Como fazer uma campanha ou propósito para com Deus?
Expressões como “campanha”, “propósito”, “promessa”, “empenho”, etc., são jargões populares no mundo evangélico pentecostal. Pelo que entendi é algo como empenhar-se em fazer algo para Deus, mesmo sem parecer uma barganha para ganhar algo em troca, o que geralmente acaba sendo a mesma coisa no final. No mundo dos pregadores neopentecostais onde esses termos são muito utilizados é tudo na base do toma-lá-dá- cá e Deus não passa de um talismã para dar sorte.
Talvez você alegue que na Bíblia temos exemplos de pessoas fazendo um propósito para com Deus. Sim, você encontra, por exemplo, Davi fazendo um propósito: “E disse Davi a Salomão: Filho meu, quanto a mim, tive em meu coração o propósitode edificar uma casa ao nome do Senhor meu Deus. Porém, veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Tu derramaste sangue em abundância, e fizeste grandes guerras; não edificarás casa ao meu nome; porquanto muito sangue tens derramado na terra, perante mim” (1Cr 22:7-8).
Logo você irá perceber que fazer um propósito não é o mesmo que estar em sintonia com a vontade de Deus, e Davi pelo jeito não estava, pois Deus não tinha o mesmo propósito para com Davi, e sim para com Salomão, seu filho.
Eclesiastes 3 nos fala de “_propósito”_como objetivo, e aí não necessariamente do crente, mas de todas as coisas desta vida. Lembre-se de que o livro de Eclesiastes é uma espécie de “confissão” de Salomão e mais voltado para o homem natural que vive observando as coisas “debaixo do sol”, expressão repetida várias vezes ao longo do livro para mostrar que está falando das coisas da terra e desta vida. Não é um livro que fale das coisas acima do sol, ou seja, celestiais.
Jeremias fala seis vezes de propósito, porém como o desejo de seguir o próprio coração em oposição à vontade de Deus, que era a condição do povo judeu de sua época (e não mudou desde então): “Não ouviram, nem inclinaram os seus ouvidos, antes andaram cada um conforme o propósito do seu coração malvado”(Jr 11:8).
Nos evangelhos, em Atos e nas epístolas voltei a encontrar “_propósito”,_mas sempre com o significado de objetivo, tanto de Deus quanto do crente em sua vida prática. Então entendo que propósito, para um crente, é ter uma meta de agradar seu Senhor. Nada a ver com promessa, voto ou barganha que tente colocar a Deus na parede com promessas do tipo: “Se o Senhor fizer isso, eu prometo fazer aquilo”, ou “Vou fazer isso para deixar o Senhor constrangido a atender meus caprichos”, ou, como os pregadores estelionatários prometem, quanto mais dinheiro você der, mais Deus irá abençoar. Como se Deus, que criou o Universo e é dono da prata e do ouro precisasse de nosso dinheiro! “Minha é a prata, e meu é o ouro, disse o Senhor dos Exércitos”(Ag 2:8).
Talvez você retruque citando diferentes votos ou “propósitos” feitos na Bíblia com um objetivo definido de se receber algo em troca. É preciso entender que o voto ou promessa era uma prática do Antigo Testamento. Em Atos dos Apóstolos Paulo faz votos, inclusive querendo parecer estar no judaísmo, algo que não estava correto para alguém que já conhecia a graça de Deus. Devemos nos lembrar que quando lemos “Atos dos Apóstolos” estamos lendo sobre o que os apóstolos fizeram, seus atos, os quais nem sempre encontravam respaldo na vontade de Deus.
Quanto ao voto de Jacó, se prestar atenção verá que Deus não lhe pediu que fizesse voto algum. Deus queria agir em graça (favor imerecido) e Jacó foi inventar o voto porque ele mesmo só fazia as coisas na forma de barganha. Era um homem cheio de truques e estratagemas. Veja o que Deus prometia de forma incondicional:
“Eu sou o Senhor Deus de Abraão teu pai, e o Deus de Isaque; esta terra, em que estás deitado, darei a ti e à tua descendência; e a tua descendência será como o pó da terra, e estender-se-á ao ocidente, e ao oriente, e ao norte, e ao sul, e em ti e na tua descendência serão benditas todas as famílias da terra. E eis que estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei tornar a esta terra; porque não te deixarei, até que haja cumprido o que te tenho falado” (Gn 28:14-15).
O que Jacó precisava fazer para receber isso? O que Deus disse que queria dele para, em troca, multiplicar sua descendência como o pó da terra, estar sempre com Jacó, guardá-lo por onde quer que fosse, fazê-lo voltar à terra, etc.? Nada. Absolutamente nada! Tudo aquilo Deus daria porque queria dar. No entanto, Jacó responde à graça de Deus incluindo uma condição, um “SE” na história...
“E Jacó fez um voto, dizendo: SEDeus for comigo, e [SE]me guardar nesta viagem que faço, e [SE]me der pão para comer, e vestes para vestir; e [SE]eu em paz tornar à casa de meu pai o Senhor me será por Deus. E esta pedra que tenho posto por coluna será casa de Deus; e de tudo quanto me deres, certamente [eu]te darei o dízimo” (Gn 28:20-22).
Portanto, esqueça essa ideia de fazer votos ou propósitos na tentativa de merecer de Deus algo em troca, e confie na graça de Deus. Não há nada que possamos dar a ele que ele já não tenha. Ore, suplique, peça quando precisar de algo, mas não queira fazer barganha. Deus é um Deus de graça, um Deus que ouve orações, que sabe muito bem o que é melhor para nós e saberá fazer as coisas à maneira dele no momento certo.
Se você um dia creu em Jesus como seu Salvador e confessou a ele como seu Senhor, não consigo imaginar um propósito maior que esse. Se quer mesmo um propósito para o resto de sua vida aqui, experimente este:
“Portanto, ofereçamos sempre por ele a Deus sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o seu nome. E não vos esqueçais da beneficência e comunicação, porque com tais sacrifícios Deus se agrada... Dá-me, filho meu, o teu coração” (Hb 13:15-16; Pv 23:26).
Veja que “fruto” nos fala de consequência, portanto nem pensar em fazer algo para obrigar Deus a agir em seu favor. Orar é correto, barganhar não é. Deixe sua esposa descobrir que aquelas flores que você deu a ela tinham segundas intenções e você irá entender a que estou me referindo.
Talvez você reclame porque não falei nada sobre as conhecidas “campanhas” promovidas pelos estelionatários da fé, mas acho que basta um pouco de inteligência e bom senso para perceber aonde eles querem chegar quando fazem campanha de sabonete, sal grosso, azeite e oliva. Existem na Web até sites que vendem “sabonetes de campanha” por 35 reais a unidade. Considerando que o mesmo sabonete custa no supermercado menos de dois reais já dá para perceber que fazer “campanha” é um excelente negócio e não fica nada a dever ao comércio de itens de superstição de Aparecida do Norte.
Mas veja que o sabonete para campanha é um item dos mais baratos. Existem também a “Lâmpada para Virgem Prudente”, “Perfume de Israel”, “Óleo para Unção do Jejum de Daniel”, “Chave da Casa Própria”, “Panela de Eliseu”, etc. Sério que você obedece ao pregador que induz você a comprar essas bugigangas? Se quer mesmo ajudá-lo é melhor pagar um tratamento contra anemia para alguém assim, pois ele deve estar com problema de saúde. Se não fica vermelho de vergonha quando diz para você fazer essas campanhas deve estar com uma grave deficiência de glóbulos vermelhos.
O Deus que encontro na Bíblia não é o mesmo que esses pregadores de curas e prosperidade adoram. Está mais para Mamon, cujos adoradores já surgiam no início da Igreja e contra os quais Paulo escreveu alertando os cristãos de seu tempo de que esses homens eram “inimigos da cruz de Cristo, cujo fim é a perdição; cujo Deus é o ventre, e cuja glória é para confusão deles, que só pensam nas coisas terrenas”(Fp 3:18-19).
A descrição mais exata para pessoas que enganam incautos com essas “campanhas” é mostrada na passagem a seguir na epístola de Judas:
“Ai deles! porque entraram pelo caminho de Caim, e foram levados pelo engano do prêmio de Balaão, e pereceram na contradição de Coré. Estes são manchas em vossas festas de amor, banqueteando-se convosco, e apascentando-se a si mesmos sem temor; são nuvens sem água, levadas pelos ventos de uma para outra parte; são como árvores murchas, infrutíferas, duas vezes mortas, desarraigadas; ondas impetuosas do mar, que escumam as suas mesmas abominações; estrelas errantes, para os quais está eternamente reservada a negrura das trevas. E destes profetizou também Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que é vindo o Senhor com milhares de seus santos; para fazer juízo contra todos e condenar dentre eles todos os ímpios, por todas as suas obras de impiedade, que impiamente cometeram, e por todas as duras palavras que ímpios pecadores disseram contra ele. Estes são murmuradores, queixosos da sua sorte, andando segundo as suas concupiscências, e cuja boca diz coisas mui arrogantes, admirando as pessoas por causa do interesse. Mas vós, amados, lembrai-vos das palavras que vos foram preditas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo; os quais vos diziam que nos últimos tempos haveria escarnecedores que andariam segundo as suas ímpias concupiscências. Estes são os que causam divisões, sensuais, que não têm o Espírito. Mas vós, amados, edificando-vos a vós mesmos sobre a vossa santíssima fé, orando no Espírito Santo, conservai-vos a vós mesmos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo para a vida eterna” (Jd 1:11-21).