Pode existir mais de uma assembleia em uma cidade?
Na Bíblia vemos que as assembleias eram “de cidade em cidade” (Corinto, Éfeso), mas também às vezes as cartas eram endereçadas aos santos de toda uma região (como a Galácia). Nas saudações do capítulo 16 de Romanos vemos que numa mesma cidade como Roma havia reuniões em diferentes casas, o que dá a entender que numa mesma cidade pode existir mais de um lugar de reunião, porém sendo todos os daquela cidade uma mesma assembleia.
Em Londres no século 19 era assim, por causa do tamanho da cidade e da dificuldade de transporte dos irmãos. Evidentemente os irmãos deviam se reunir com frequência para tratar dos assuntos gerais da assembleia em Londres. Como vemos também em Atos A unidade era preservada, pois quando havia algum problema os irmãos podiam convocar alguma reunião especial para tratar disso, porém sempre lembrando que a autoridade do Senhor está na assembleia local (da cidade) e não em alguma “sede”. Mas se eu fosse você não me preocuparia com isso, ou seja, como agir caso comecem a precisar de vários lugares de reunião em uma mesma cidade. Estamos nos últimos dias e até entre os irmãos congregados em nome do Senhor a tendência é de declínio, como tudo o mais no apagar das luzes na história da cristandade.
Às vezes ficamos com dúvidas por causa do uso da palavra “igreja” ou “assembleia” cujo significado foi bastante alterado. Veja que Paulo escreve a carta “a todos os que estais em Roma, amados de Deus, chamados santos” (Rm 1:7), mostrando assim que havia um testemunho identificado pelo nome da cidade onde a assembleia estava. Sobre Priscila e Áquila ele diz, na mesma carta, “Saudai também a igreja que está em sua casa” (Rm 16:5). Depois “Saudai a Asíncrito, a Flegonte, a Hermes, a Pátrobas, a Hermas, e aos irmãos que estão com eles. Saudai a Filólogo e a Júlia, a Nereu e a sua irmã, e a Olimpas, e a todos os santos que com eles estão” (Rm 16:14-15). Acredito serem diferentes locais onde a igreja que estava em Roma se reunia.
William Kelly, em uma de suas cartas, escreveu (a carta foi publicada em 1882 e vou traduzir apenas algumas porções):
“Costuma-se argumentar que a igreja ‘na casa’ desta ou daquela pessoa, de Áquila e Priscila, de Ninfa, de Filemom, seria prova de existirem ‘igrejas’ em uma cidade. Não é assim, pois quando comparamos com outras passagens vemos não existir tal ideia de divisão. Isto acaba se tornando parte da evidência em favor da unidade, pois, embora ninguém negue que se tratava da ‘igreja’ em vários lares de uma cidade, os santos ali eram invariavelmente designados como ‘a assembleia’ naquela cidade...
(...) O Espírito usa a expressão grega para se referir apenas a todos os santos em uma cidade e outra expressão em Atos 2:46 ou nas quatro casas que mencionamos... A graça ativa de Deus reúne livremente e em toda simplicidade, mas considerando que o Espírito Santo é um e identifica em unidade a todos os santos neste mundo, assim ocorre em lugares como Éfeso, certamente não para impedir a reunião dos santos ao nome do Senhor em mais de uma casa, mas para guardar a todos eles em unidade.
Podia haver a assembleia aqui ou a assembleia ali, mas o conjunto dos santos em uma localidade era ‘a assembleia em Éfeso’, nunca as assembleias ‘em Éfeso’ ou ‘de Éfeso’. A unidade é a verdade que governa segundo a vontade do Senhor, a Cabeça da igreja. Por isso sua Palavra diz que ela não pode ser quebrada. Querer que todos se reunissem sob um mesmo teto é uma ideia terrena; a presença e o poder do Espírito estão total e essencialmente acima da diversidade de locais de reunião. A única coisa indispensável é que, como Corpo de Cristo, eles estejam todos congregados ao seu Nome na liberdade e unidade do Espírito.
De Rm 16:3-5 nos parece que Áquila e sua esposa estavam em Roma quando o apóstolo escreveu, de Corinto (ano 57 ou 58), sua grande epístola aos santos dali, e aqui mais uma vez lemos da ‘igreja em sua casa’. Sem dúvida alguma podemos dizer que a carta é endereçada aos santos em Roma como um todo, embora nunca nas Escrituras seja mencionada ‘a igreja em Roma’. Eu particularmente admiro a perfeição das Escrituras e a sabedoria de Deus em falar assim. Mas trata-se de interpretação humana inferir que os santos não fossem a igreja de Deus naquela cidade só por não terem sido chamados assim. Considere aqueles em Filipo ou Colosso, cidades às quais ninguém insistiria tanto em negar o caráter da igreja nelas. Por quê, então, dizer que os santos naqueles locais de reunião em Roma não fossem “a igreja”? Negar que o fossem seria ridículo quando lemos, no caso de Filipo, de bispos e presbíteros e diáconos, uma ordem das mais completas, que muitas verdadeiras assembleias talvez ainda nem possuíssem (veja Atos 14:23, Tt 1:5)”.
Só para resumir a parte que vem depois, William Kelly continua explicando que o modo como as cartas são endereçadas depende muito do caráter de seu conteúdo. Segundo ele, por esta razão uma epístola como aos Coríntios é endereçada “à igreja de Deus que está em Corinto” (2 Co 1:1), enquanto as cartas aos Efésios e aos Romanos são endereçadas “aos santos” que estavam naquela localidade. Se o assunto de Corinto era a ordem na igreja, o assunto em Efésios é a igreja em seu aspecto mais elevado e abrangente, e em Romanos o objetivo era colocar os fundamentos da justiça divina no evangelho e sua consistência com as promessas feitas a Israel. Ele continua dizendo:
“... a mente espiritual percebe que endereçar uma epístola assim (rm) ‘à igreja em Roma’ estaria fora de harmonia com a verdade que é tratada ali. Para Paulo, o apóstolo por chamado, endereçar a todos os que eram santos, também por chamado, que estavam em Roma parece demonstrar perfeição, não porque eles não formassem a assembleia ou igreja ali, mas porque o estilo adotado é condizente com o assunto, e endereçar ‘à assembleia’ seria bem incoerente com o teor da epístola. Seria de surpreender, isto sim, se o apóstolo tivesse endereçado a epístola de outra maneira. Dizer que eles não fossem a igreja em Roma é uma dedução sem fundamento ou doutrina estranha. Dizer que existiam vários grupos naquela grande cidade naquela época não é nem um pouco improvável, pois os versículos 14 e 15 do capítulo 16 parecem indicar grupos, e além disso há vários nomes registrados no capítulo, sem ligação com estes versículos ou com o versículo 5, onde ouvimos expressamente da assembleia na casa de Priscila e Áquila...
(...) Independente do número de grupos reunindo em Roma, todos os santos ali formavam a assembleia. Evidentemente era ‘a assembleia’ nesta casa e ‘a assembleia’ naquela casa, pois os santos como um todo constituíam ‘a assembleia em Jerusalém’, Éfeso, Roma, etc., como é o caso. Todos estavam sobre um mesmo terreno divino e isto nos diz respeito. Se tivessem existido ‘igrejas’ em Jerusalém, independentes entre si, cada uma delas não seria ‘A’ assembleia, mas ‘UMA’ assembleia aqui e outra ali, não em unidade, mas em independência, o que seria completamente contrário a todos os princípios da igreja de Deus”.
Extraído de www.stempublishing.com/authors/kelly:7subjcts/chuplace.html