Devemos obedecer a autoridade humana na igreja?

A autoridade que prevalece na assembleia onde dois ou três estão reunidos ao nome do Senhor não é a humana no sentido de liderança de homens, mas é uma autoridade delegada, como aquela que tem um policial. Aliás, toda autoridade humana é também delegada, porque por um lado é a sociedade quem delega poderes às autoridades, e por outro lado é Deus quem estabelece autoridades.

O Senhor prometeu que onde dois ou três estivessem reunidos para o seu nome ele estaria no meio, e que se dois ou três concordassem na terra a respeito de algo, aquilo seria estabelecido no céu. Portanto é essa a autoridade que deve existir na igreja, aquela que é a autoridade do Senhor delegada aos homens.

Você escreveu: “Mas 1 Timóteo 3:4-5, Paulo não diz que o candidato a presbítero (no singular) governe bem a sua casa, mostrando que deve governar bem a casa de Deus?”.

A casa é a esfera do governo, diferente de igreja no sentido do corpo que é a esfera do exercício dos dons. A casa de Deus de 1 Timóteo é a “grande casa” de 2 Timóteo, onde há todo tipo de vaso. Sim, cabe aos presbíteros (no plural) o governo com a autoridade que o Senhor lhes delega. No versículo que citou ele está falando da qualificação “do presbítero” e está no singular por se tratar da pessoa que irá exercer esse encargo.

Nas outras passagens, quando fala da relação da assembleia com os presbíteros a palavra aparece no plural. O governo é claramente no sentido de cuidado administrativo (pastoral) e doutrinal, não de liderança das reuniões. Aparece também como “anciãos”, mostrando sim que é um papel parecido com o do pai de família, um papel administrativo.

Você escreveu: “Em Tito 1:5-6, Paulo não ordena que Tito estabeleça presbíteros de cidade em cidade?”.

É aqui que a coisa toda fica mais clara. A ordem foi dada diretamente pelo apóstolo a Tito, portanto foi uma ordem pessoal. Aquela foi uma missão dada a Tito, o que parece indicar que os apóstolos faziam essa indicação ou delegavam a tarefa a alguém. E ainda que fosse uma prática mais comum entre os santos, o ponto importante aqui é este: “de cidade em cidade”. Os presbíteros tinham uma atuação “municipal”, por assim dizer, porque as assembleias dos santos eram identificadas por cidades ou regiões geográficas, nunca por diferentes nomes.

Portanto não existe qualquer autoridade hoje para “designar presbíteros de denominação em denominação”. Você seria capaz de citar os nomes dos presbíteros de sua cidade? Creio que é impossível. Seria capaz de designar presbíteros para sua cidade? Idem. A solução está no discurso de despedida de Paulo em Atos 20:17 ao final. Ele convoca os anciãos da igreja de Éfeso (não uma denominação, obviamente), e aponta de onde vinha a designação deles como anciãos ou presbíteros:

“Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o ESPÍRITO SANTO VOS CONSTITUIU BISPOS, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue.”

Sendo assim, embora hoje não seja mais possível designar bispos de cidade em cidade, o Espírito Santo não deixa de fazê-lo para que cuidem do povo de Deus. Podem não ser designados, mas podem ser reconhecidos como tais pelos santos que identificam seu trabalho como uma prova dessa “designação” do Espírito Santo.

Seria muita pretensão um grupo de cristãos de uma cidade eleger bispos como se eles fossem a única igreja verdadeira naquela cidade, desprezando todos os outros salvos que não se congregam com eles. Mas, se porventura existir entre eles alguns irmãos que espontaneamente fazem esse trabalho eles podem procurar detectar neles esse papel, muito embora não recebam um título ou tenham carteira assinada para tal. Lembre-se de que o testemunho da igreja está hoje em ruínas e é nesse estado de humilhação que devemos agir.

Você escreveu: “Em 1 Pe 5:1-3, o apóstolo, ao referir-se ao presbítero como aquele que deve apascentar o rebanho de Deus, não o distingue das ovelhas, implicando aí numa proeminência do presbítero sobre o rebanho?”.

Não no sentido que você está acostumado a enxergar nas denominações, e que atinge seu ápice no clero católico romano.

“Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também”. (Jo 13:14-15).

“Os reis dos gentios dominam sobre eles, e os que têm autoridade sobre eles são chamados benfeitores. Mas NÃO SEREIS VÓS ASSIM; antes o maior entre vós seja como o menor; e quem governa como quem serve. Pois qual é maior: quem está à mesa, ou quem serve? Porventura não é quem está à mesa? Eu, porém, entre vós sou como aquele que serve”. (Lc 22:25-27).

“Cada um considere os outros superiores a si mesmo”. (Fp 2:3).

Você escreveu: “Hb 13:17 nos ordena: “Obedecei a vossos pastores, e sujeitai-vos a eles; porque velam por vossas almas, como aqueles que hão de dar conta delas”. Não há aí um princípio bíblico claríssimo de autoridade?”.

Sim, dentro das premissas que indiquei:

​1. A autoridade é delegada (do Senhor);

​2. São mais de um esses pastores (aqui a palavra não fala no sentido do dom);

​3. Não há como indicá-los hoje, apenas reconhecê-los;

​4. Não são reis, mas servos do rebanho.

Você escreveu: “Em 1 Co 12:4-6, Paulo afirma que há diversidade de dons, ministérios e operações, concluindo no verso 28: ‘E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores’. Se nem todos têm os mesmos dons, e são chamados para os mesmos ministérios e para operarem a mesma obra, como uma igreja pode ser dirigida por todos ao mesmo tempo, como se todos possuíssem o mesmo dom, ministério e operação? Confirmado também por Efésios 4:11.”.

O assunto aqui é outro, completamente diferente. Presbíteros (anciãos) e diáconos são ofícios locais, da assembleia dos santos em determinada cidade. São ofícios geograficamente limitados. Pastores, mestres e evangelistas são dons, não “designados” como eram os presbíteros e diáconos, mas colocados por Deus para exercer os dons que o Senhor lhes deu depois de ressuscitar e subir aos céus.

Em Efésios fala de dons, não de ofícios, e esses dons não são locais, mas universais. Um pastor é pastor em qualquer lugar onde esteja, o mesmo servindo para o mestre e para o evangelista. É bom lembrar que pastor neste caso não tem nada a ver com o dirigente que encontramos em denominações, mas com a pessoa cujo dom é velar pelas almas, alimentar as ovelhas, curar as feridas, apascentá-las. Temo que a carga de “cultura cristã” que recebemos é tão grande que fica até difícil compreender isso, como fica difícil para alguns compreender que “igreja” não é um edifício.

Você escreveu: “Se Pedro nos diz que devemos nos sujeitar a toda autoridade humana (1 Pe 2:13), como é que a igreja não terá esse tipo de autoridade? (Sabemos que a autoridade de Deus não se manifesta apenas na Igreja, mas em todo o universo; portanto, tanto crentes como incrédulos estão sob a autoridade de Deus, ainda que esses últimos insistam em, inutilmente, se rebelarem contra ele).”.

Não entendi essa ideia da autoridade da igreja se manifestar em todo o universo. Não me lembro de ter visto algo assim na Palavra de Deus, a não ser no futuro, quando os salvos reinarão com Cristo a partir dos céus, julgarão os anjos, etc. Mas mesmo assim qualquer autoridade que venham a ter não será além daquela que é delegada pelo Senhor. Enquanto esse tempo não chega a autoridade que o Senhor deu a dois ou três reunidos ao seu nome limita-se à ordem na casa de Deus.

Você escreveu: “Paulo ao referir-se a Tiago, Pedro e João, não os chamou de colunas (Gl 2:9)? Mas colunas de quê? Não são colunas da igreja? E isso não os torna líderes?”.

“Tiago, Cefas e João, que eram considerados como as colunas, a graça que me havia sido dada, deram-nos as destras, em comunhão comigo e com Barnabé, para que nós fôssemos aos gentios, e eles à circuncisão”. Sim, eles eram reconhecidos como colunas porque eram apóstolos. Apóstolo é outra coisa, é também chamado de alicerce ou fundamento em Efésios, juntamente com os profetas do Novo Testamento:

“Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus; Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor” (Ef 2:19-21).

Agora não há mais pedras do alicerce, de sustentação das paredes, apenas as próprias pedras das paredes, como nós. Em [bibliaonline.com.br] (http://bibliaonline.com.br) não encontrei alguma menção a colunas aplicada a anciãos, embora a gente possa também considerá-los como esteios ou aqueles que ajudam a manter a casa firme. Isso, porém, não invalida as quatro premissas que indiquei.