Você pertence ao movimento da igreja orgânica simples?

Muitos que me escrevem confundem o fato de eu e outros irmãos estarmos congregados somente ao nome do Senhor com movimentos modernos conhecidos como “igreja simples”, “igreja orgânica”, “igreja nas casas” e outros grupos semelhantes. Quando falamos de estar congregados ao nome do Senhor em comunhão com irmãos que fazem o mesmo em todo o mundo não estamos falando desses conceitos, mas de voltar aos princípios estabelecidos na doutrina dos apóstolos.

Neste ponto você poderá dizer que a ideia de “igreja simples”, “igreja orgânica” ou “igrejas nas casas” também tem a mesma intenção, mas eu pergunto: “Será?”. Quando entro em um site que explica os princípios do movimento chamado de “igreja simples” vejo ali a ideia descrita como algo que “tem foco na comunhão e relacionamento real com os irmãos”. Embora os irmãos devam se relacionar e exercitar uma comunhão prática uns com os outros, não é esta a principal função da igreja de Deus na terra. Se fosse, a igreja seria algo que Deus criou para se ocupar consigo mesma, pois seu foco estaria no relacionamento com os irmãos.

Apesar de ser uma ideia bonita e cativante, a de cristãos vivendo juntos em harmonia como uma grande família, no fundo essa aplicação como o cerne ou motivo de cristãos estarem reunidos tem tanta consistência quanto dizer que uma noiva existe para passar o dia olhando sua própria imagem no espelho. O foco da igreja jamais está em si mesma, mas em Cristo. Deus entregou o seu Filho à morte para de seu lado rasgado tirar uma companheira para ele, portanto a origem, função e destino da igreja tem tudo a ver com Cristo, o Noivo, e não consigo mesma. Quando a igreja se ocupa com Cristo ela está cumprindo o seu propósito; quando ela se ocupa consigo mesma não está sendo muito diferente de uma comunidade de ajuda mútua.

A igreja está na terra em sua jornada aguardando a volta do Noivo para tirá-la daqui, portanto todos os seus sentimentos e todo o seu foco estão no céu onde Cristo está. Até mesmo suas atividades aqui têm esse caráter conectado ao céu. Em Atos 2:42 vemos que os primeiros cristãos “perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações” (Atos 2:42).

Primeiro, eles se ocupavam em aprender juntos a doutrina dos apóstolos por intermédio dos dons, e isto se traduz no ministério da Palavra. Toda a comunhão cristã deve estar baseada na doutrina dos apóstolos e não no “achismo” ou no “sentimentalismo”. Muitos cristãos se reúnem para buscarem uma experiência de satisfação, emoções e muitas outras coisas, mas nada disso será real a menos que tenha por origem e fundamento a doutrina dos apóstolos.

Em muitos lugares hoje você escuta muito de prática de vida cristã, psicologia cristã, como manter relacionamentos, criar filhos etc., e por mais que tudo isso possa ser bom para nosso andar aqui como indivíduos, a doutrina dos apóstolos vai muito além do que um discurso motivacional ou de dicas para o dia a dia. Não é à toa que muitos cristãos hoje vivem em busca da última grande sacada para ser feliz, algo não muito diferente do que fazem as pessoas que frequentam as seções de livros motivacionais das livrarias.

O versículo em Atos fala também de comunhão, e obviamente aí está incluída a comunhão uns com os outros que é bastante salutar, mas ela não fará sentido se não estiver fundamentada na doutrina dos apóstolos e não for voltada para Cristo. Darby traduz este versículo assim: “E perseveravam no ensino e comunhão dos apóstolos, no partir do pão e nas orações”, mostrando que essa comunhão era também com a doutrina, ou seja, um mesmo pensamento formado pelo que os apóstolos ensinaram.

O terceiro pilar sobre o qual a igreja se apoia em suas práticas é o “partir do pão”, e aí o erro no site que fala de “igreja simples” fica notório. Ali eles interpretam esse “partir do pão” simplesmente como uma refeição conjunta, como a que fazemos em família. É claro que a expressão “partir do pão” também aparece nas escrituras com este sentido, mas não é o caso aqui, especialmente quando analisamos o contexto.

Por exemplo, podemos entender que em Lucas 24:28-31, quando os dois discípulos se encontram com o Senhor, o partir do pão ali significa simplesmente que se sentaram para comer junto com o Senhor. Não era a ceia do Senhor; não era a expressão de comunhão com sua morte e nem a celebração da memória do corpo e do sangue de Cristo, como fazemos no primeiro dia da semana. Era sim uma refeição em comum.

Mas aqui em Atos 2 nós temos as duas coisas. Temos a refeição em comum no versículo 46, onde diz que eles “perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração” (Atos 2:46), pois é dessa vida em comum que o contexto fala, mas no versículo 42 temos a ceia do Senhor conectada às outras práticas, como doutrina dos apóstolos, comunhão e orações.

Como distinguir se ambas passagens e também outras usam a expressão “partir o pão”? Veja em que contexto está inserida a primeira passagem que fala de “partir o pão”:

(Atos 2:41-42) “De sorte que foram batizados os que de bom grado receberam a sua palavra; e naquele dia agregaram-se quase três mil almas; E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações”.

Veja que a passagem nos fala de uma atividade corporativa como assembleia ou igreja, mesmo que eles não entendessem perfeitamente o que estavam vivendo, já que a verdade da igreja seria revelada mais tarde a Paulo e aos outros apóstolos. Mas eles certamente já obedeciam a ordenança do Senhor dada aos apóstolos na última ceia para que partissem o pão em memória dele. A Paulo seria dado ratificar a prática por meio de uma revelação direta do Senhor:

(1 Co 11:23-26) “Porque eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; E, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim. Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha”.

Não faria sentido dizer em Atos 2:41-42 que “perseveravam... no partir do pão” se a expressão indicasse meramente a alimentação diária. Interpretar assim seria como dizer que “perseveravam em tomar café da manhã, almoçar e jantar”, o que não teria qualquer importância e nem conexão com “doutrina dos apóstolos”, “comunhão” e “orações”.

As atividades de Atos 2:42, quando vistas de forma ampla, também serão encontradas de forma mais detalhada nas epístolas. Por exemplo, o perseverar na doutrina (1 Co 14:26-40), na comunhão (pode ser o caso de Judas 1:12 ou 1 Co 11:21, em ambos os casos apontando distorções), no partir do pão (a ceia do Senhor, 1 Co 11:23-26) e orações (1 Co 14:14-17).

Mas ao continuarmos a leitura de Atos 2 chegaremos ao versículo 46, quando aí sim fala dos costumes da vida diária, onde o “partir o pão” refere-se à alimentação regular e diária. Aqui poderíamos parafrasear como “tomando café da manhã, almoçando e jantando em casa, comiam juntos...”.

(Atos 2:46) “E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração”.

Outras passagens que falam do partir do pão também podem ser interpretadas segundo o contexto de cada uma. A que você encontra em Atos 20:7-11, quando se congregaram com o objetivo específico de partir o pão, está falando da ceia do Senhor. Outra em Atos 27:35 está falando de uma refeição em comum, já que ninguém iria achar que pagãos incrédulos seriam admitidos à ceia do Senhor.

Sugiro que leia alguns textos que escrevi sobre o assunto e que mostram que estar congregado ao nome do Senhor do modo como muitos irmãos em todo o mundo fazem não é o mesmo que os movimentos modernos de “igrejas nas casas”, “igreja simples” ou “comunidades”. Numa época em que se fala muito em “redes sociais”, “conectividade”, etc., é fácil sermos levados por uma ideia assim de uma rede de cristãos que se reúnem simplesmente para terem comunhão uns com os outros. A pergunta é: Cristo está no centro? Sua autoridade é exercida ali? É o Espírito Santo quem dirige? Ou é apenas uma reunião informal que procura dar oportunidade a todos de se expressarem?

Todos estes movimentos podem ter práticas salutares de comunhão entre irmãos, mas uma simples passada de olhos permite ver que o ministério de Paulo, que são as práticas dadas à igreja, foi deixado de lado como faz a cristandade denominacional como um todo. Nessas reuniões vemos elementos importados do judaísmo, como cantores, bandas e instrumentos musicais, mulheres falando, e em alguns casos homens claramente ocupando a posição de líderes. Alguns desses grupos não passam de satélites de denominações, uma prática comum há muitos anos quando igrejas denominacionais criavam “comunidades” para abrigar nelas membros que não se sentissem bem no ambiente tradicional da “igreja” institucional.

Mas o que me parece muito claro ser um erro nesse movimento todo é seu caráter independente. Não existe independência na Palavra de Deus e quando vemos um grupo de cristãos vivendo de forma independente e autônoma isso certamente não tem paralelo no que encontramos na igreja de Atos e das epístolas, cujas assembleias eram interdependentes. Se eu e outros irmãos entendemos que devemos nos apartar dos erros da cristandade para estarmos congregados ao nome do Senhor, seria um erro iniciar uma reunião por nós mesmos e de forma independente sabendo que em todo o mundo já existiriam muitos irmãos e assembleias congregadas sobre os fundamentos da doutrina dos apóstolos e em comunhão umas com as outras. Certamente isto seria visto como “começar uma nova igreja”, o que não tem fundamento bíblico.