A Bíblia diz que ciência se multiplicaria no final?
Você escreveu perguntando se o versículo do livro de Daniel que fala da multiplicação da ciência seria um prenúncio do fim. A passagem, na versão que você leu, é esta: “Tu, porém, Daniel, cerra as palavras e sela o livro, até o fim do tempo; muitos correrão de uma parte para outra, e a ciência se multiplicará”(Dn 12:4).
Para entender o versículo é preciso lembrar que “ciência” na versão que indicou aparece como “saber” ou “conhecimento” em outras versões. Uma tradução alternativa feita por Darby seria “muitos buscarão diligentemente investigar” e outra de Tregelles traz “muitos escrutinarão o livro do começo ao fim”. Enquanto uma interpretação da passagem possa ser a de um aumento grande no conhecimento humano, acredito que ela será melhor entendida se não fugirmos ao contexto do capítulo que é o da profecia e da Grande Tribulação mencionada no primeiro versículo, a qual virá só após o arrebatamento da Igreja.
“Naquele tempo se levantará Miguel, o grande príncipe, que se levanta a favor dos filhos do teu povo; e haverá um tempo de tribulação, qual nunca houve, desde que existiu nação até aquele tempo; mas naquele tempo livrar-se-á o teu povo, todo aquele que for achado escrito no livro” (Dn 12:1).
Apesar de todo o conhecimento intelectual que só se multiplica, principalmente agora com a Internet e a tecnologia de informação, muitos usarão disso para tentar entender essas coisas perscrutando as Escrituras do começo ao fim. Mesmo assim, repare que o livro está selado. “E tu, Daniel, encerra estas palavras e sela este livro, até ao fim do tempo; muitos correrão de uma parte para outra, e o conhecimento se multiplicará”(Dn 12:4). Então pode ser que esse esforço de aumento de conhecimento investigativo esteja mais diretamente conectado à profecia, mas é aí que entra um privilégio que o judeu não tinha e o cristão tem. O de saber o que está para acontecer.
Sabe aqueles documentários que tentam explicar a profecia? Nem perca seu tempo. Geralmente são produzidos por incrédulos que não têm o Espírito e por isso não podem entender a profecia. Para eles será sempre um livro selado, assim como toda a revelação de Deus. Paulo explica isso muito bem em sua carta aos Coríntios:
“Falamos a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória; a qual nenhum dos príncipes [principais] deste mundo conheceu; porque, se a conhecessem, nunca crucificariam ao Senhor da glória. Mas, como está escrito: As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, E não subiram ao coração do homem, São as que Deus preparou para os que o amam. Mas Deus no-las revelou [a nós os apóstolos] pelo seu Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus. Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus.
Mas nós [cristãos] não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus. As quais também falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as [palavras] que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais. [revelação textual] Ora, o homem natural [incrédulo] não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido. [o cristão discerne tudo, mas o incrédulo não consegue discernir a razão de o cristão ser assim] Porque, quem conheceu a mente do Senhor, para que possa instruí-lo? Mas nós temos a mente de Cristo” (1 Co 2:7-16).
Acredito que será de grande proveito introduzir aqui um comentário de William Kelly sobre este capítulo 12 do livro de Daniel:
Daniel está sendo informado de que as coisas que tinha visto, e as comunicações que tinha ouvido, embora fossem, sem dúvida, de Deus, não deveriam ser usadas para o presente. Tudo era para ser um livro selado até um dia distante, em suma, até a hora final. Em um versículo posterior, Daniel coloca a pergunta: ‘Qual será o fim dessas coisas?’(Dn 12:8). E a resposta é: ‘Vai, Daniel, porque estas palavras estão fechadas e seladas até ao tempo do fim. Muitos serão purificados, e embranquecidos, e provados; mas os ímpios procederão impiamente, e nenhum dos ímpios entenderá, mas os sábios entenderão’(Dn 12:10).
Assim nos é claramente mostrado que a compreensão das palavras de Deus é algo espiritual, e não uma questão de mero intelecto. Se assim fosse, então os ímpios poderiam entender tanto quanto os justos. É expressamente dito que ‘nenhum dos ímpios entenderá, mas os sábios entenderão’. Ou seja, os sábios que já tinham sido mencionados (Dn 12:3).
Veja a importância disso. No último capítulo do Apocalipse, vemos o que é dito ao profeta João no final de sua profecia. O contraste é notório. No último capítulo de Daniel, ele é informado de que tudo deve ser fechado e selado até o tempo do fim. No último capítulo do Apocalipse João é informado para não selar “as palavras da profecia deste livro, porque próximo está o tempo”(Ap 22:10). Em outras palavras, existe um claro contraste entre a injunção dada aos dois profetas. Para o profeta judeu tudo é selado até o tempo do fim. Para o profeta cristão nada é selado, tudo está aberto. Qual a razão disto? A resposta é que a Igreja — o cristão — é sempre vista como estando no tempo do fim. O dom do Espírito Santo mudou tudo. Desde então, nada foi selado para o cristão. Toda vontade, afeições, conselhos de Deus, sim, e seus segredos sobre o mundo nas Escrituras da verdade, estão abertos a ele pelo poder de Deus.
Por mais fraco e ignorante que seja, o cristão tem o Espírito Santo habitando em si. Por isso, ao escrever a bebês, João diz: ‘vós tendes a unção do Santo, e sabeis tudo’(1Jo 2:20). Toda a aprendizagem do mundo nunca poderia fazer um homem compreender a Bíblia, no entanto alguém nascido de Deus é capaz de entender tudo o que Deus revela: ele só precisa ser conduzido e mais perfeitamente instruído. O apóstolo não está falando das verdadeiras necessidades de um bebê, que podem ser bem poucas. Em quem, então, poderíamos nos gloriar e nos gabar? Em Deus, que nos deu um privilégio tão incrível. Quem tem o Espírito de Deus, possui uma capacidade divina de entrar nas coisas de Deus. Ele só precisa estar em circunstâncias apropriadas, dependente de Deus, e valorizando sua Palavra, e o que é de Deus será manifesto e provado ser divino.
Isso está relacionado com o fato de que o Espírito de Deus é dado à Igreja, em um sentido especial que nem mesmo os profetas conheciam. Pois, embora eles tivessem o Espírito para inspirá-los, algo que nós, é claro, não temos no mesmo sentido, ainda assim temos o Espírito Santo sempre habitando em nós, e uma consequência disso é que temos inteligência espiritual, ‘a mente de Cristo’(1Co 2:16), que eles não tinham.
Portanto, como você pode se lembrar, o Espírito de Deus em 1 Pedro 1 contrasta a condição do cristão agora com a dos santos, sim, dos próprios profetas do Antigo Testamento. Ele nos mostra que eles estavam ‘indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir. Aos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas que agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho’ (1 Pe 1:11-12). Ou seja, estamos hoje desfrutando do conhecimento e prazer de coisas com as quais a eles foi dito que não deviam se ocupar, mas eram para nós do Novo Testamento.
Isto é muito importante. Eles tiveram a promessa, e isso foi salvação para eles. Mas temos muito mais: temos benção positiva e completa — redenção não meramente prometida, mas realizada. E o cristão agora, aliviado pela graça de todas as questões sobre seus pecados, é livre para entrar nas coisas abençoadas de Deus.
Deus assim diz agora: você não deve selar o livro. O tempo do fim é aquele em que somos contemplados, o fim moralmente chegado. E, portanto, estamos esperando que o Senhor venha a qualquer momento. Onde prevalecer um pensamento judaico, as pessoas estarão sempre à espera de um tempo de grande tribulação para vir antes. Elas não veem que Deus tem um propósito para Israel e outro para a Igreja; que, quando Deus nos tiver removido para o nosso próprio lugar na glória celestial, ele voltará a lidar com os judeus. E que serão eles, e não nós, que deverão passar pela grande tribulação e ver os sinais designados que anunciam a aproximação do Filho do homem à terra. Isso também serve para explicar como é que podemos entender essas profecias.
Mas Daniel não podia, como ele diz aqui: ‘Eu, pois, ouvi, mas não entendi; por isso eu disse: Senhor meu, qual será o fim destas coisas? E ele disse: Vai, Daniel, porque estas palavras estão fechadas e seladas até ao tempo do fim’(Dn 12:8-9). Então entra em cena o cristianismo e nenhuma das palavras é selada — nenhuma é fechada. Todas estão abertas. Para nós, o fim está sempre próximo; nos é dito que estamos no fim do mundo, como está escrito em 1 Coríntios 10:11: ‘estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos’.
E é sempre assim. ‘Mas agora na consumação dos séculos uma vez [Cristo] se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo’(Hb 9:26). A Igreja deve viver sempre no fim e, pela virtude do Espírito, viver como um remanescente piedoso e inteligente. Na verdade a Igreja começou com um remanescente de judeus que tinham fé em seu Messias. Assim, Pentecostes começou com o que será verdadeiro novamente depois de sermos removidos para o céu. Pois quando Deus tiver arrebatado os santos, e o tempo do fim vier literalmente, haverá mais uma vez um remanescente de judeus fiéis. ‘Mas os sábios entenderão’. A Igreja sempre deve estar fundamentada nesses privilégios e essencialmente acima das meras descobertas ou progressos da era atual. [‘Notes on the Book of Daniel’- William Kelly].