Quando a pessoa recebe o Espírito Santo?

A rigor recebemos o selo do Espírito Santo quando cremos em Cristo, pois é o que afirma Efésios 1:13 “...em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa”. Mas como o caráter da epístola aos Efésios é das coisas já definidas (ali somos vistos como já ressuscitados e assentados com Cristo nos lugares celestiais) acredito que podemos olhar melhor para ao menos três elementos envolvidos na conversão: o novo nascimento, o crer em Jesus e a consciência de perdão e libertação, que talvez seja quando efetivamente recebemos o Espírito para habitar em nós. Este comentário de William Kelly sobre Lucas 11:13 explica algo disso:

(Lc 11:13) “Pois se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?”.

“Devemos nos lembrar de que os discípulos ainda não tinham o Espírito Santo. Eles eram nascidos do Espírito, mas isto é algo completamente diferente de se desfrutar do dom do Espírito. Receber o Espírito Santo é algo que sobrepuja e vai além da conversão e do novo nascimento; não se trata de ter vida, mas de ter poder; um privilégio acrescentado à possessão da nova natureza, e o principal ou único meio de se desfrutar de Deus em conformidade com todos os instintos dessa nova natureza e, consequentemente, de se entrar na sabedoria de Deus contida em sua Palavra. Este é o mais rico e distintivo dom do cristianismo na terra, já que Cristo nas alturas, a cabeça à qual estamos unidos como seu corpo, é a principal característica no céu. Nenhum destes privilégios era ainda verdadeiro; ninguém jamais havia desfrutado disso desde o princípio do mundo”.

“Por isso os discípulos foram encorajados a pedirem a seu Pai celestial, que certamente daria o Espírito Santo àqueles que lhe pedissem. Os discípulos assim continuaram em oração, como encontramos em Atos 1:14, de modo que até mesmo após o Senhor ter morrido e ressuscitado eles ainda não tinham recebido o Espírito Santo mencionado nesta passagem; eles continuavam esperando. Todavia eles já haviam recebido o Espírito na forma de uma vida mais abundante, como o poder da vida ressurreta de Cristo; porém o dom do Espírito era algo mais. Tratava-se de ser habitado pelo Espírito de Deus, que também se manifestaria na forma de diferentes dons nos membros do corpo e, acima de tudo, os batizaria em um só corpo. Tudo isso foi cumprido, mas não antes de Pentecostes. Por isso eles aqui nesta passagem deveriam rogar a seu Pai celestial, e assim fizeram, e o Espírito Santo da promessa lhes foi dado conforme o Salvador havia prometido”.

“Não posso deixar de pensar que existiriam casos em que seria correto pedir [o Espírito Santo] ao Pai. Falo das pessoas que, assim como os discípulos, tenham se convertido, mas ainda não estejam sujeitas à justiça de Deus, que ainda não tenham consciência do descanso na obra da redenção. Em uma condição assim seria temerário dizer que elas já tenham recebido o Espírito Santo se ainda não desfrutam de paz com Deus. Quando existe um simples descanso pela fé na grandiosa obra do Senhor Jesus, e não meramente fé em sua Pessoa, aí o Espírito Santo é dado. Onde o sangue era aplicado, o azeite vinha a seguir, segundo as figuras de Levítico” - W. Kelly “An Exposition of the Gospel of Luke”.

A princípio (e pensando novamente em Efésios 1), para um crente hoje pedir pelo Espírito Santo seria como eu faço às vezes, saindo pela casa procurando por meus óculos (adivinhe onde descubro que estavam? bem sobre o nariz!). Mas o que W. Kelly está dizendo é que podem existir pessoas convertidas que ainda não desfrutam da liberdade e certeza do perdão de seus pecados, e neste caso elas podem ainda não ter recebido o Espírito.

Há três estágios que não necessariamente acontecem com algum intervalo de tempo:

  1. Novo nascimento, que é quando o Espírito Santo infunde vida numa alma para ela sentir o seu pecado e buscar salvação. Este era o caso de Cornélio, um homem temente a Deus (de onde viria esse temor se ele não tivesse vida, já que o homem morto em delitos e pecados não busca a Deus?). Entendo que o novo nascimento vem antes mesmo de crermos, porque é ele que irá nos capacitar a crer. No novo nascimento, que é gerado pela água (a Palavra) e pelo Espírito, nós recebemos vida espiritual, isto é, a capacidade de vivenciar o que está além da matéria. Mas ainda não é vida eterna, porque esta vida está no Filho de Deus e no diálogo com Nicodemos o Senhor só fala da “água” (Palavra) e do Espírito. Essa mesma água é a que nos purifica e nos prepara para o que vem depois, como na lavagem com água pela Palavra em Efésios 5. Pense nas bodas de Caná: primeiro vem os servos (figura do Espírito) e enchem as talhas de pedra de água. Aí vem Jesus e faz o milagre transformando a água em vinho. O contato com a Palavra de Deus aplicada pelo Espírito é o que nos faz nascer de novo. Não sei se seria correto dizer que a pessoa precisa crer para nascer de novo, porque o novo nascimento não depende da pessoa, como o nascimento não depende da vontade do bebê.

  2. Conversão, que é quando a pessoa crê em Jesus. Mas este estágio, em que a pessoa tem vida e é convertida, pode ser o que Paulo descreve em Romanos 7 até o versículo 24, “miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?”. Ele tem vida (ou não perceberia que em sua carne nenhum bem há), é atribulado pelo pecado não confessado, mas não se sente liberto porque não entendeu que a justiça de Deus já condenou a Cristo, e, portanto ele não será condenado.

  3. O versículo 25 é o brado de vitória e libertação e talvez esteja aí a diferença, que é quando o Espírito Santo vem habitar na alma e dá aquela certeza inabalável de perdão de pecados que você encontra até no crente que só dá nota fora, que fica atribulado por perder sua comunhão com Deus, mas que em nenhum momento coloca em dúvida a certeza de sua salvação.

Veja que escrevo sempre “talvez” porque não podemos querer criar um processo já que Deus pode fazer as três coisas imediatamente no momento em que uma alma é vivificada pelo Espírito, e ao mesmo tempo crê no Salvador e recebe o Espírito Santo que lhe dá a certeza da vida eterna. Infelizmente, porém, muitos dos cristãos que encontramos estão vivendo uma vida miserável de incerteza, achando que podem perder a salvação a qualquer momento, porque não entenderam o caráter definitivo da obra de Cristo e do sangue derramado na cruz. É na condição de alguém totalmente consciente de sua libertação completa que lemos a continuação de Romanos:

(Rm 7:25) “Dou graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor. Assim que eu mesmo com o entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado”.

(Rm 8:1-3) “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte. Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado”. (Usei a versão Revista e Atualizada porque está mais exata no versículo 8:1, onde na versão Corrigida a frase condicional “que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito” não existe nos melhores manuscritos).

Para complementar, entendo que ainda que possam existir esses diferentes estágios na conversão, isto não significa que alguém que tenha passado pelo novo nascimento venha a sucumbir no meio do caminho, porque “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1:6). A diferença é que alguns passam a vida privados de experimentar o pleno perdão de seus pecados e desfrutar da liberdade dos filhos de Deus. Estes pensamentos podem causar estranheza em alguns, e pode ter a certeza de que comigo não foi diferente. Por ter algum background arminiano, briguei muito antes de aceitar que o novo nascimento não dependia de mim, tanto quanto não depende do bebê que nasce.

Observe que estou falando aqui daqueles que verdadeiramente são nascidos de novo (como Cornélio) e não de pessoas que se aproximam, não de Deus, mas das coisas de Deus por curiosidade (muitos são assim) ou interesses intelectuais e acadêmicos. Estes nunca nasceram de novo, independentemente do quão avançado possam parecer estar em sua carreira de profissão cristã. É por isso que os seminários estão cheios de professores de teologia destituídos de vida que são totalmente céticos em relação às Escrituras, colocando mil e uma objeções à sua validade. Aprenderam as Escrituras, adotaram alguma linha teológica, mas não têm vida. Nunca nasceram de novo, nunca experimentaram o arrependimento que vem de Deus e sequer são habitados pelo Espírito Santo de Deus.