Pode Lúcifer ser a estrela da manhã?

O trecho que gerou sua dúvida está em Isaías 14:12-17: “Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo. E contudo levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo. Os que te virem te contemplarão, considerar-te-ão, e dirão: É este o homem que fazia estremecer a terra e que fazia tremer os reinos? Que punha o mundo como o deserto, e assolava as suas cidades? Que não abria a casa de seus cativos?”

O nome “Lúcifer” não aparece em todas as traduções da Bíblia, e significa portador de luz. Quanto à expressão “estrela da manhã”, os anjos são identificados como “estrelas da manhã” em Jó 38:7, portanto não há nada errado em se utilizar a expressão para anjos, sejam eles caídos ou não. Você não concorda que no trecho a expressão seja atribuída a Satanás, mas eu teria maior dificuldade em aplicar a um homem uma expressão que aparece ora aplicada a Jesus, ora a anjos, mas não a homens.

O fato de Jesus ser também chamado de Estrela da Manhã em Apocalipse 22:16 não desautoriza a aplicação da expressão aqui a Satanás, mas apenas confirma o papel de imitador do diabo. Repare que em Apocalipse você encontra uma trindade satânica, com o diabo, a besta e o anticristo.

É preciso ainda entender que muitas passagens proféticas são cheias de símbolos e nem sempre fazem sentido se tomadas ao pé da letra. Pegue, por exemplo, os Salmos, que tanto podem expressar os sentimentos dos salmistas (sim, há outros além de Davi), como também os sentimentos de Cristo.

Uma das formas de se encontrar o verdadeiro sentido na Bíblia é perguntar: “Onde posso ver Cristo nesta passagem?” Ao fazer isso as coisas ficam mais claras, já que entendemos que Jesus é o espírito da profecia, e a Bíblia toda foi escrita por causa dele e fala dele. Ele próprio disse isso aos dois discípulos no caminho de Emaús no final do evangelho de Lucas.

Na passagem de Isaías eu vejo Jesus inserido no contexto, pois encontro aqui aquele que é seu antagonista, aquele que deseja ter a preeminência que só pertence a Cristo, e isso não apenas na terra, mas nos céus (repare que a cena toda é transportada do rei de Babilônia na terra para as esferas celestiais). Seria estranho o rei de Babilônia dizer que subiria acima das nuvens e seria semelhante ao Altíssimo. O próprio Jesus faz referência ao episódio de Isaías 14 em Lucas 10:18: “Vi Satanás, como raio, cair do céu”.

Portanto, creio que este trecho seja um parêntese, pois parece se referir, não especificamente ao rei da Babilônia, mas àquele que movia o rei de Babilônia, ou seja, Satanás. No episódio em que Pedro nega que Jesus seria traído, julgado e morto, o Senhor repreende a Pedro como se estivesse falando com o diabo que estaria movendo Pedro a dizer aquilo.

Portanto, quer você acredite que o trecho fale literalmente de Satanás, ou ache que a “estrela da manhã” aqui esteja limitada a descrever o rei de Babilônia, creio que ambos concordamos que quem está por trás desses sentimentos é Satanás, a antiga serpente. O Senhor poderia dizer também aqui, ao rei de Babilônia o que disse a Pedro: “Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas só as que são dos homens” (Mt 16:23).