Qual a música certa para o louvor?
É difícil dizer qual a música correta para os cristãos louvarem a Deus quando estão congregados, pois a doutrina dos apóstolos encontrada nas epístolas não inclui partituras. Mas se entendermos um pouco a função da música na adoração e buscarmos a direção do Espírito Santo neste sentido, certamente poderemos nos precaver dos muitos erros cometidos hoje pela cristandade nesta área.
Acredito que seja Deus o criador, não apenas da música em sua essência, como também de nossa capacidade de compor, tocar, cantar e sermos tocados por ela. Em uma entrevista à Revista Época, o neurologista Oliver Sacks, autor de “Alucinações Musicais”, diz que o homem é o único ser “dotado de ritmo, capaz de responder à música com movimentos. É também o único a apresentar um cérebro adaptado para compreender complexas estruturas musicais e ainda se emocionar com elas”. Embora ele apresente seus argumentos do ponto de vista da teoria da evolução, é interessante ver que o senso de ritmo é algo inerentemente humano.
Os pássaros podem cantar, mas aquilo é, na verdade, sua forma de comunicar e não um canto propriamente dito. Eles não compõem. Papagaios podem cantar por imitação e condicionamento. Mas somente o ser humano, além dos anjos, é capaz de criar e executar música.
Porém parece que os anjos não fazem isso há muito tempo. Você encontra referências a uma época quando os anjos cantavam e até mesmo Satanás, tipificado por Ezequiel como o Rei de Tiro, é elogiado por seus dotes musicais:
(Jó 38:7) “Quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus jubilavam”.
(Ez 28:12-13) “Eras um selo de perfeição, cheio de sabedoria, de uma beleza acabada. Estavas no Éden, jardim de Deus... Tamborins e flautas, estavam a teu serviço, prontos desde o dia em que foste criado”.
Aparentemente a música deixou de ser uma atividade dos anjos depois de sua queda, pois não os vemos tocar ou cantar depois disso, talvez por não existir para eles a redenção como existe para nós Um anjo, uma vez caído, jamais será restaurado. Em Lucas 2 costuma-se imaginar um coral de anjos no céu cantando louvores e anunciando o nascimento de Jesus, mas uma leitura atenta revela que eles não estão “cantando” louvores, mas “dizendo” louvores:
(Lc 2:13-14) “E, no mesmo instante, apareceu com o anjo uma multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade para com os homens!”.
No céu só os humanos redimidos cantam, enquanto anjos e criaturas apenas falam:
(Ap 5:8-13) “E, havendo tomado o livro, os quatro animais e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo todos eles harpas e salvas de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos. E cantavam um novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos; porque foste morto, e com o teu sangue compraste para Deus homens de toda a tribo, e língua, e povo, e nação; E para o nosso Deus os fizeste reis e sacerdotes; e eles reinarão sobre a terra. E olhei, e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, e dos animais, e dos anciãos; e era o número deles milhões de milhões, e milhares de milhares, Que com grande voz diziam: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de graças. E ouvi toda a criatura que está no céu, e na terra, e debaixo da terra, e que está no mar, e a todas as coisas que neles há, dizer: Ao que está assentado sobre o trono, e ao Cordeiro, sejam dadas ações de graças, e honra, e glória, e poder para todo o sempre”.
Tudo isso faz sentido quando vemos que a primeira vez que um cântico aparece na Bíblia é justamente o cântico dos que libertados do Egito em Êxodo 15. “Então cantou Moisés e os filhos de Israel este cântico ao Senhor, e falaram, dizendo: Cantarei ao Senhor, porque gloriosamente triunfou; lançou no mar o cavalo e o seu cavaleiro. O Senhor é a minha força, e o meu cântico; ele me foi por salvação; este é o meu Deus, portanto lhe farei uma habitação; ele é o Deus de meu pai, por isso o exaltarei”.
Isso também nos ensina a origem (“o Senhor é... o meu cântico”) e o fim (“... Por isso O exaltarei”) do verdadeiro cântico de louvor: ele vem de Deus e é para Deus em razão do que Deus fez. Não há nada para o homem aí.
É claro que Deus também colocou em nós a apreciação pela música, por isso ela nos alegra, conforta, anima, etc. Porém é bom entender muito bem a diferença de quando cantamos para Deus e quando cantamos para nós mesmos. Neste segundo caso o objetivo é estimular nossos sentidos, no primeiro caso não. Tendo isto em mente fica mais fácil avaliar qual música é mais adequada para os cristãos cantarem quando se reúnem ao nome do Senhor Jesus, tendo a ele no meio e como centro de todas as atenções. Você iria querer chamar a atenção em um momento e lugar onde todas as atenções devem estar concentradas em Cristo? É claro que não.
Por ser a música também um instrumento para manipular as emoções, ela pode se tornar inadequada e até mesmo perigosa quando usada na adoração. Por exemplo, quanto mais ritmo tem uma música, maior sua influência sobre o corpo humano, que tende a acompanhar automaticamente o seu compasso. Por isso nem nos damos conta de que nosso corpo começa a balançar ou nosso pé bater no chão quando ouvimos uma batucada ou um samba.
Considerando que é o espírito, e não o corpo, que deve ser a parte mais ativa no louvor, há o perigo do cristão achar que está sendo tocado pelo Espírito Santo durante o louvor, quando na verdade isso nada mais é do que seus sentidos sendo estimulados pelo ritmo. Religiões pagãs usam e abusam do ritmo, pois isso ajuda a colocar as pessoas em transe. Há pessoas que não podem entrar em um show ou balada com profusão de luzes e sons sob o risco de sofrerem ataques epiléticos. Essas coisas realmente estimulam o corpo, mas isso nada tem a ver com louvor.
Do mesmo modo como todo arquiteto e designer de interiores sabe que as luzes, formas e cores dos ambientes têm uma forte influência sobre o comportamento humano, quem trabalha com marketing sabe que você pode melhorar seus negócios usando música ambiente de forma a manipular seus clientes. Um bom restaurante irá colocar música lenta quando estiver quase vazio, para as pessoas se demorarem ali e ajudarem a atrair outros. Aí passará a tocar música cada vez mais rápida se o ambiente estiver cheio e o gerente quiser que os clientes terminem logo a refeição para darem lugar a outros. Basta aumentar o ritmo para fazer as pessoas comerem mais depressa. Um supermercado, por sua vez, nunca deve ter música rápida para não apressar os clientes nas compras. O melhor é que eles fiquem lá dentro por muito tempo, e esta é a razão de não existirem relógios nas paredes dos supermercados.
Com tudo isso em mente, o cristão deve evitar ao máximo qualquer estímulo para a sua carne na hora de louvar a Deus pois, considerando que o motivo e fim de seu louvor é Deus. Se ele sentir ou não qualquer emoção forte enquanto canta, isso não fará grande diferença, pois Deus estará sendo louvado mesmo assim. É melhor que ele deixe a música estimulante (no sentido de manipular os sentidos) para ouvir ou tocar quando não estiver reunido para adorar a Deus. Em Romanos 12, Paulo fala de um “culto racional” e de conhecer qual seja “a boa e perfeita vontade de Deus”. Isso nada tem a ver com a nossa vontade, nossos instintos, ou qualquer manifestação extática (de êxtase) que nos tire do perfeito controle de nosso corpo e mente.
Mas não é exatamente isso o que você vê os cristãos fazerem quando se reúnem. Com a desculpa de estarem louvando a Deus, promovem verdadeiros espetáculos de luz e som que não diferem nem um pouco dos cultos pagão com seus tambores e ritmos hipnóticos, ou inventam artifícios do “palmas para Jesus” para tentar fazer os presentes acreditarem que aquilo não passa de um show como outro qualquer. Ao chamarem a isso de “louvor”, se esquecem de que louvor é aquele que os cristãos elevam a Deus em uníssono, com suas vozes, e não algo que alguns fazem enquanto outros assistem e aplaudem.
Além de entender o papel da música, é importante entender a diferença entre os que louvavam no Israel do Antigo Testamento e os que louvam na Igreja, o Corpo de Cristo. O louvor do israelita no Antigo Testamento era um louvor exterior, já que ninguém naquela época tinha o Espírito Santo habitando em si, como é o caso hoje daquele que crê em Jesus. Por ser uma adoração exterior, ela exigia todo um aparato especial, como um templo de pedras, cantores ensaiados, instrumentos musicais, vestes especiais e tantas outras coisas que são descritas em detalhes no Antigo Testamento.
Porém, quando chegamos à adoração cristã que é segundo a doutrina dos apóstolos, encontrada nas epístolas, todos esses detalhes desaparecem para dar lugar ao louvor singelo de corações gratos “... com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando ao Senhor com graça em vosso coração... falando entre vós em salmos, e hinos, e cânticos espirituais; cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração”. (Cl 3:16; Ef 5:19).
Por ter o Espírito Santo habitando em si, qualquer cântico de um crente, por mais desafinado que seja, é agradável a Deus, porque vem dele e é para ele. Isso é muito diferente da música tocada ou cantada para estimular os sentidos de quem canta ou ouve. Paulo e Silas cantavam na prisão com os pés presos a um tronco, e não há qualquer indicação de que cantavam com acompanhamento. Será que aquele cântico, que precedeu um terremoto, capaz de mover os alicerces da prisão e romper cadeados e correntes, teria sido mais eficaz se fosse acompanhado de uma orquestra filarmônica ou de uma banda moderna de muitos decibéis?
Outro ponto importante é que o louvor cristão só faz sentido quando é cantado, não quando é tocado. É fácil perceber isso. Enquanto a música pode estimular nossos sentidos, são as palavras que efetivamente louvam a Deus, porque são elas que falam de nossa gratidão pelo que Deus é e fez para nos salvar. Você conseguiria imaginar Moisés, do outro lado do Mar Vermelho, apresentando um número musical, tipo um quarteto de cordas, para louvar a Deus? De modo algum. Eram as palavras do cântico de Moisés que faziam dele um louvor.
Música orquestrada não é louvor, pois os únicos instrumentos que interessam a Deus são os redimidos, que hoje formam a Igreja, o Corpo de Cristo e são, tanto individual quanto coletivamente, um templo santo do Espírito Santo e um sacerdócio com pleno acesso a Deus. Aliás, já é sabido que não existe um instrumento musical capaz de superar a capacidade, riqueza e beleza da voz humana. “Que farei, pois?... Cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento”. (1 Co 14:15). Para você cantar com o entendimento é preciso que esteja dizendo alguma coisa, e não apenas assoviando ou dedilhando um instrumento musical.
Quando digo que onde me congrego ao nome do Senhor não são usados outros instrumentos além da voz para louvar a Deus, muitos estranham. Numa época em que a música instrumental religiosa se transformou quase numa norma entre os cristãos, e quando músicos e cantores cristãos são exaltados à condição de ídolos, transformando as reuniões de cristãos em verdadeiros shows, é natural que as pessoas estranhem que ainda existam cristãos que se congreguem para adorar e louvar a Deus usando apenas a voz e sem nenhum acompanhamento. A questão é que, quando nos reunimos, o Senhor Jesus está bem ali, em nosso meio, conforme prometeu em Mateus 18 que estaria quando dois ou três estivessem congregados para ele.
Se estamos congregados, é porque o Espírito Santo nos congregou. Se pensar numa cesta de frutas, o Espírito Santo seria a cesta que mantém as frutas juntas. O louvor ali não deve ter uma função sensorial de estimular os sentidos ou revelar talentos musicais, mas deve simplesmente servir para apresentar nossa gratidão como redimidos. Considerando que o que importa para Deus não é a qualidade do cântico, mas o modo como ele nos ouve cantar, seria tolice pensar em um cântico ensaiado. Se dependesse de qualidade, ainda que fôssemos tão afinados quanto os “Meninos Cantores de Viena”, estaríamos mais para gralhas do que para rouxinóis quando nosso cântico entrasse nos ouvidos perfeitos de Deus.
Portanto, dependemos dele, e só dele, para despertar em nós tanto o motivo como o louvor. Como acontece na oração, quando o Espírito Santo nos assiste e não é pelo muito falar ou pela qualidade de nossa oratória que seremos ouvidos, assim acontece no louvor. O louvor não deve partir do homem e não deve ser para o homem visando a exaltação do homem. Tudo vem de Deus e é para ele. Mas, mesmo assim, por que não usamos ao menos um violãozinho para fazer o acompanhamento? Explico com uma passagem dos evangelhos.
Na última noite o Senhor se reuniu com os seus discípulos para partir o pão. Aquilo não era uma reunião da Igreja, pois esta só seria edificada a partir de Atos 2. Aquela também não era a ceia que os cristãos celebram, pois esta seria depois revelada diretamente a Paulo, conforme ele nos conta em 1 Coríntios 11. Era uma ceia antes da cruz, anunciando o sacrifício que viria. A ceia que celebramos é uma ceia depois da cruz, relembrando o sacrifício que já aconteceu.
Mesmo assim há uma característica que é praticamente a mesma de quando dois ou três estão congregados ao nome de Jesus: Ele próprio estava ali, bem no meio de seus discípulos, como está hoje no meio de dois ou três reunidos em (ou para) seu nome. Sua presença então era real e inquestionável, e não é diferente hoje, apesar de não enxergarmos o Senhor com nossos olhos de carne. Agora preste muita atenção neste versículo:
(Mt 26:30) “E, tendo cantado o hino, saíram para o Monte das Oliveiras”.
Seria patético pensar em um dos discípulos comentando com outro, depois de terem cantado o hino sem qualquer instrumento ou acompanhamento, algo do tipo:
“É, foi bom cantarmos ali, na companhia o próprio Senhor em nosso meio, mas acho que com o acompanhamento de um violãozinho teria sido melhor”.