Devo disciplinar meus filhos?

A sabedoria de Deus, expressa na sua Palavra, nem sempre é a mesma sabedoria dos homens. Enquanto o mundo moderno vai perdendo a noção da autoridade constituída e fazendo as pessoas acreditarem que cada um deve viver do jeito que quer, o cristão precisa estar atento para não se deixar levar pela “opinião pública”, mas deve buscar a “opinião divina”. E a opinião divina é clara: (Pv 13:24) “O que não faz uso da vara odeia seu filho, mas o que o ama, desde cedo o castiga”.

O versículo acima poderia muito bem ter sido a origem do ditado “é de pequenino que se torce o pepino”. A disciplina deve começar desde cedo, e por mais que seja doloroso para os pais e para os filhos, ela inclui a disciplina física, mas esta não deve ser a única forma de disciplina. Segundo a “opinião pública” o uso da vara é barbárie. Segundo a “opinião divina” é expressão de amor, e o não uso, aí sim uma expressão de ódio. (Pv 23:13) “Não retires a disciplina da criança; pois se a fustigares com a vara, nem por isso morrerá”.

Disciplina não é um fato isolado, mas um processo contínuo que não deve ser retirado da criança. Mas é preciso que os pais façam a lição de casa, isto é, estejam eles próprios sujeitos ao Senhor e à sua disciplina. Muitas vezes os pais exigem dos filhos algo que eles mesmos não estão dispostos a cumprir.

O objetivo da vara e da repreensão é tornar nossos filhos sábios, não revoltados, desanimados ou envergonhados. (Pv 29:15) “A vara e a repreensão dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma, envergonha a sua mãe. Por isso eles devem saber exatamente a razão da disciplina. Uma criança pequena que desenhe na parede pela primeira vez não está sendo indisciplinada, mas simplesmente não aprendeu ainda que lugar de desenhar é no papel. Discipliná-la por algo que ela ignora pode trazer confusão à sua mente e ela achar que o erro está em desenhar”.

Mas não raro ouvimos pais dizerem que bateram nos filhos toda a infância e de nada adiantou, por isso é importante lembrar mais algumas coisas sobre a disciplina, e para isso devemos buscar o exemplo divino. Como Deus faz para disciplinar seus filhos?

(Hb 12:6-9) “Porque o Senhor corrige o que ama, E açoita a qualquer que recebe por filho. Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois então bastardos, e não filhos. Além do que, tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e nós os reverenciamos; não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos?”.

Primeiro, a correção é expressão de amor, não de ódio ou vingança, e o ato de açoitar distingue um filho de um estranho. Eu nunca disciplinei fisicamente filhos de estranhos e nem deveria. A disciplina física é algo restrito à intimidade existente no seio familiar, portanto é sempre bom lembrar que disciplinar os filhos não deve ser um ato público, algo do tipo “Vejam todos, estou disciplinando meu filho!”. Alguns pais sentem-se no dever de expor publicamente a disciplina dos filhos, o que é um erro.

Quando a reprimenda ou o uso da vara se fizer necessário, os pais devem buscar um lugar longe dos olhares públicos, pois o objetivo é corrigir o filho, não proteger a reputação dos pais ou dar a eles oportunidade de se justificarem para os amigos. O filho disciplinado deve sentir vergonha do que fez, e não das pessoas que o viram sendo disciplinado. A exposição pública de um filho pode criar outros problemas às vezes mais sérios do que aquele que demandou a disciplina.

Outra razão para manter a disciplina física restrita ao círculo familiar e longe dos olhares públicos é que a legislação irá cada vez mais reprimir essa prática em função dos abusos. É uma medida extrema, algo como “matar a vaca para acabar com o carrapato”, transformando até mesmo os pais que disciplinam com amor e de forma bíblica em transgressores da lei e facínoras cruéis aos olhos da opinião pública.

Outro ponto importante da passagem é que a disciplina deve ser feita em amor, algo difícil para um pai ou uma mãe que sente o sangue subir à cabeça e acaba espancando os filhos como forma de extravasar sua própria ira, e não de corrigi-los.

Um detalhe que muitas vezes deixamos escapar é o da “vara”. A Palavra de Deus está falando da disciplina física e também de um instrumento de disciplina, não está falando das mãos. Usamos as mãos para acariciar nossos filhos e eles devem perceber isto desde cedo. Crianças que são espancadas com a mão costumam se afastar quando veem os pais se aproximarem com a mão aberta para acariciar. Elas acabam desconfiadas, sem saber se vem carinho ou palmada. Meus pais usavam cinto e chinelo. Da professora do primário eu ainda me lembro da régua, e não era para medir não! Com nossos filhos usávamos o chinelo, uma pequena régua ou espátula, raramente as mãos.

Uma dúvida que normalmente surge entre os pais é saber de que idade a Bíblia fala ao referir-se a “criança” nos versículos acima. A Palavra de Deus certamente faz diferença entre filhos crianças e filhos adultos, quando as admoestações, ao invés de serem dirigidas aos pais, são dirigidas aos filhos, já que eles têm idade suficiente para entender como devem se comportar. Embora a criança deva sempre obedecer, o filho adulto deve sempre honrar. (Ef 6:2-3) “Honra a teu pai e a tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa; para que te vá bem, e vivas muito tempo sobre a terra”.

Segundo a Bíblia, uma criança já é criança, portanto um ser humano e não um mero embrião ou feto, quando está no ventre, mesmo sem ter condições de praticar o bem ou o mal. “Porque, não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal... Foi-lhe dito a ela: O maior servirá o menor” (Rm 9:11-12).

Em Nm 14:29 são considerados responsáveis aqueles de 20 anos para cima, que foram avisados de que morreriam no deserto por conta de sua incredulidade. Certamente havia jovens com menos de 20 anos que também duvidaram, mas a passagem indica que eles não foram tidos como responsáveis como foram os adultos de 20 anos para cima. Outras passagens mostram que quando era feito o censo do povo de Israel eram considerados aqueles de 20 anos ou mais como adultos (Ex 38:26, Números 1, 2 Cr 31:17, Esdras 3:8). Deus não permitia que os menores de 20 anos fossem para a guerra (ao contrário do costume em nosso país, que determina 18 anos como a idade mínima para ser soldado).

Porém, embora exista esta grande divisão entre a infância e a idade adulta na Bíblia, encontramos também algumas distinções dentro dessa faixa de “infância”, como é o caso de reis (como Manassés) que começaram a reinar aos doze anos, provavelmente com a ajuda de algum tutor. Vemos Jesus sendo apresentado no Templo quando tinha doze anos e no judaísmo hoje é esta a idade em que o jovem é considerado responsável em termos de assumir compromissos em sua religião, como fazer leituras públicas.

As meninas em Israel eram consideradas fisiologicamente adultas por ocasião da primeira menstruação, quando estavam aptas a procriarem e, portanto, a se casarem. Este costume ainda prevalece em muitos países do oriente médio e em tribos indígenas, e podemos compreendê-lo melhor se considerarmos que a expectativa de vida nos tempos do Novo Testamento não ia muito além dos 40 anos (hoje gira em cerca de 70 anos). Portanto, se por um lado vemos no Antigo Testamento a idade adulta assinalada como 20 anos no sentido da responsabilidade civil, vemos uma fase adulta biológica e relacionada às coisas de Deus assinalada por volta dos doze anos.

Estas diferenças devem ser levadas em consideração também no modo como disciplinamos nossos filhos. Enquanto um bom diálogo pode funcionar com uma criança com mais de doze anos, ele será de pouco efeito em uma criança de dois. Ao mesmo tempo, a disciplina física, usada com maior frequência até os 6 ou 7 anos, pode ter sua eficácia anulada ou até invertida na adolescência.

A criança pequena tem um entendimento limitado das coisas e pode não fazer tanto efeito “ouvir” as consequências de sua desobediência como “senti-las”. Mas o adolescente é capaz de raciocinar mais sobre o que está acontecendo e pode acabar voltando-se contra os pais quando a disciplina for aplicada sem sabedoria. Quando insistimos em tratar nossos filhos adultos como crianças eles podem acabar também agindo como crianças, ou seja, não assumirem suas próprias responsabilidades.

Mas é importante que os pais entendam que para que os filhos cheguem à idade adulta sábios nas coisas de Deus, existe um exercício dos pais em constantemente colocarem seus filhos em contato com a Palavra de Deus, e isto desde a tenra idade. A mãe e a avó de Timóteo são exemplos neste sentido, não apenas em ensinar o menino, mas principalmente em serem sinceras e honestas em sua própria maneira de proceder, trazendo uma “fé não fingida”, ou seja, não vivendo de aparências como muitos cristãos fazem hoje em dia. É comum, principalmente entre as religiões mais legalistas, vermos filhos perceberem que seus pais só vestem a “roupa cristã” aos domingos, vivendo de forma mundana no dia-a-dia. Os filhos farão o mesmo por terem visto o exemplo dos pais, assim como fez Isaque, que mentiu à semelhança do que já tinha feito seu pai Abraão.

(2Tm 1:5) “Trazendo à memória a fé não fingida que em ti há, a qual habitou primeiro em tua avó Lóide, e em tua mãe Eunice, e estou certo de que também habita em ti”.

(2Tm 3:15) “E que desde a tua meninice sabes as sagradas Escrituras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus”.

Quando disciplinamos precisamos ter em mente que existem limites até mesmo para a forma de disciplinar. Os pais devem ser sábios para perceberem se a disciplina não está criando ira nos filhos, e também terem sempre em mente que é na admoestação DO Senhor que devemos discipliná-los, e não em nossa própria. Quero dizer, os filhos precisam ter em mente que se desobedeceram ou erraram, não foi apenas para com os pais, mas para com o Senhor. Se amanhã os pais falharem os filhos saberão que é ao Senhor que devem obediência e continuarão firmes neste propósito.

(Ef 6:4) “E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor”.

Toda disciplina deve ter uma continuidade de instrução, para que os filhos não desanimem. Se erraram, devem ser ensinados a agir da forma correta e depois elogiados por sua boa conduta diante de Deus. Filhos que só são repreendidos e nunca animados, encorajados ou consolados, acabam desanimando nas coisas do Senhor e se tornam apáticos.

(Cl 3:21) “Vós, pais, não irriteis a vossos filhos, para que não percam o ânimo”.

O próprio ministério da Palavra de Deus tem um triplo propósito para nossas vidas, que não é apenas de exortar (ou disciplinar), mas também de edificar e consolar. Devemos sempre agir equilibradamente do mesmo modo para com nossos filhos. Um banco de três pernas que tenha uma mais curta ou mais longa não servirá para muita coisa.

(1 Co 14:3) “Mas o que profetiza fala aos homens, para edificação, exortação e consolação”.

É preciso entender que Deus usa de diferentes meios para nos disciplinar, e nem todos eles envolvem dor física. Ele pode nos obrigar a seguir um rumo diferente do que planejamos ou nos privar de algo, ambas formas de disciplina que também podemos adotar para com nossos filhos. Às vezes somos colocados também em situações em que somos obrigados a engolir o que dissemos ou a desfazer o que fizemos, geralmente com algum prejuízo ou humilhação. Podemos usar da mesma sabedoria de Deus na hora de disciplinar nossos filhos, dependendo da idade e da situação.

Para bebês, a disciplina pode ser no sentido de distrai-los, ou seja, desviar sua atenção daquilo que estão fazendo errado para outra coisa. Nesta idade, aquilo que podemos às vezes interpretar como indisciplina pode ser apenas curiosidade e desejo de explorar. Por exemplo, um bebê joga no chão algo que quebra. Ele ainda não entende o valor das coisas e pode até achar interessante seu experimento e o barulho que fez. É preciso sabedoria para aplicar uma disciplina educativa, mais que punitiva.

Em casa costumávamos repreender no sentido de educar quando as crianças faziam algo por desconhecerem o que era o certo, e só aplicar disciplina física quando havia um deliberado desafio à autoridade. Por exemplo, a criança deixar cair um copo era um acidente. A criança jogar um copo depois de ter aprendido a não fazer aquilo era desobediência. A tentativa de colocar a mão onde não devia era interrompida com uma advertência do tipo “Não coloque a mão aí”. Uma segunda tentativa, com aquele olhar do tipo “coloco a mão e quero ver o que você faz” era repreendido com uma boa e solene disciplina física. A régua saía da gaveta.

Outra coisa que tomávamos o cuidado era de nunca fazer ameaças que não fossem cumpridas, tipo “se fizer isso vai apanhar” e depois não dar em nada. O importante é sempre fazer valer a disciplina prometida o quanto antes (se possível imediatamente, a menos que esteja em local público) e deixar claro que ela vem pela desobediência a Deus, de quem os pais são representantes naquele momento como autoridades constituídas. Se os filhos não aprendem a se sujeitar à autoridade dos pais não aprenderão a obedecer outras autoridades constituídas por Deus, como professores, policiais e juízes. Finalmente terão de se sujeitar à autoridade do carcereiro.

Às vezes uma forma de disciplina inclui privar a criança de certos privilégios ou tirar algo dela, como tempo de brincar, um brinquedo ou uma guloseima à qual esteja habituada. O cancelamento de um passeio programado também pode ser uma boa forma para a criança aprender causa-efeito. É claro que isto não irá funcionar com crianças muito pequenas que ainda não entendem, mas é uma boa maneira de se aplicar disciplina para casos mais leves e com sentido corretivo. É o que costumamos chamar de “ficar de castigo”.

Outra forma de disciplina é deixar a criança sofrer as consequências de seus atos. Por exemplo, uma criança que se recusa a comer pode estar precisando aprender que a falta de comida traz fome, então é hora de treiná-la neste sentido. Isto funciona bem dos dois anos para cima, quando a criança já tem um certo entendimento. Nesta categoria para crianças maiores pode-se incluir também o trabalho, ou seja, sujou a parede agora vai ter que pintar; derramou algo no chão, vai ter que limpar.

Como pode ver, nem sempre é preciso usar de medidas drásticas como a vara quando temos outras soluções à mão. Mesmo assim, a disciplina física é bíblica, porém é sempre bom entender que não deve ser uma forma de os pais extravasarem sua ira. Finalmente, nada disso pode ser feito sem oração e amor, entendendo sempre que Deus disciplina ao filho a quem ama e devemos agir também assim.

Haverá um momento em que os filhos serão exortados a honrar os pais, por terem atingido a idade adulta, e não mais a obedecerem aos pais como quando eram crianças. Eles talvez constituam suas próprias famílias e terão seu próprio caminho a seguir e serão devidamente disciplinados por Deus quando necessário. Aí então valerá o que os pais do cego de nascença dizem em João 9:21: “Idade tem; falará de si mesmo”. Então, quando chegarem a esta idade e estiverem sofrendo as consequências de seu viver indisciplinado, talvez se lembrem de quão bom e seguro era ter alguém que zelava por eles e colocava limites no caminho em que deviam andar, às vezes em meio a dor, lágrimas e orações. Afinal, o fim do filho desobediente não é algo que a Bíblia descreva com palavras agradáveis:

(Pv 30:17) “Os olhos que zombam do pai, ou desprezam a obediência à mãe, corvos do ribeiro os arrancarão e os filhotes da águia os comerão”.