Os refugiados islâmicos irão invadir o Brasil?
Você enviou a gravação de uma “denúncia” atribuída a um senador dizendo que o Brasil teria se comprometido com a ONU em receber um milhão de refugiados islâmicos em treze navios, e que isso teria“consequências devastadoras para os cristãos”. A mensagem vem seguida daquela famosa frase: “A imprensa brasileira está cooperando mantendo silêncio”. Este é um truque muito usado nos boatos que procuram criar clima de teoria conspiratória em tudo. Coisa do tipo “A NASA não quer que você veja este vídeo!” ou “A notícia que a Globo quer esconder!”. É só dizer que tem alguém querendo esconder e todo mundo vai querer ver. E os “treze navios”? Bem isso provavelmente foi para dizer que isso só vai nos trazer azar.
A “denúncia” é falsa e o próprio senador fez um vídeo desmentindo e afirmando que alguém imitou sua voz. Mas o mais triste de tudo é que os principais polinizadores de boatos assim são justamente cristãos sem noção, preocupados com uma suposta invasão. E daí se um milhão de muçulmanos vier morar no Brasil?
Isso só economizaria o trabalho de nós cristãos aprendermos árabe e corrermos riscos indo pregar em seus países. Não é justamente para testemunhar de Cristo que eu e você estamos no mundo? Deveríamos agradecer por uma entrega a domicílio de uma multidão de incrédulos necessitados de salvação. Faz lembrar o dia em que meu pai pediu no balcão do açougue uma determinada carne e lá do fundo o dono gritou para o balconista em tom de bronca: “Ô, Zé! CALMA AÍ, CARA! SE VOCÊ CONTINUAR VENDENDO ESSA CARNE VAI ACABAR!”. Ué, açougue não é para vender carne?
Talvez seja melhor avisar os muçulmanos para que venham armados, porque aqui tem muito bandido, dos mais altos até os mais baixos níveis da sociedade. Antes que você ache minha fala discriminatória, os mais baixos a que me refiro são, obviamente, os que usam gravata e desviam milhões com a corrupção, lavagem de dinheiro e “crimes do colarinho branco”. Mas há também os crimes de morte. No período de 2011 a 2015, o país matou mais pessoas que a Síria: foram 278.839 brasileiros mortos pela violência, número ainda maior que os 256.124 mortos pela guerra. Então é melhor que os muçulmanos, homens e mulheres, esqueçam o turbante e a burca, pois vão precisar usar os olhos da nuca quando andarem pelas ruas das grandes cidades brasileiras.
Se você for alguém para quem o Brasil é a única pátria que possui, aí sim é normal que fique preocupado. Qualquer privilégio que tenha aqui irá se acabar quando tiver de se encontrar com Deus para receber a condenação no fogo eterno por seus pecados. E será aterrorizante se as últimas palavras que você ouvir neste mundo forem “Allahu akbar!!!” antes de um “BUM!”. Mas se for um cristão e sabedor de que seus pecados já foram pagos por Cristo, e que está aqui como estrangeiro porque sua pátria é celestial, está reclamando de quê? Da possibilidade de se encontrar prematuramente com seu Salvador? Acho até que poderíamos classificar cristãos em três categorias: os cidadãos, que estão aferrados a este mundo do qual não querem abrir mão; os turistas, que vivem aqui a passeio sem nenhuma responsabilidade em testemunhar de Cristo, e os estrangeiros, de malas prontas para partir a qualquer momento, que é o verdadeiro caráter do cristão neste mundo.
“Ah!”, dirá você, “Mas entre os muçulmanos poderiam existir terroristas vindos aqui para praticar atentados!”. Sério? E os portugueses, vieram fazer o que aqui quando desembarcaram em seus navios? Turismo? Assistir ao desfile das escolas de samba? Eles vieram invadir a terra, roubar suas riquezas e massacrar os brasileiros nativos que tentassem resistir. Mais tarde acabariam trazendo Portugal inteiro para cá, e quando
Napoleão chegou na península ibérica para invadir a nação lusitana encontrou uma placa: “MUDOU-SE”. E os franceses, holandeses, ingleses, eslavos? — sim, os vikings chegaram antes e talvez até os chineses. Seriam eles passageiros de algum cruzeiro para conhecer o patropi? Certamente não.
Obviamente ninguém é inocente de achar que os brasileiros nativos receberam os invasores europeus de braços abertos. Alguns logo incluíram suas carnes importadas no cardápio, mas o poder de fogo — se é que podemos chamar flecha de fogo — dos nativos era infinitamente inferior ao dos europeus com seus canhões e trabucos movidos a pólvora. As estimativas da população indígena nas Américas antes do contato com os invasores variam de sessenta milhões a cento e doze milhões de nativos (Wikipedia). No Brasil estimativas conservadoras falam em cinco milhões. Segundo a FUNAI, hoje são 460 mil.
Quem conhece a história do Brasil sabe que não foram dizimados apenas por doenças desconhecidas por aqui, como a gripe e o sarampo, mas também foram sumariamente assassinados. Desde garoto eu sempre gostei de arte, e um dos quadros que via no “Tesouro da Juventude” que me impressionava foi “O Último Tamoio” (1883), de Rodolfo Amoedo. Na pintura o índio morto na praia pode muito bem servir de antítese à figura do garoto sírio que figurou nas páginas dos jornais. Numa é o brasileiro morto em sua própria praia assistido por um jesuíta; na outra, o invasor islâmico na praia invadida é observado por um policial.
Os confrontos de portugueses e espanhóis empenhados em dizimar os brasileiros ficaram conhecidos por “Guerras Guaraníticas”, e só na Batalha de Caiboaté morreram até mil e quinhentos nativos. Nos rios da Amazônia, muito tempo depois da chegada dos portugueses, os invasores em busca de terras indígenas costumavam atirar de seus barcos em qualquer índio que aparecesse nas margens. Sim, havia caça a índios em todas as Américas. E não foram poucas as mulheres índias violentadas e depois serradas ao meio para aterrorizar os índios e impedir que atacassem as fazendas. Não foram os radicais islâmicos que inventaram o terrorismo; os radicais europeus já tinham essa prática, talvez aprendida com os radicais da Inquisição.
Portanto, não é com os muçulmanos que você deve se preocupar, mas com o ser humano de um modo geral, a mesma raça adâmica da qual eu e você viemos. Ou será que você é dos que acreditam que o Brasil é um país cristão e os muçulmanos vindo aqui poderiam nos converter à força ao Islã? Se você é realmente um convertido a Cristo será mais fácil sua cabeça rolar ao fio da cimitarra do que negar seu Salvador. Mas talvez a preocupação mesmo seja de que os muçulmanos possam estragar nossa vida boa e a “santidade” de nosso Carnaval. A Europa é um continente dito “cristão”, mas lá hoje você pode ir a um show de música pop numa capela medieval, porque os templos cristãos ficaram tão vazios que alguns são alugados para eventos. Pergunte a algum europeu na rua de uma grande cidade se ele acredita na existência de Deus.
O Brasil é um país “cristianizado”, mas não um país cristão, mesmo porque não existem países cristãos, mas pessoas cristãs. Se o Brasil fosse um país de população predominantemente cristã no verdadeiro sentido da palavra, aqueles que professam ser cristãos — católicos e protestantes — não ficariam com o pelo do pescoço arrepiado só de pensar em estrangeiros desembarcando aqui. Como eu já disse, não seriam os primeiros, porque muitos já desembarcaram nos últimos quinhentos anos, como meus avós e provavelmente os seus também. Mas como nós, cristãos, devemos reagir a esses que querem invadir a nossa praia? Ganha um doce se descobrir quem disse estas palavras: “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me”(Mt 25:35).
Uma das qualidades que Deus procura no seu povo é hospitalidade. Foi assim no Antigo Testamento quando três estranhos apareceram à porta da tenda de Abrão e ele prontamente correu para preparar-lhes uma refeição:
“E levantou os seus olhos, e olhou, e eis três homens em pé junto a ele. E vendo-os, correu da porta da tenda ao seu encontro e inclinou-se à terra, e disse: Meu Senhor, se agora tenho achado graça aos teus olhos, rogo-te que não passes de teu servo. Que se traga já um pouco de água, e lavai os vossos pés, e recostai-vos debaixo desta árvore; e trarei um bocado de pão, para que esforceis o vosso coração; depois passareis adiante, porquanto por isso chegastes até vosso servo. E disseram: Assim faze como disseste. E Abraão apressou-se em ir ter com Sara à tenda, e disse-lhe: Amassa depressa três medidas de flor de farinha, e faze bolos. E correu Abraão às vacas, e tomou uma vitela tenra e boa, e deu-a ao moço, que se apressou em prepará-la. E tomou manteiga e leite, e a vitela que tinha preparado, e pós tudo diante deles, e ele estava em pé junto a eles debaixo da árvore; e comeram” (Gn 18:2-8). Provavelmente esta passagem de Hebreus se refira a situações como essa: “Não vos esqueçais da hospitalidade, porque por ela alguns, não o sabendo, hospedaram anjos” (Hb 13:2).
Enquanto isso, o sobrinho de Abrão, Ló, morava em Sodoma e chegou até a ocupar um posto de juiz à porta da cidade. Apesar de ele representar o crente carnal e mundano, Ló era temente a Deus e por este é chamado em 2 Pedro 2:7-8 de “justo Ló, enfadado da vida dissoluta dos homens abomináveis, porque este justo, habitando entre eles, afligia todos os dias a sua alma justa, vendo e ouvindo sobre as suas obras injustas”. Mesmo vivendo numa cidade que não era sua, ele também exerceu hospitalidade ao receber os dois anjos que tinham visitado Abrão pouco antes. “E vieram os dois anjos a Sodoma à tarde, e estava Ló assentado à porta de Sodoma; e vendo-os Ló, levantou-se ao seu encontro e inclinou-se com o rosto à terra; e disse: Eis agora, meus senhores, entrai, peço-vos, em casa de vosso servo, e passai nela a noite, e lavai os vossos pés; e de madrugada vos levantareis e ireis vosso caminho. E eles disseram: Não, antes na rua passaremos a noite. e porfiou com eles muito, e vieram com ele, e entraram em sua casa; e fez-lhes banquete, e cozeu bolos sem levedura, e comeram” (Gn 19:1-3).
Quando os sodomitas quiseram invadir a casa para abusar dos anjos que estavam ali em forma humana, Ló se prontificou a oferecer a eles suas filhas virgens, só para você ter uma ideia a que extremo chegava a hospitalidade entre o povo de Deus. Em 1 Samuel 25 você lê a história de como Davi e seus homens protegeram os servos do rico Nabal quando estavam no campo. Davi ali é um tipo de Cristo em seu desterro e rejeição, quando Davi precisou fugir de Saul. Depois de ter ajudado os servos de Nabal, Davi enviou mensageiros para pedir algum mantimento, e Nabal respondeu: “Tomaria eu, pois, o meu pão, e a minha água, e a carne das minhas reses que degolei para os meus tosquiadores, e o daria a homens que eu não sei donde vêm?”(1Sm 25:11). Indignado, Davi decidiu fazer justiça com as próprias mãos e matar Nabal, mas Abigail, a sábia esposa de Nabal, intercedeu junto a Davi enviando-lhe mantimentos e fazendo com que mudasse de ideia. Porém isso não evitou que Deus julgasse a Nabal por sua maldade e falta de hospitalidade: “E aconteceu que, passados quase dez dias, feriu o Senhor a Nabal, e este morreu”(1Sm 25:38).
Se buscar no Novo Testamento irá encontrar muitos exemplos de hospitalidade, o maior deles em Betânia, na casa de Lázaro, Marta e Maria, que costumeiramente hospedavam Jesus quando ele ia a Jerusalém. E mesmo com tantos exemplos assim, quando é que os cristãos vão entender que devem ser hospitaleiros, e principalmente que não são donos do Brasil ou do mundo? Há 500 anos um “senador indígena” deve ter feito a mesma denúncia, só que os que viriam em navios seriam portugueses. Iriam não apenas praticar terrorismo e matar brasileiros nativos, mas também obrigá-los à força a mudar de religião, roubar suas riquezas para levar para Portugal e, alguns séculos mais tarde, também para a Suíça e outros paraísos fiscais. O problema é que muitos cristãos não entenderam ainda que sua pátria não é o Brasil, mas o céu. Quem se agarra com as quatro mãos a uma cidadania aqui é porque não tem outra. É compreensível para quem é cidadão do mundo. Porém...
“Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós, me odiou a mim. Se vós fósseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia. Lembrai-vos da palavra que vos disse: Não é o servo maior do que o seu senhor. Se a mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós; se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa. O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui” (Jo 15:18-20; 18:36). Depois disso você, crente em Cristo, ainda irá querer pelejar por este mundo?
Agora vou contar algo a você: nós cristãos somos os verdadeiros terroristas que invadiram este planeta para tirar vidas humanas do mundo e destiná-las ao céu por meio da pregação do evangelho. A fé cristã perverte os valores do mundo criando alienados que não se encaixam na sociedade, e seu terrorismo é feito com “as armas da luz”(Rm 13:12), “armas da justiça”(2 Co 6:7), “porque, andando na carne, não militamos segundo a carne. Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus para destruição das fortalezas; destruindo os conselhos, e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo”(2Co 10:3-5). Somos os terroristas que o mundo mais teme, e se você anda conforme a Palavra de Deus já deve ter sentido isso.
Portanto, ao invés de colocar o rabo entre as pernas como um cão assustado diante de pessoas que adoram a Alá — algumas mais radicais portando rifles AK-47 e bombas amarradas ao corpo —,“fortalecei-vos no Senhor e na força do seu poder. Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo. Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais. Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, havendo feito tudo, ficar firmes. Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos lombos com a verdade, e vestida a couraça da justiça; e calçados os pés na preparação do evangelho da paz; tomando sobretudo o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do maligno. Tomai também o capacete da salvação, e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus; orando em todo o tempo com toda a oração e súplica no Espírito, e vigiando nisto com toda a perseverança e súplica por todos os santos” (Ef 6:10-19).
Afinal, quem foi que fez de você tamanho covarde ao ponto de duvidar das armas “poderosas em Deus para destruição das fortalezas” que estão ao eu dispor? Quem foi que tirou de você a confiança “na palavra de Deus [que] é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração. E não há criatura alguma encoberta diante dele; antes todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele com quem temos de tratar”? (Hb 4:12-13). Será o medo de perder seus bens? Ora, o homem mais rico do mundo é sepultado com a roupa do corpo.
Talvez seu medo esteja em perder a vida, e é natural temermos a dor da morte, mas a morte em si é uma serva do cristão, se você pensar como Paulo, que “o viver é Cristo, e o morrer é ganho”(Fp 1:21). A expectativa do cristão em vida é Cristo, e sua expectativa na morte é ver a face de Cristo, quando iremos exclamar, como fez o vacilante Tomé diante do Senhor ressuscitado: “Senhor meu e Deus meu!”. Agora pense em como é triste saber que milhões de muçulmanos vivem sem certeza alguma de vida eterna e tendo no máximo uma ilusória esperança de um paraíso de prazeres da carne. Se pudermos fazer algo por algum deles, ainda que tenham invadido nosso país, entraremos para o time de outros que testemunharam e levaram a salvação a invasores de sua pátria, como a serva a seu captor Naamã, Daniel aos da corte de Babilônia, e Pedro ao centurião romano.
“Assim que, sabendo o temor que se deve ao Senhor, persuadimos os homens [inclusive muçulmanos] à fé... E graças a Deus, que sempre nos faz triunfar em Cristo, e por meio de nós manifesta em todo o lugar a fragrância do seu conhecimento. Porque para Deus somos o bom perfume de Cristo, nos que se salvam e nos que se perdem. Para estes certamente cheiro de morte para morte; mas para aqueles, cheiro de vida para vida. E para estas coisas quem é idôneo? Porque nós não somos, como muitos, falsificadores da palavra de Deus, antes falamos de Cristo com sinceridade, como de Deus na presença de Deus (2Co 5:11; 2:14-17).