamento os cristãos para não passarem pela Grande Tribulação.

— No futuro haveria uma época judaica e os sacrifícios ritualísticos seriam restaurados e Jesus iria reinar por mil anos sobre a terra.

Realmente, essa lista de “malignidades” poderá ameaçar a sobrevivência da raça humana. Sério?! Se você conhece o que os irmãos têm mostrado na Palavra de Deus, verá que era exatamente isso que Darby e outros professavam e muitos hoje professam. Então qual a razão de tanta animosidade? O autor do site é antissionista, ou seja, nutre verdadeiro ódio contra Israel e tudo o que lhe diz respeito. Por isso, para ele, Darby era tão ameaçador. Quer mais? Segundo esse autor, Darby era um agente da família Rothschild de banqueiros, que foi infiltrado no cristianismo fundamentalista para favorecer os judeus e facilitar a criação do Estado de Israel. O autor do site escreve:

Darby era um satanista, maçom e agente dos Rothschild, proprietários da British East India Company, a mais poderosa multinacional da época e a fornecedora que transformou milhões de chineses em viciados em ópio”.

Mas de onde esse autor tirou a ideia de que Darby era um satanista? Ele explica que “Darby usava muitos termos encontrados na Teosofia ocultista, como ao referir-se a Jesus como ‘Aquele que virá’, se referia a Deus como ‘Arquiteto’ (o mesmo termo usado pelos maçons, que os não iniciados pensam ser ‘Deus’, mas os iniciados sabem que é ‘Lúcifer’. Darby também escreveu sua própria versão satânica da Bíblia... inserindo palavras satânicas no texto bíblico”. Segundo esse autor, Darby teria trocado o versículo de João 6:69, que na versão King James diz “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, por “Tu és o Santo de Deus”. Obviamente o autor da crítica ignora que a versão King James foi baseada no manuscrito conhecido como “Textus Receptus” e a versão de Darby no “Texto Crítico”, o mesmo usado na versão Almeida Atualizada da Sociedade Bíblica do Brasil.

Bem, tudo isso poderia muito bem ser apenas os devaneios de um adolescente revoltado contra tudo e contra todos, desses que passam o dia e a noite trancados no quarto criando vídeos de teorias conspiratórias. Mas a verdade é que estas palavras vêm de um mentor desses adolescentes, da pena de James Perloff, autor que vive de escrever livros de teorias conspiratórias e com uma forte agenda antissemita, mesmo sendo descendente de judeus russos. É evidente que alguém que tem ódio dos judeus não irá gostar nem um pouco de cristãos que sabem que as promessas feitas a Israel no Antigo Testamento serão textualmente cumpridas para aquele povo, e não para a Igreja, que ocupa um parêntese na profecia enquanto Israel é deixado por um momento de lado (leia Romanos 11).

Mas de onde mais vem a ideia de que Darby seria maçom? Encontrei no site da “Grande Loja de British Columbia e Yukon” uma informação que deve ser resultado de muitos que escrevem para lá querendo descobrir se Darby era maçom. Ali diz: “Não existe qualquer registro de que John Nelson Darby tivesse qualquer associação com a Maçonaria, e nem existem razões para sugerir que ele tenha sido maçom. Considerando que muitos dos ataques contra a Maçonaria vêm de cristãos fundamentalistas dispensacionalistas, é intrigante que um de seus líderes tenha usado a Maçonaria como exemplo para ilustrar seus ensinos”.

Esta declaração explica também a outra causa de confusão, que foi o fato de Darby ter por duas ou três vezes usado a Maçonaria como ilustração em um texto. Em uma de suas cartas, ao explicar que uma assembleia de cristãos não pode ser independente de outras porque isso negaria a unidade do Corpo, Darby usa da seguinte ilustração para explicar o erro da independência eclesiástica:

Suponha que em um grupo de maçons uma pessoa fosse excluída de uma de suas lojas por causa das regras ali praticadas, e ao invés de pedir que a loja revisse seu caso, considerasse a decisão injusta e cada loja da Maçonaria passasse a receber aquela pessoa com uma autoridade independente. Ficaria claro que a unidade da Maçonaria teria acabado, se cada loja fosse um corpo independente agindo segundo seus próprios princípios” (J. N. Darby: Letters : Volume 1, number 259).

Cristo é a sabedoria divina para nós: Deus tornou louca a sabedoria deste mundo, mas ‘falamos sabedoria entre os perfeitos’. Deus “fez abundar para conosco em toda a sabedoria e prudência; descobrindo-nos o mistério da sua vontade” (Ef 1:8-10). A divina revelação de todos os pensamentos e intenções de Deus está em Cristo; a ‘sabedoria de Deus em mistério’, palavra que implica que apenas os iniciados podem entender. Por exemplo, eu nada entendo da Maçonaria por não ser um iniciado” (J. N. Darby: Four things we have in Christ).

Você entenderá melhor o que Darby estava querendo dizer se ler uma explicação de G. Willis do significado de uma palavra usada em Filipenses 4:12: “...em todas as coisas estou instruído [do grego ‘mueo’ no original ‘fui iniciado’ ou ‘me foi ensinado o segredo’], tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade”.

Willis escreve: “A expressão ‘fui iniciado’ não é encontrada em nenhuma outra parte das Escrituras. Ela vem da mesma raiz da palavra ‘mistério’. Era usada nos rituais secretos das religiões pagãs e na iniciação a elas. Aquele era um conhecimento zelosamente guardado das pessoas comuns, como acontece hoje na Maçonaria, e o acesso a esses segredos era buscado por todo tipo de pessoa, de imperadores romanos a cidadãos comuns, na esperança de se libertarem do mal nesta vida e na próxima. O uso desta palavra por Paulo associada à experiência cristã é bastante sugestivo. O conhecimento da paz de Deus, do total contentamento, é na verdade um segredo aberto, mas aberto àquele que desejar aprender de Deus. Mas mesmo assim trata-se de um mistério” (Meditations on the Epistle to the Philippians - 4 - G C Willis).

Se você encontrar por aí alguma crítica feroz contra John Nelson Darby, não se preocupe. Como eu disse no início, o que as pessoas dizem nem sempre tem a ver com aquilo com que estão preocupadas, como é o caso da doutrina do arrebatamento, que não é imposta sobre ninguém e nem enviada ao Congresso para ser transformada em lei. Então qual a razão de Darby incomodar tanto? Primeiro porque ele serve de para-raios da raiva histórica que todo homem nutre contra Israel. Sempre foi assim, e muitos são os exemplos no Antigo Testamento de tentativas de exterminar o povo que Deus chama de “menina de seus olhos”(Zc 2:8). Não pense que o antissemitismo de Hitler acabou. Ele só está adormecido.

Portanto uma das principais razões dessa raiva de muitos que se dizem cristãos contra Darby é por ele amar Israel e ensinar os cristãos a também amarem Israel. Durante a Segunda Guerra Mundial mais de três mil judeus foram escondidos em fazendas do sul da França por irmãos que aprenderam esse mesmo amor por Israel, escapando da morte nos campos de concentração. Em razão disso o nome de John Nelson Darby consta de uma lista de homenagem póstuma no Museu do Holocausto em Israel, de homens cuja influência serviu para salvar judeus durante a Segunda Guerra. Se você odeia os judeus vai também odiar Darby.

O entendimento das dispensações que ele trouxe em seus mais de quarenta livros (que seus críticos provavelmente nunca leram) também demonstra que as promessas feitas a Israel no Antigo Testamento continuam apenas suspensas e não foram transferidas à Igreja. Se você é um cristão fundamentalista seguidor da Teologia do Pacto e da Teologia do Domínio terá também motivo para odiar Darby. Você vai achar um absurdo não poder usurpar para a Igreja o que Deus prometeu para Israel e se sentirá frustrado por saber que a Igreja não deverá conquistar o mundo inteiro. Boa parte da ira antissemita recai sobre Darby por acharem que suas ideias teriam tido influência na criação do Estado de Israel. Elas efetivamente tiveram, mas isso tem mais a ver com seu amor por Israel do que por ensinar que os judeus deveriam voltar à sua terra na incredulidade de rebelião contra seu Cristo, como é o caso. Israel voltará sim à terra, mas quando tiver se arrependido.

A esperança da volta iminente de Cristo para buscar a sua Igreja no arrebatamento é outro ensino bastante frisado nos escritos de Darby e, se você estiver esperando primeiro pelo anticristo também vai odiar essa ideia. Existe um certo sentimento de orgulho que frustra alguns quando descobrem que não irão ter de passar pela Grande Tribulação. Se não for assim, como farão para provar quão firmes e corajosos são na fé? Mas existe ainda uma outra razão, que é talvez a mais forte de todas, para essa animosidade contra Darby e seus ensinos. Como você se sentiria, depois de ter estudado anos em faculdades teológicas, obtido a duras penas títulos como “Doutor em Divindade”, “Pastor”, “Reverendo”, etc., e aí alguém viesse ensinando que na Igreja não existe a divisão clero-leigos, que todos são igualmente sacerdotes com igual acesso a Deus, e nas reuniões da Igreja todos podem ministrar dirigidos pelo Espírito, e não apenas um homem que se coloca à frente por ter sido ordenado por uma organização religiosa. Você ficaria feliz ao descobrir que irá ter de sentar-se no banco com todos os outros irmãos e não ter a mão beijada?

De modo algum! Você iria chamar de “satanista”, “maçom”, “herege” e vários outros adjetivos aquele que você acha que teve essa ideia, quando a verdade é que Darby aprendeu boa parte do que ele pregava de outros irmãos com os quais estava congregado somente ao nome do Senhor e fora dos sistemas denominacionais. Ah, e quase ia me esquecendo de que a opinião que ele tinha sobre faculdades de teologia e igrejas denominacionais também é um prato cheio para os que vivem nesses sistemas e desses sistemas.

Considerando tudo isso, e também o fato de Darby ter usado a Maçonaria como ilustração em alguns de seus textos, se você tiver dificuldade de leitura e interpretação também vai achar que sou um espião se alguma vez eu tiver usado a CIA como exemplo de algo, ou que C. S. Lewis era um pagão adorador de animais quando escreveu “Crônicas de Narnia”, onde Jesus é representado por um leão. Eu mesmo, que tenho formação em arquitetura, comparei Deus a um arquiteto e o ser humano a um cliente quando preguei o evangelho com o tema “Quem é Jesus? O que ele veio fazer?”, disponível em texto e vídeo na Web. Será que isso faz de mim um maçom só porque maçons chamam a Deus de Grande Arquiteto?

Se você quiser conhecer as obras de John Nelson Darby irá encontrar pouca coisa em português, mas se puder ler em inglês vai encontrar um manancial imenso de conhecimento bíblico de um homem que escreveu mais de quarenta livros, e conhecia idiomas o suficiente para traduzir a Bíblia dos textos gregos e hebraicos para o alemão, francês, holandês (Novo Testamento) e inglês (esta terminada postumamente por terceiros). Você conhecerá um servo de Deus muito diferente daquele que é mostrado em artigos e vídeos de teorias conspiratórias de adolescentes revoltados ou de clérigos da Teologia do Pacto e de inimigos de Israel.