Devemos rasgar o Antigo Testamento?

Não seja tão radical na interpretação do que escrevi. Será que não consegui me expressar? Eu não disse para rasgar o Antigo Testamento. O que eu disse foi que adorar em verdade no Antigo Testamento significava adotar todas aquelas coisas que Deus tinha estabelecido para o culto judaico. Todavia, a adoração da igreja não é uma adoração judaica, portanto não encontramos esses elementos (templo, sacerdotes, vestes especiais, coros profissionais, incensos, etc.) na doutrina dos apóstolos (que estão nas cartas). Lá encontramos apenas a adoração expressa na ceia do Senhor e em cânticos, orações e ações de graças.

Acrescentar elementos do Antigo Testamento na adoração da igreja é uma prática que nada tem a ver com a verdade da adoração da igreja. Ao fazer isso o cristão pode estar adorando em espírito (e ele tem o Espírito Santo em si), mas não está adorando em verdade segundo a doutrina dos apóstolos. Trata-se de um culto construído com os elementos que ele achou melhor usar, como fizeram os samaritanos em seu culto judaico distorcido.

Devemos sempre perguntar: Onde e como Deus quer que o cristão adore. A resposta está nas epístolas, e em nenhum outro lugar. Qualquer acréscimo será invenção humana, portanto fora da verdade que é a Palavra de Deus. A ideia de que usar elementos do Antigo Testamento também estaria correto por se tratar da Palavra de Deus abre as portas para uma porção de erros como vemos na cristandade. A adoração cristã é “fora do arraial” (Hb 13), ou seja, longe do sistema que havia sido estabelecido para Israel. É preciso distinguir bem as diferentes partes da Palavra de Deus e como devem ser aplicadas nas diferentes épocas:

(2Tm 2:15) “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem (divide bem, sabe usar bem) a palavra da verdade”.

Você não gostou de minha resposta, pois achou que eu tinha dito que na adoração cristã não existe lugar para cânticos. Eu não disse isso. Na adoração cristã encontramos os cânticos sim.

(Ef 5:19) “Falando entre vós em salmos, e hinos, e cânticos espirituais; cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração;”.

(Cl 3:16) “A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando ao Senhor com graça em vosso coração”.

Portanto, cantar hinos e louvores a Deus faz parte da adoração cristã. O que não faz parte é existirem cantores e músicos profissionais para isso, algo que fazia sentido no Antigo Testamento quando as pessoas não tinham o Espírito Santo habitando nelas. Então a adoração era exterior, havia os levitas, os cantores, os instrumentos musicais, as roupas especiais, etc.

Os cristãos devem cantar “salmos e hinos e cânticos espirituais, cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração”... “com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando ao Senhor com graça em vosso coração”, como dizem os versículos acima. O problema todo acontece quando tomamos o que vemos ao redor como verdade e a partir daí buscamos na Bíblia aquilo que esteja de acordo com o que vemos na cristandade hoje. As práticas dos cristãos não são o exemplo que devemos seguir ou a régua pela qual devemos medir as Escrituras, mas exatamente o inverso.

O Antigo Testamento são sombras das coisas que haviam de vir (Cl 2:17), mas agora temos a realidade de Cristo no meio de nós e do Espírito Santo habitando na igreja, coletivamente, e no crente, individualmente. A adoração, obviamente, não é a mesma dos israelitas. Na adoração cristã não existe lugar para altares, incenso, animais sacrificados, templo, etc.

Mesmo quando utiliza algum Salmo, o cristão deve ter sabedoria para entender que muitos Salmos foram feitos para o povo terreno de Deus, Israel, para o qual as bênçãos prometidas eram terrenas e ao qual Deus disse que destruísse seus inimigos de carne e ossos. Portanto podia fazer sentido para um israelita pedir a Deus pela destruição de seus inimigos e louvar a Deus por isso, mas isso não faz qualquer sentido para um cristão hoje, cuja esperança está no céu e que vive no espírito de Cristo, Aquele que não veio aqui para matar e destruir, mas para salvar.

Esse contraste entre os modos de agir do Antigo e do Novo Testamento fica claro no modo dos discípulos (judeus) encararem as coisas segundo o exemplo que encontravam no Antigo Testamento, e como o Senhor os repreende mostrando que havia agora uma nova ordem de coisas:

(Lc 9:54-56) “E os seus discípulos, Tiago e João, vendo isto, disseram: Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma, como Elias também fez? Voltando-se, porém, repreendeu-os, e disse: Vós não sabeis de que espírito sois. Porque o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las. E foram para outra aldeia”.

Fazer descer fogo do céu podia fazer sentido nos tempos de Elias, mas não agora. Do mesmo modo, nenhum cristão iria hoje, de sã consciência, cantar um Salmo como o 109:

“Fiquem órfãos os seus filhos, e viúva a sua mulher! Sejam poucos os seus dias, e outro tome o seu ofício! Fiquem órfãos os seus filhos, e viúva a sua mulher! Andem errantes os seus filhos, e mendiguem; esmolem longe das suas habitações assoladas. O credor lance mão de tudo quanto ele tenha, e despojem-no os estranhos do fruto do seu trabalho! Não haja ninguém que se compadeça dele, nem haja quem tenha pena dos seus órfãos!”

O fato de o Salmo estar na Bíblia, que é a Palavra de Deus, não significa que possa ser aplicado em todas as épocas e situações. Não pode. Dá para perceber claramente o quanto essa coleção de maldições está longe da dispensação atual da graça de Deus e do modo como o Senhor nos ensinou a tratar nossos inimigos. A não compreensão do Antigo Testamento como uma maneira particular de Deus tratar com o mundo e com o seu povo terreno, Israel, durante um determinado período de tempo, é o que tem levado a muita confusão hoje, quando cristãos tentam misturar as coisas. Aí um grupo escolhe o que lhe convém do Antigo Testamento, outro escolhe outra parte e assim por diante.

Lembre-se que o cristão deve saber manejar bem ou dividir bem a Palavra para não cair nesses erros. Um bom texto para entender melhor isso é o livro “A Ordem de Deus”.