A profecia aconteceu, está acontecendo ou acontecerá?
Você escreveu dizendo que seu amigo judeu tenta refutar a interpretação cristã de que a profecia de Isaías 9:6 estaria falando do Messias, da vinda de Jesus em carne quando iria nascer 700 anos mais tarde em Belém da Judeia. Dentre outros argumentos, um é o de que os verbos estão no passado em relação ao profeta, o que poderia indicar eventos já acontecidos. Bem, se assim fosse teríamos de deixar de chamar Isaías de “Profeta” e passar a chamá-lo de “Historiador”, o mesmo para todos os profetas que em algum momento falaram de coisas futuras usando verbos no presente ou passado.
Certamente todo judeu precisa se esforçar em refutar todas as profecias do Antigo Testamento que falam do Messias, e não são poucas, porque a outra opção seria crer nelas e aceitar que o Messias é Jesus, que veio há dois mil anos, morreu numa cruz para nos salvar, ressuscitou ao terceiro dia e subiu aos céus onde está glorificado à destra do Pai. Ao invés de tentar torcer as profecias, sugira ao seu amigo que ele deveria torcer o braço. Quero dizer, o próprio, “dando o braço a torcer” e reconhecendo que o seu povo esteve errado estes dois mil anos em sua rebelião, incredulidade e rejeição do Messias que é Jesus, o Cristo.
Esta profecia de Isaías alguns judeus atribuem ao Rei Ezequias, porém uma interpretação assim desce atravessada na garganta de qualquer pessoa sincera.
Considere o contexto:
“Mas a terra, que foi angustiada, não será entenebrecida; envileceu nos primeiros tempos, a terra de Zebulom, e a terra de Naftali; mas nos últimos tempos a enobreceu junto ao caminho do mar, além do Jordão, na Galiléia das nações. O povo que andava em trevas, viu uma grande luz, e sobre os que habitavam na região da sombra da morte resplandeceu a luz. Tu multiplicaste a nação, a alegria lhe aumentaste; todos se alegrarão perante ti, como se alegram na ceifa, e como exultam quando se repartem os despojos. Porque tu quebraste o jugo da sua carga, e o bordão do seu ombro, e a vara do seu opressor, como no dia dos midianitas. Porque todo calçado que levava o guerreiro no tumulto da batalha, e todo o manto revolvido em sangue, serão queimados, servindo de combustível ao fogo. Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz. Do aumento deste principado e da paz não haverá fim, sobre o trono de Davi e no seu reino, para o firmar e o fortificar com juízo e com justiça, desde agora e para sempre; o zelo do Senhor dos Exércitos fará isto.” (Is 9:1-7).
Um dos argumentos dos judeus é de que o significado do nome “_Ezequias”_seria “_Força de Deus”_ou “_Energizado por Deus”_e que por isso ele seria o “_Deus Forte”_ou “_Deus Poderoso”_mencionado no versículo 6. Sério?! Ezequias significa Deus?! Apenas aventar tal possibilidade já seria uma blasfêmia para qualquer judeu sincero. Se não bastasse esse “dente” na interpretação, a profecia fala de um menino da Galileia ao qual está destinado ao trono perpetuamente, e Ezequias deve ter nascido em Jerusalém, onde seu pai era rei, e evidentemente não reinou “desde agora e para sempre”(Is 9:7). Ezequias, que também não poderia ser chamado de “Príncipe da Paz”, já que algumas guerras pesam em seu currículo. Por outro lado, temos Jesus, nascido em Belém da Judeia, identificado na doutrina dos apóstolos como Filho de Deus, o equivalente a ser Deus e Homem, e com um currículo que o identifica totalmente como tendo vindo em paz, inclusive sem resistir aos seus algozes. Não seria bem mais fácil o judeu simplesmente dizer, “Oops! Me enganei!”?
Mas não é apenas nesta passagem que os judeus tentam se esquivar de Jesus inventando alguma desculpa para substitui-lo por outro personagem qualquer. O conhecido capítulo 53 de Isaías é também atacado pela incredulidade dos judeus. Ali eles dizem que o “_homem de dores”_seria Israel, que tanto sofreu nas mãos dos gentios. Existem alguns problemas com essa interpretação, porque ali é dito que o Servo “nunca cometeu injustiça, nem houve engano na sua boca”(Is 53:9), uma característica que passa longe do modo como Israel se comportou durante toda a sua existência. E para confundir mais as coisas para a interpretação judaica, no capítulo seguinte, o 54, os judeus concordam que a “_mulher”_é Israel. Afinal, quem é Israel? O homem de dores do capítulo 53 ou a mulher do 54?
Enquanto alguns judeus são rápidos em afirmar que os sofrimentos descritos pelo “_homem de dores”_de Isaías 53 tenham sido os infligidos aos judeus no holocausto nazista e em outros períodos, ninguém em sã consciência iria acreditar que os judeus quando sofriam estavam sendo feridos “por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades”(Is 53:5), ou seja, por causa de suas próprias (dos judeus) iniquidades que no versículo 9 o profeta Isaías disse não existirem, pois “nunca cometeu injustiça”. Também ninguém acreditaria que aquele povo tenha sido colocado “por expiação do pecado”(Is 53:10), o que faria do povo judeu o salvador do mundo.
Será tão difícil para um judeu perceber que ali está falando de um sacrifício como eram os sacrifícios dos cordeiros? “Como um cordeiro foi levado ao matadouro” (Is 53:7). E como é que o povo judeu poderia, por seu sofrimento, ser considerado como aquele que “justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre si... porquanto derramou a sua alma na morte, e foi contado com os transgressores, mas ele levou sobre si o pecado de muitos e intercedeu pelos transgressores”? (Is 53:11-12).
Outro problema em se tentar identificar o “homem de dores”como sendo o povo judeu está no fato de ele ter se voluntariado a sofrer o que sofreu: “Verdadeiramenteele tomou sobre sias nossas enfermidades, e as nossas dores**[ele] levou sobre si**” e não ter passado por esse sofrimento com algum sentimento de revolta, mas sim de submissão, quando “foi oprimido e afligido, mas não abriu a sua boca... como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a sua boca”(Is 54:4,7). O sofrimento do povo judeu não foi voluntário, eles foram obrigados a sofrer. E também não foi recebido passivamente, mas até hoje os judeus ressentem de como seu povo foi perseguido, humilhado e maltratado ao longo dos séculos, e a caça aos criminosos de guerra nazistas é página conhecida da história de Israel. Mas talvez os judeus desistam da ideia de se considerarem o “_servo sofredor”_de Isaías 53 porque este termina morto e sepultado: “E puseram a sua sepultura com os ímpios”(Is 53:9). Estariam os judeus dispostos a considerar sua nação como terminada? Acho que não.
Seu amigo judeu se referiu também ao tempo verbal de algumas profecias que parecem indicar o evento como já tendo acontecido, por usar o tempo no passado. Existem duas maneiras de se abordar essa dificuldade, uma do ponto de vista do tempo e outra do ponto de vista linguístico, embora as duas formas acabem se sobrepondo de alguma maneira. Quando um profeta recebia uma mensagem da parte de Deus ele estava falando de uma esfera que transcendia o mundo, o tempo e a matéria, portanto o modo como ele iria apresentar aquilo poderia variar.
Vou dar um exemplo: em junho de 2016 os astrônomos flagraram uma explosão estelar, e até fotografaram o momento da explosão que irradiou uma luz 570 bilhões de vezes maior que a luz do Sol. Portanto, nos anais da história científica a estrela explodiu em junho de 2016, mas considerando que ela estava a 3,8 bilhões de anos-luz da terra isto significa que aquela explosão aconteceu bilhões de anos atrás e a luz viajou todo esse tempo até chegar à Terra em 2016. Então, quando foi mesmo que a explosão aconteceu? Quando os astrônomos fotografaram o evento ou quando eles nem sequer existiam para fotografar coisa alguma? Mas se eles disseram que viram a estrela explodir, estariam eles mentindo?
Se neste caso os cientistas optaram por anunciar a explosão colocando o verbo no passado, algo do tipo “Detectamos hoje que uma estrela explodiu”, o que dizer da Eta Carinae, uma estrela cem vezes maior que o sol que os astrônomos perceberam que está dando sinais de ir pelo mesmo caminho? Eles anunciaram algo assim: “A Eta Carinae está dando sinais de que irá explodir em um prazo de até dez mil anos”. Apesar de usarem o verbo no futuro, a luz dessa estrela leva nove mil anos para chegar à Terra e pode ser que ela já tenha explodido há muito tempo, mas continua sendo vista como se existisse. Deveriam eles dizer que a estrela explodiu, está explodindo ou explodirá?
Percebe como é complicado explicar as coisas quando expandimos um pouco nossa esfera de percepção? Agora imagine alguém recebendo uma comunicação divina de coisas que iriam acontecer no futuro e nem sequer seria uma questão de percepção visual do evento, como no caso da estrela, mas de coisas que ainda nem existiam no tempo e no espaço. Como o profeta as descreveria? Como um historiador, dizendo que elas já aconteceram, como um repórter ao vivo, dizendo que elas estariam acontecendo, ou como um verdadeiro profeta dizendo que ainda iriam acontecer?
Depende de como sua linguagem deveria ser usada para impactar seus ouvintes. É o caso de eu contar a você que sonhei que fui almoçar na sua casa e você serviu arroz e feijão. Como devo contar isso, considerando que foi um sonho, que eu nunca fui à sua casa e nem sei onde você mora? Mesmo assim eu uso o verbo no passado, “fui à sua casa e comi arroz e feijão”, porque é a única maneira de eu contar meu sonho. Talvez eu poderia usar algo do tipo “sonhei que teria ido à sua casa e você teria servido arroz e feijão”, mas de uma ou de outra forma eu precisaria escolher como comunicar meu sonho. Em qualquer caso os verbos seriam irreais, pois o fato sequer existiu.
Algumas passagens da profecia intercalam o tempo passado e presente porque o profeta quer transmitir a ação da melhor maneira para os que virão depois dele. Veja o caso de Isaías 53. Baseado em verbos isolados alguém do tempo de Isaías poderia crer que aquilo estava acontecendo naquele exato momento, enquanto outro achar que iria acontecer num dia futuro a partir do momento em que o profeta escreveu, outro, como eu e você, que tudo já aconteceu, tanto a escrita quanto o evento.
“Quem deucrédito à nossa pregação? E a quem se manifestouo braço do Senhor? Porque foi subindo... não tinhabeleza... não haviaboa aparência... eradesprezado... não fizemosdele caso algum... eletomousobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levousobre si... ele foiferido por causa das nossas transgressões...” (Is 53:1-5). Até aqui o tempo utilizado é o passado, mas aí você chega ao ponto em que “o castigo que nos traza paz estavasobre ele, e pelas suas pisaduras fomossarados” (Is 53:5). E agora? A paz é presente fundamentada em um castigo passado?
Se continuar a leitura verá que o verbo vai para o futuro, “...quemcontaráo tempo da sua vida?”(Is 53:8) e “...quando a sua alma sepuserpor expiação do pecado,veráa sua posteridade,prolongaráos seus dias, e o bom prazer do Senhor prosperará na sua mão. Ele verá o fruto do trabalho da sua alma, eficarásatisfeito, com o seu conhecimento o meu servo, o justo,justificaráa muitos, porque a as iniquidades deleslevarásobre si”(Is 53:10-11). Mas como poderá ele levar no futuro a iniquidade (no futuro) se foi ferido (no passado) “por causa das nossas transgressões”(Is 53:5) e já “ levousobre si o pecado de muitos”(Is 53:12)? E para deixar tudo mais confuso ainda, compare diferentes traduções da passagem que colocam o verbo em diferentes tempos, o que deixa o texto à mercê dos tradutores. Vamos pegar apenas três traduções diferentes do versículo 3, duas que colocam o verbo “ser” e uma que não estabelece o tempo do verbo, que parece ser como está no original:
“Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens” (Almeida Revista e Atualizada)
“He is despised and left alone of men” (“Ele é desprezado e abandonado dos homens” - J. N. Darby e também King James).
“Despreciado y desechado entre los hombres” (Reina Valera).
Para concluir, sugiro que diga a seu amigo judeu para deixar de procurar pelo em ovo e chifre em cabeça de cavalo e correr logo para os braços de Cristo, reconhecendo-o como seu Messias e Salvador. Porque se ele não enroscar nos tempos dos verbos aqui, vai enroscar em outra passagem até chegar a Daniel 9:26 e descobrir que o Messias já foi cortado (morto), e isso antes de Jerusalém e o Templo (o “santuário”) ter sido destruído no ano 70 da era cristã:
“E depois das sessenta e duas semanas será cortado o Messias, mas não para si mesmo; e o povo do príncipe, que há de vir, destruirá a cidade e o santuário” (Dn 9:26).