Artes marciais na igreja abrem brecha para o diabo?

Demorei um pouco para entender sua pergunta, que certamente refere-se ao que o mundo se acostumou a chamar “igreja”, e não à “igreja” que encontramos no Novo Testamento. Para que não tenha dúvidas, é bom lembrar que a igreja é simplesmente o conjunto dos salvos por Cristo. Em sua expressão local a igreja é formada por dois ou três reunidos ao nome de Jesus.

Neste sentido, porém, qualquer agrupamento informal de cristãos, como dois ou três que se encontram na rua para conversar, não é a igreja reunida.

Também um grupo de cristãos que se reúna de forma excludente, ou seja, que exija que as pessoas sejam algo mais do que apenas crentes em Cristo para estarem ali, não pode expressar a unidade do Corpo de Cristo e, por conseguinte, deixam de ser uma expressão ou representação desse Corpo, mesmo que aquelas pessoas sejam individualmente membros do Corpo de Cristo por terem sido salvas.

Para entender melhor esta segunda afirmação que fiz, imagine que uma empresa chamada “XYZ” coincida de ter em seu quadro apenas pessoas salvas por Jesus. Quando esses funcionários se reúnem, eles não estão reunidos como uma expressão ou representação do Corpo de Cristo que é a Igreja, mas sim como expressão ou representação da empresa “XYZ”. Quem passar na rua os vê reunidos não irá dizer: “Ali estão os cristãos reunidos”, mas “Ali estão os membros da XYZ reunidos”.

A confusão que levou à sua pergunta é que os cristãos deixaram a simplicidade que havia no princípio e passaram a criar suas próprias agremiações, dando a elas o nome de “Igreja Isso” e “Igreja Aquilo”. Basta ler o Novo Testamento para ver que isso nunca existiu.

Ao criar uma agremiação ou associação de pessoas, ainda que para fins religiosos, algumas outras coisas vão sendo acrescentadas, como imóveis, equipamentos e funcionários. Ao se afastarem da simplicidade da doutrina dos apóstolos, criam-se cargos como em uma empresa, como presidente, vice-presidente, diretor disso e diretor daquilo, e alguns desses cargos passam a ser remunerados de forma regular como em qualquer empresa. Tudo isso gera custo, e para cobrir os custos é preciso gerar receita.

Como a receita costuma vir dos membros dessas associações, o jeito é atrair mais membros, o que leva a organização a competir com as associações seculares, como clubes, por exemplo. Então essas chamadas “igrejas” constroem quadras esportivas, promovem campeonatos e até fazem associação com incrédulos na busca de patrocínios.

Promovem também shows e encontros musicais, e o espaço que antes era destinado à pregação do evangelho passa a ser palco de artistas contratados, e os membros da organização são transformados em plateia ou audiência. Aplausos, vaias, gritos, tietagem, fãs, autógrafos, tudo perfeitamente igual ao que é encontrado no mundo. O importante, claro, é gerar receita.

Provavelmente sua pergunta esteja dentro desse contexto, pois você deve ter visto alguma organização que se denomina “igreja” promovendo campeonatos ou exibições de artes marciais para atrair público. Independente de analisar se as artes marciais têm sua origem no paganismo, a questão toda gira em torno do afastamento da cristandade dos princípios básicos do Novo Testamento para criar organizações com o perfil e a competitividade de empresas.

Vamos ver o que está no projeto original: (Atos 2:42) “Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações”.

Essas eram as atividades da igreja e isso não mudou. Cada uma dessas atividades — ensino ou doutrina dos apóstolos e comunhão, partir do pão e orações — é detalhada depois nas epístolas ou cartas dos apóstolos. Repare que nem mesmo o evangelismo entra como uma atividade da igreja no sentido coletivo, porque se trata de uma responsabilidade exercida individualmente. A igreja se congrega para Deus, o evangelista se dedica a buscar os perdidos.

Alguns acham ainda que a igreja seja uma instituição social que deve corrigir as injustiças do mundo, alimentar os famintos, ingerir em questões políticas, etc. Nada disso você encontra na doutrina dos apóstolos. É claro que os cristãos devem fazer o bem, principalmente aos da família da fé, e isso pode incluir aqui e ali a criação de instituições cristãs como hospitais, creches, escolas, etc., dirigidas por cristãos e com um direcionamento cristão, mas isso não pode ser confundido com a Igreja, o Corpo de Cristo, cuja expressão local se congrega para Deus, para aprender da sua Palavra, lembrar a morte do Senhor na ceia e orar. O que sair disso pode ser qualquer coisa, menos uma atividade da igreja.