Quem é quem nas parábolas?
Fico contente que esteja gostando do Evangelho em 3 minutos. Para entendermos verdadeiramente a graça de Deus e a salvação que recebemos por graça, devemos testar sempre qualquer ideia com a seguinte pergunta: “Isso acontece por mérito de quem, meu ou de Cristo?” ou “Quem é glorificado por isso, eu ou Cristo?”. Aí fica muito fácil saber se estamos interpretando corretamente a Palavra de Deus.
Sua interpretação da parábola da pérola não passa nesse teste, pois se fizermos as perguntas acima a resposta apontará para nós como merecedores do crédito e da glória por termos conseguido algo. Creio que ao dizer “o reino dos céus é semelhante a...” ele esteja querendo colocar a ênfase no protagonista da parábola, isto é, naquele que irá executar algum tipo de ação, boa ou ruim.
Na parábola do joio e do trigo, o homem que semeia é o próprio Jesus e o campo é o mundo, onde há joio e trigo, que são pessoas. A parábola diz que “o reino dos céus é semelhante ao homem que semeia”, portanto Jesus é o princípio ativo na parábola e sua ação é positiva (ele semeia).
Na parábola do grão de mostarda é dito que “o reino dos céus é semelhante ao grão de mostarda que o homem, pegando nele, semeou em seu campo”. Aqui, ao dizer que o reino é semelhante ao grão de mostarda a ênfase é colocada no grão de mostarda que representa o conjunto de pessoas que professam crer em Cristo, falsas e verdadeiras. O princípio ativo, ou protagonista, é o grão de mostarda, pois é ele que irá crescer e se tornar uma árvore corrompida, na qual há todo tipo de ave aninhada em seus ramos. Lembre-se de que as aves que roubam a semente na parábola do semeador representam o diabo.
Em seguida vem a parábola na qual “o reino dos céus é semelhante ao fermento”. Sabemos que em todas as instâncias encontradas na Bíblia o fermento sempre aparece como algo negativo e uma figura do pecado que contamina. Ao dizer que o reino é semelhante ao fermento, o Senhor está chamando a atenção para o fermento, que é o que irá causar a principal ação mostrada na parábola, ou seja, ele é o protagonista da contaminação que irá assolar o reino, que é dos céus em sua origem, mas que está na terra e contaminado em seu aspecto exterior.
Na parábola seguinte “o reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo”. Aqui, embora o foco esteja no tesouro, este não faz coisa alguma. Para entendermos é preciso recorrer ao “campo”, que em outra parábola o Senhor já disse que é o mundo. Existe só um que, “sendo rico, se fez pobre” para adquirir para si um tesouro, um povo santo, uma noiva. Como faz Jesus com sua obra, ele não fica dono apenas do tesouro, mas do campo inteiro. Seria estranho inverter isso, como fazem alguns, e considerar que o tesouro é Jesus e que somos nós que vendemos tudo para ficar com ele, pois aí a salvação seria por obra nossa e estaríamos dizendo que Jesus não tem sua origem no céu, mas no mundo.
Na parábola seguinte “o reino dos céus é semelhante ao homem”, e agora o foco é colocado nesse homem que encontra uma pérola e vende tudo para comprá-la. Alegar que a pérola é Jesus e que nós vendemos tudo para tê-lo é negar a graça de Deus. Primeiro, nada tínhamos para dar a Deus em troca de Cristo. Segundo, se assim fosse, a glória seria nossa de termos adquirido a Cristo. O inverso sim é que faz todo o sentido. Ele, sendo rico, se fez pobre para comprar a pérola, que é o conjunto formado por todos os salvos. Uma pérola não tem fim e nem começo e é perfeita. Outra forma de enxergarmos essas duas parábolas é vermos o tesouro como Israel redimido e a pérola como a Igreja redimida.
Agora “o reino dos céus é semelhante a uma rede lançada no mar”, o que coloca o foco na rede, porque a ideia aqui é de separação, algo que a rede faz. Não se trata do Senhor vindo buscar a Igreja no arrebatamento, algo que ele fará pessoalmente, mas sim dos anjos separando maus e justos, o que nos remete à inauguração do reino milenial de Cristo, no final da grande tribulação. Este trabalho dos anjos é feito entre os vivos que restaram da grande tribulação. A rede é lançada no mar, que representa as nações.
Sua interpretação de que “a pérola é o próprio reino e tudo o que ele representa para nós, como salvação, paz, amor de Deus, vida eterna” não passa no teste da harmonia com as outras parábolas, porque a mesma expressão “o reino dos céus é semelhante a...” foi usada para o próprio Senhor (o Semeador), o grão de mostarda, o fermento, o tesouro e novamente o homem (na parábola das pérolas). Todos esses são aspectos bons e ruins do reino dos céus, examinados de diferentes ângulos.
Um bom exemplo de como entender esse conjunto é pensar naquela lenda dos cegos descrevendo um elefante: um, que tocou a barriga, disse que o elefante era como um grande navio; outro, que tocou a tromba, que era como uma serpente; outro, que tocou a perna, disse que era como uma árvore, outro que tocou a cauda, disse que um elefante não passava de um pincel.
Você diz ainda que “quando achamos o reino de Deus deixamos tudo, largamos o pecado, os vícios, a vida errada e em alguns casos até vendemos algo literalmente para tomar posse deste Reino”. Eu pergunto: com essas coisas você conseguiria comprar um tesouro ou uma pérola? Não. Elas são apenas o lixo resultante do pecado em nós, e não podemos nem pensar em negociar um lugar no Reino em troca de lixo. (Rm 7:18) “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum”.
E mesmo que fossem coisas preciosas que tivéssemos, você acha que iríamos querer entregar tudo para ficar com um inimigo? Sim, pois em Romanos diz que somos inimigos de Deus. A ideia de fazermos algo para sermos salvos (ou ganhar o Reino) está ligada à ideia da salvação por boas obras (no caso, o limpar-se a si mesmo). Não há como nos limparmos a nós mesmos. Ninguém encontra a Cristo por deixar de praticar o mal, mas deixamos de praticar o mal depois de termos sido salvos por ele (ou ao menos temos o poder para tanto). É falsa a ideia de que para se converter é preciso deixar nossos pecados. É como se o salva vidas dissesse a alguém que está se afogando: “Quer ser salvo? Então pare de se afogar e nade até mim”.
Lembre-se de que a Bíblia não é a nosso respeito, mas ela sempre fala de Jesus. Se alguém fez alguma coisa de bom nela, esse alguém é sempre ele. Se alguém deu tudo o que tinha de valor para nos comprar, foi ele e só ele. É por isso que no céu os redimidos não cantam em louvor de si mesmos, por supostamente terem deixado isso ou aquilo para ganhar a Cristo, mas em louvor do Cordeiro que deu sua vida para nos salvar.
A ideia de inverter as coisas parece bastante altruísta e romântica, só que acaba levando a salvação para o terreno da lei e dando ao homem algum crédito por ela, o que é contrário a todo o ensino do evangelho.
Você citou o jovem rico, mas ali o Senhor disse aquilo ao jovem rico porque aquele era o seu problema, o seu coração estava na sua riqueza. Alguns têm o coração na justiça própria, como era o caso de Paulo, e o Senhor precisou dizer a ele para considerar toda a sua bagagem religiosa, cultural e intelectual como esterco.
Acaso você vendeu “tudo o que tens” e deu o dinheiro aos pobres para seguir a Jesus? Ele pediu isso de você? Se Jesus é o tesouro escondido, por que você compraria o campo que é o mundo para tê-lo? O negociante buscava pela pérola; acaso você alguma vez buscou a Cristo sabendo que “não há quem busque a Deus”? E vendeu tudo para ter a Cristo?
Como pode ver, essa interpretação fica devendo muitas respostas. Por que não acatar simplesmente que o ÚNICO que realmente vendeu tudo para comprar com o seu sangue a pérola foi Jesus? Por que não reconhecer que, embora fossemos inimigos de Deus, Jesus nos buscou insistentemente até nos encontrar, tal qual o homem que buscava a pérola? Afinal, só existe um que tem agora direito sobre o mundo, o campo e o tesouro que ele encontrou ali, graças ao preço pago na cruz.
Se formos nós que buscamos a Cristo e vendemos tudo para tê-lo, palmas para nós.
Se for Cristo quem nos buscou e, sendo rico, se fez pobre por amor de nós, nos comprando com seu precioso sangue, palmas para ele.
Percebe as consequências de colocarmos o holofote sobre a pessoa errada?