Deus é Pai apenas de cristãos?

Você ficou surpreso de eu dizer que o privilégio de chamar a Deus de pai é apenas dos cristãos, e argumentou que os judeus já chamavam a Deus de pai muito antes do cristianismo. A passagem que citou foi Isaías 63:16, que diz: “_Mas tu és nosso Pai, ainda que Abraão não nos conhece, e Israel não nos reconhece; tu, ó Senhor, és nosso Pai; nosso Redentor desde a antiguidade é o teu nome”._Então como poderia Isaías, que era judeu, ter chamado a Deus de pai antes dos cristãos?

Existem outras passagens no Antigo Testamento onde os judeus chamam a Deus de Pai, mas o contexto está sempre relacionado à criação, e não a parentesco ou familiaridade. Pai ali é no sentido de Criador, de quem nos fez. “Mas agora, ó Senhor, tu és nosso Pai; nós o barro e tu o nosso oleiro; e todos nós a obra das tuas mãos”(Is 64:8). Outra passagem é semelhante e fala de criação: “Não temos nós todos um mesmo Pai? Não nos criou um mesmo Deus?”(Ml 2:10). Isaías também fala de Jesus como Pai da eternidade: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte,Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”(Is 9:6).

Mas o próprio Senhor Jesus esclarece nos Evangelhos o engano dos judeus que achavam poder chamar a Deus de Pai: “Vós fazeis as obras de vosso pai. Disseram-lhe, pois: Nós não somos nascidos de prostituição; temos um Pai, que é Deus. Disse-lhes, pois, Jesus: Se Deus fosse o vosso Pai, certamente me amaríeis, pois que eu saí, e vim de Deus; não vim de mim mesmo, mas ele me enviou” (Jo 8:41-42).

A única maneira de se conhecer ao Pai, e poder chamá-lo assim em um relacionamento de parentesco, é mediante a revelação de Jesus, algo que não foi feito no Antigo Testamento: em várias passagens Jesus revelou aos discípulos que agora tinham a adoção de filhos de Deus e poderiam chamar a Deus de Pai na mesma relação de familiaridade que Jesus, o Filho de Deus, tinha com o Pai. “Disse-lhe Jesus: Não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”(Jo 20:17).

Esta relação a partir dali não seria mais de um simples ser criado por Deus (como eram os judeus no Antigo Testamento), mas efetivamente nascidos de Deus. “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo 1:12-13). Mas a prova cabal de que era impossível alguém ter esse privilégio de filho antes de Jesus vir ao mundo você encontra neste versículo: “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho, E AQUELE A QUEM O FILHO O QUISER REVELAR” (Mt 11:27).

Em seu livro “Teologia do Pacto ou Dispensações — Qual a maneira correta de se interpretar as Escrituras?” Bruce Anstey explica com mais detalhes:

A palavra “filiação” no grego tem o significado de “lugar de filho” (Gl 4:5; Ef 1:5). Como filhos, os cristãos foram colocados no mesmo lugar em que o próprio Filho permanece diante de Deus. Ocupamos um lugar no qual Deus nos fez “agradáveis a Si no Amado”(Ef 1:6). Ocupamos este lugar por causa de nossa conexão com Cristo — o “Filho do Seu amor”(Cl 1:13). Por isso o termo vai muito além de meramente “aceitos”(como está Ef 1:6 na versão inglesa King James) e denota o desfrutar de uma afeição especial vinda do Pai. Por estar no lugar em que Cristo está, o cristão permanece diante de Deus em uma posição que está muito acima daquela ocupada por anjos, acima até da posição ocupada pelo arcanjo Miguel! A grande bênção da “filiação” é que desfrutamos:

• Do lugar de favor do Filho (Ef 1:6).

• Da vida — a vida eterna do Filho (Jo 17:2).

• Da liberdade que o Filho tem diante do Pai (Rm 8:14-16).

• Da herança do Filho (Rm 8:17).

• Da glória do Filho (Rm 8:18; Jo 17:22).

Um lugar assim de privilégio na família de Deus não foi dado aos santos do Antigo Testamento. Em Gálatas 4:1-7 o apóstolo Paulo mostra a diferença. Ele dá o exemplo de uma família israelita, assinalando a diferença entre um “menino” e um “filho” na família. Ele indica que aqueles que foram convertidos do Judaísmo por crerem no evangelho são como “meninos” que atingiram certa idade. Eles deixaram a posição de crianças e agora estão na posição de “filhos” na família de Deus. A cerimônia judaica do Bar mitzvah ilustra isto. Em uma família de judeus, quando um menino chega aos treze anos de idade ele é formalmente elevado da condição de criança para a de filho na família, desfrutando então de maior liberdade e privilégios no lar. Essa mudança de posição ilustra o lugar que ocupa o cristão na família de Deus, comparada àquela ocupada pelos judeus nos tempos do Antigo Testamento. Observe a mudança de “nós” para “vós” nos pronomes do versículo 5 para o 6 de Gálatas 4: “Para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de [nós] recebermos a adoção de filhos. E, porque [vós] sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai”. No primeiro caso, “nós” se refere aos crentes judeus, e no segundo, “vós” aos crentes gentios.(...).

A vida eterna tem a ver com o fato de o crente possuir vida divina em sua alma, associada a uma compreensão do relacionamento especial que desfruta com o Pai e o Filho através do Espírito Santo (Jo 17:3). Para que o crente tivesse este aspecto da vida divina era necessário que o Filho de Deus tivesse vindo a este mundo para revelar o Pai (Jo 1:18; 14:9), que a redenção tivesse sido consumada (Jo 3:14-15) e que o dom do Espírito de Deus tivesse sido dado (Jo 4:14). A “vida eterna” não indica meramente uma vida divina de duração ilimitada, mas se refere ao caráter dessa vida. Trata-se da própria vida que o Pai e o Filho, juntos, desfrutaram em sua comunhão desde a eternidade passada. É por possuir esta vida que o cristão pode desfrutar de comunhão com o Pai e com o Filho (1Jo 1:3).

Os santos do Antigo Testamento tinham vida divina, uma vez que eram nascidos de novo. Portanto eles faziam parte da família de Deus. Todavia, eles não tinham este caráter da vida, pois Cristo ainda não tinha vindo revelar o Pai, e nem a redenção tinha sido consumada ou tampouco o Espírito sido dado. Os santos do Antigo Testamento tinham a esperança de viver para sempre na terra sob o reinado de seu Messias. Daniel chama a isto de “vida eterna” (Sl 133:3; Dn 12:2), mas não se trata da vida eterna como é apresentada no Novo Testamento. Portanto, eles desfrutavam de comunhão com Deus, mas não a comunhão existente entre o Pai e o Filho. (...)

Maria foi a primeira a ver o Senhor em ressurreição (Jo 20: 11-18). Todavia, ela não devia “tocá-Lo” na condição em que Ele estava, pois Ele ainda não tinha “subido” para o Seu Pai (Jo 20:17). Isto significa que apesar de os discípulos terem “_conhecido Cristo segundo a carne”_como o Messias de Israel, daí em diante eles já não O conheceriam desse modo (2Co 5:16). Eles deveriam conhecê-Lo de uma maneira completamente nova — como Cabeça da raça de uma “nova criação”(Rm 8:29; Gl 6:15; 2Co 5:17; Ap 3:14) — no novo lugar de reunião. Suas novas conexões cristãs com Deus Pai em Cristo ressuscitado estão indicadas por Sua declaração a Maria: “Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”(Jo 20:17). Os da antiga dispensação não conheciam a Deus como Pai desta maneira. [Extraído de “Teologia do Pacto ou Dispensações — Qual a maneira correta de se interpretar as Escrituras?” Bruce Anstey].