Posso ser cristão e músico profissional?
Existem muitos músicos profissionais que são cristãos, como também existem muitos operários, policiais, esportistas e comerciantes cristãos. Cada um deve exercer sua profissão na medida de sua consciência e sempre buscando saber a vontade de Deus a respeito. A ideia de que um músico cristão só deveria tocar música cristã faz tanto sentido quanto dizer que um escritor ou jornalista cristão só deveria escrever sobre a Bíblia.
Mas se um profissional cristão, independentemente de sua área de atuação, perceber que seu olho ou sua mão estão sendo um problema em sua vida de comunhão com o Senhor, deve figuradamente arrancá-los, como no exemplo que Jesus deu nos evangelhos.
(Mt 5:29-30) “Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não vá todo o teu corpo para o inferno”.
O contexto aqui é de usar os olhos ou as mãos para coisas impuras, pois o versículo que precede fala de adultério, o que nos leva também a pensar que devemos tirar de nossa vida qualquer coisa que nos faça tropeçar, músicas, filmes, fotos, lugares, situações, amizades, etc. O mesmo pode ser dito de coisas lícitas, mas que não sejam adequadas por algum motivo, como vemos no exemplo do que era escravo e devia aproveitar a oportunidade de mudar sua condição se tivesse a chance de fazê-lo:
(1 Co 7:20-21) “Cada um permaneça na vocação em que foi chamado. Foste chamado, sendo escravo? Não te preocupes com isso; mas, se ainda podes tornar-te livre, aproveita a oportunidade”.
Às vezes é possível adequar a profissão de modo a não desagradar o Senhor ou mesmo evitar um mau testemunho. Por exemplo, existe um campo amplo para músicos em propaganda (praticamente todo comercial de rádio ou TV tem música). Filmes, desenhos animados, cursos multimídia e até telejornais têm música de fundo. Há também ambientes com música ao vivo, como restaurantes e hotéis onde costumam ser tocadas músicas românticas. Não há nada de errado com uma música romântica ou com o romantismo entre um homem e uma mulher, que é inclusive o tema de Cantares. Mas em tudo isso é sempre bom ter em mente esta passagem:
(1 Co 10:31-32) “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus. Não vos torneis causa de tropeço nem para judeus, nem para gentios, nem tampouco para a igreja de Deus, “.
Cabe ao músico profissional cristão orar e pedir a direção do Senhor de até onde pode ir em sua profissão. Isso vale para todas as profissões, pois as mesmas indagações terão um cristão que trabalhe numa fábrica de cigarros ou armas, um comerciante que venda produtos prejudiciais à saúde ou que o faça de forma ilegal ou sonegando impostos (às vezes chamamos de “comércio informal”), e um advogado na hora de defender um cliente, ou promotor na hora de acusar um réu. Eu mesmo tenho de lidar com esses problemas de consciência, por esta razão não atendo segmentos como os de bebidas alcoólicas, tabaco, armas, e organizações religiosas, incluindo suas rádios, TVs e editoras. Pode ser que você perca oportunidades se tiver tal cuidado.
Músicos cristãos que atuam profissionalmente apenas com música cristã podem também ser obrigados a “engolir sapos” quando contratados para tocar ou cantar em igrejas que jamais frequentariam de vontade própria, como as de pregadores que fazem da fé um negócio lucrativo ou professam má doutrina. Eu particularmente acho mais difícil um cristão ser músico profissional no meio cristão do que no meio secular, considerando que Jesus criticou mais duramente os religiosos do que os imorais de seu tempo. Não que prostitutas e publicanos estivessem desculpados por seus Atos pecaminosos, mas aos olhos de Deus não creio existir uma ofensa tão grave quanto explorar a fé das pessoas ou disseminar má doutrina acerca da Pessoa de Cristo.
Aproveite para trocar uma ideia com outros irmãos músicos sobre a questão da música e de como eles costumam agir. Mas apenas para informar-se, pois sempre que você encontrar um irmão fazendo algo de alguma forma, entenda que aquilo é um exercício que ele tem com Deus e não uma regra de ação que possa servir para você também. Às vezes fazemos coisas que dentro de um contexto cultural podem ser perfeitamente entendidas e aceitas, mas que seriam um escândalo em outro contexto ou país. Neste sentido me ocorrem duas passagens:
(Jo 21:21-22) “Vendo Pedro a este, disse a Jesus: Senhor, e deste que será? Disse-lhe Jesus: Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu”.
(Rm 14:22-23) “Tens tu fé? Tem-na em ti mesmo diante de Deus. Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo naquilo que aprova. Mas aquele que tem dúvidas, se come está condenado, porque não come por fé; e tudo o que não é de fé é pecado”.
Eu diria que se você precisar esconder que é cristão para poder exercer sua profissão, qualquer que seja ela, então não está exercendo sua profissão para a glória de Deus. O cristão está aqui com o propósito de testemunhar de Cristo e ninguém faz isso anonimamente. Somos sal (que conserva) e luz (que ilumina e revela) e se estas características forem um empecilho em nossa profissão o problema pode estar na profissão ou no lugar em que a exercemos.
O músico deve também se policiar para não criar ou executar sua música apenas para atender a moda ou os desejos do público. Muitas músicas são populares por seu excesso de sensualidade ou palavras de cunho erótico. Eu sou palestrante profissional e sei que muitos palestrantes usam palavrões ou piadas sobre sexo para agradar ao público. Não posso fazer isso se quiser sair da palestra e poder conversar sobre Cristo com alguém, pois a pessoa iria achar isso uma incoerência.
Depois de publicar, alguém escreveu discordando, dizendo que “se alguém tiver amor demais na música a ponto de não conseguir se livrar dela é porque ainda não chegou à uma conversão completa”. Minha resposta segue abaixo:
A impressão que dá é que você acredita que a salvação venha pela mudança de vida e não o contrário (a mudança de vida vem com a salvação). Por ser um terreno movediço, eu deixei bem claro no texto que cada um deve ter um exercício diante do Senhor.
Se você detectar em uma letra de música algo contrário à Palavra de Deus, o melhor é não cantar aquela canção. Mas você há de convir que o próprio texto de Cantares é uma letra de música de amor, e há muitas músicas de amor que não têm qualquer conotação contrária à Palavra de Deus. Eu menciono uma melodia com uma letra belíssima aqui http://www.stories.org.br/querocontar/archives:00000160.htm. Existem milhares de outras. Obviamente não estou falando dessas músicas com termos chulos ou de conteúdo erótico que fazem sucesso por aí.
São muitos os hinos tradicionais que utilizam melodias de músicas clássicas, hinos nacionais ou até de músicas românticas da época que tiveram suas letras trocadas. Por exemplo:
“We Thank Thee, Our Father” usa a melodia de “Adeste Fidelis.” “Amazing Grace” (“Graça Sublime”) usa a melodia de uma canção cantada nas tavernas da época. “Bless His Name, He Set Me Free” foi reescrita em cima de “Champagne Charlie”, e “Storm The Forts Of Darkness” em cima de “Here’s To Good Old Whiskey”, ambas no hinário do Exército da Salvação. “Be Still, My Soul” é a letra cristã para o hino da Finlândia (seria como cantarmos o “Ouviram do Ipiranga” com uma letra cristã). Você já deve ter cantado o hino nacional da Alemanha com letra cristã (“Abba Father we adore Thee”). Existe até hino escrito em cima de melodias compostas pelo ímpio Mozart.
Portanto, se você não gosta de música secular, não cante e não ouça, mas não é correto julgar se alguém é salvo ou não porque ouve ou toca música secular.