Devo orar por minha amiga?
Você escreveu contando que sua amiga aceitou a Jesus, porém não vê nada de errado em continuar vivendo em pecado num estilo de vida contrário às Escrituras. Segundo você, ela até frequenta uma “igreja”, de pessoas que aceitam como normal sua prática. Sua dúvida é se deve orar por ela, considerando a passagem de 1 João 5:16 que diz: “Se alguém vir pecar seu irmão, pecado que não é para morte, orará, e Deus dará a vida àqueles que não pecarem para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que ore”.
Se essa pessoa diz crer em Jesus e insiste em andar deliberadamente em pecado, talvez tenha sido uma conversão falsa e Deus irá permitir que ela siga em seu pecado sem ser disciplinada, como seria o caso se tivesse realmente a Deus como Pai. “Porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho. Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois então bastardos, e não filhos”(Hb 12:6-8). O próprio Senhor Jesus deixou claro que o inimigo plantaria joio no meio do trigo, isto é, falsos professos que andariam lado a lado com verdadeiros crentes. Ele também deixou claro que deve existir coerência entre a fé que a pessoa professa e o seu andar. “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus”(Mt 7:21).
Mas supondo que ela tenha verdadeiramente crido em Jesus, porém cauterizou sua consciência ao ponto de viver indiferente ao pecado, aí nem é caso de orar por ela, mas deixar que Deus cuide dela como ele quiser. Em 1 Coríntios 5 vemos o caso de um homem vivendo em pecado, e Paulo, com o poder e autoridade que apenas os apóstolos tinham, havia deliberado entregá-lo a Satanás para a destruição da carne. Ele acabaria morto como Ananias e Safira tinham sido mortos aos pés de Pedro por mentirem ao Espírito Santo (Atos 5:1-11). Veja que no caso de Ananias e Safira não havia nada de fornicação, como no caso do homem de 1 Coríntios 5, e não era caso de blasfêmia, como Himeneu e Alexandre em 1 Timóteo 1:20. Ananias e Safira tinham mentido, algo que muitos até acha trivial demais para ser punido com a morte.
O pecado para morte não está numa lista de pecados “mortais”, como se costuma dizer. Não é o pecado em si, mas todo o contexto e a reação que ele causa em você que pode dar pistas se deve orar ou não pela pessoa que vive na prática dele. Hoje a maioria das pessoas sente aversão à pedofilia, e não seria surpresa para um crente saber que alguém sabidamente pedófilo que professava crer em Jesus morreu prematuramente. Mas já existem movimentos nos Estados Unidos e Europa visando aprovar a pedofilia e pode apostar que haverá um tempo quando isso será recebido com naturalidade pela sociedade, como já é hoje pecado como a homossexualidade.
Afinal, a tendência é que o mundo volte ao estado moral do Império Romano de há dois mil anos, quando um rico pai de família podia ter escravos meninos e meninas ao seu dispor. Em Roma isso era aceito com naturalidade, como também a prostituição e outras práticas. Algumas casas que tiveram seus afrescos no interior preservados pelas cinzas em Pompeia e Herculano não ficam abertas à visitação dos turistas porque a decoração é pornográfica demais até mesmo para os padrões modernos.
Não existe uma condição mais triste para um cristão quando o pecado já não lhe traz nojo e aversão. Costumamos ter mil explicações para nós mesmos da razão de praticarmos algo contrário à Palavra de Deus e no final nossa consciência acaba cauterizada e já nem ligamos para aquilo. A igreja em Corinto estava tão soberba e ocupada com seus dons que os irmãos ali nem ligavam para pecados graves praticados em seu meio. Além de instruir os corintos a excomungarem o tal (expulsando-o da comunhão dos santos), avisando que com tal pessoa eles não deveriam sequer comer, o apóstolo sentenciou:
“Geralmente se ouve que há entre vós fornicação, e fornicação tal, que nem ainda entre os gentios se nomeia, como é haver quem abuse da mulher de seu pai. Estais ensoberbecidos, e nem ao menos vos entristecestes por não ter sido dentre vós tirado quem cometeu tal ação. Eu, na verdade, ainda que ausente no corpo, mas presente no espírito, já determinei, como se estivesse presente, que o que tal ato praticou, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, juntos vós e o meu espírito, pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo, seja entregue a Satanás para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus” (1Co 5:1-5).
Provavelmente a inércia dos coríntios em julgar o pecado em seu meio obrigava Deus a agir com rigor disciplinatório, permitindo a doença e morte de alguns ali. “Por causa disto há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem [o verbo “dormir” é usado para crentes que morreram]. Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo” (1 Co 11:30-31).
Pode parecer falta de amor não orar por alguém, mas se você perguntasse à sua amiga, “Posso orar por você para abandonar essa prática?”, o que você acha que ela responderia? Um viciado em drogas ou bebida talvez dissesse que sim, pois quer sair da escravidão em que se meteu por serem evidentes demais as consequências nefastas que traz no corpo. Mas essa pessoa dirá que não, pois ela até curte seu pecado e encontrou uma “igreja” de pessoas como ela, onde se sente incluída. Ela vai odiar você se souber que está orando para ela abandonar seu pecado, do mesmo modo como odeia ou se faz de cega para as passagens da Bíblia que condenam sua prática.
O ator Ian Mckellen, que protagonizou o Mago Gandalf em Senhor dos Anéis, não professa ser cristão, mas contou numa entrevista que costuma arrancar páginas das Bíblias que encontra no criado mudo dos hotéis onde fica hospedado, tamanha a sua aversão pelas ordens de Deus contra a prática homossexual. Quando soube disso, um casal amigo dele enviou de presente quarenta páginas arrancadas de Bíblias de hotéis para ele colocar em um gancho no banheiro insinuando que as utiliza como papel higiênico. Antes que você pergunte que páginas ele arranca, aqui vão dois exemplos:
“Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; abominação é” (Lv 18:22).
“Por isso Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza. E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro” (Rm 1:26-27).
É preciso lembrar que a passagem de 1 João 5:16, que fala para não orar por alguém que está cometendo pecado para morte, está falando de morte física, e não de perdição eterna. Como eu disse, Deus deixa que o incrédulo viva normalmente em seu pecado, mas quando se trata de um filho seu Deus pode até mesmo tirar sua vida, já que só atrapalha o testemunho neste mundo. Deus faz isso em disciplina “para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus”(1Co 5:5).
William Kelly comenta a passagem assim:
“Teria sido um erro de discernimento da vontade do Senhor orar para que um irmão tivesse sua vida prolongada, depois de ele ter pecado tanto que o Senhor quer que ele morra como forma de castigo. O mundo, que não faz outra coisa além de pecar e recusar o Salvador, está reservado para aquela terrível segunda morte, que é o juízo eterno. Misturar isso com estes versículos nada mais é que confusão quanto à sua compreensão espiritual” - W. Kelly.
Este comentário de John Nelson Darby sobre a passagem de 1 João 5:16 pode ajudar a identificar o que é um “pecado para morte”:
“Toda iniquidade é pecado e existe pecado que é para morte. Não me parece um tipo de pecado em particular, mas todo pecado que tem um caráter tal que, ao invés de despertar o amor cristão, gera indignação. Assim foi com Ananias e Safira que cometeram um pecado para morte. Foi uma mentira, mas uma mentira sob circunstâncias tais que despertou o horror ao invés da compaixão. Podemos facilmente entender outros casos em que isso ocorre” J. N. Darby.