O amor ensina a não julgarmos?
O julgamento aparece em muitas formas na Bíblia e seria errado deixá-lo de lado. Devemos julgar o mal, tanto individualmente quanto em assembleia. O que somos exortados a não fazer é julgar a pessoa, seu coração e motivos, pois são coisas que Deus julga, pois é quem conhece os corações. Mas os Atos e palavras devem ser objeto de nosso julgamento. Alguns exemplos de julgamento que os cristãos devem fazer, tanto individualmente quanto em assembleia:
(Jo 7:24) “Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça”.
(1 Co 6:2-5) “Não sabeis vós que os santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundo deve ser julgado por vós, sois, porventura, indignos de julgar as coisas mínimas? Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas pertencentes a esta vida? Para vos envergonhar o digo: Não há, pois, entre vós sábios, nem mesmo um, que possa julgar entre seus irmãos?”
(1 Co 5:12-13) “Porque que tenho eu em julgar também os que estão de fora? Não julgais vós os que estão dentro? Mas Deus julga os que estão de fora. Tirai, pois, dentre vós a esse iníquo”.
(1 Co 10:15) “Falo como a entendidos; julgai vós mesmos o que digo”.
(1Ts 5:21) “Examinai tudo. Retende o bem”.
(1 Co 14:29) “E falem dois ou três profetas, e os outros julguem” (o que foi falado).
Muito do mal que existe hoje na cristandade foi admitido sob o pretexto do amor. Assim é comum encontrarmos grupos de cristãos em comunhão lado a lado numa mescla que inclui aqueles que procuram sinceramente levar uma vida de santidade e os que vivem abertamente em prostituição, adultério, roubalheiras, corrupção, etc.
Um versículo muito usado para permitir tal coisa é o de 1 Coríntios 11:28 “Examine-se, pois, o homem a si mesmo” e outros que falam do juízo próprio. Certamente deve existir juízo próprio, mas quando este falha entra em cena o julgamento de uma autoridade superior.
Não é diferente do que fazemos na sociedade. Alguém que não julga a si mesmo e passa a praticar delitos acaba sendo julgado pelo Estado, que tem autoridade para tanto. Normalmente, a punição é privar aquela pessoa do convívio da sociedade, o que é feito pela prisão do malfeitor. A assembleia (ou igreja) recebeu do Senhor autoridade para julgar os que estão em pecado, e a punição aplicada também é privá-los do convívio com os irmãos.
(Mt 18:17) “... E, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano”.
(1 Co 5:11-13) “Mas agora vos escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais. Porque, que tenho eu em julgar também os que estão de fora? Não julgais vós os que estão dentro? Mas Deus julga os que estão de fora. Tirai, pois, dentre vós a esse iníquo”.
É evidente que a assembleia não vai prender a pessoa em pecado, mas os irmãos se manterão a parte dela, salvo dois ou três irmãos responsáveis que poderão visitá-la em um caráter de pastoreio, tentando fazê-la cair em si, se arrepender e ser restaurada à comunhão. Parece ter sido assim o que aconteceu com o homem de 1 Coríntios 5, que acabou repreendido por todos e separado da comunhão, para mais tarde ser restaurado conforme lemos na segunda epístola.
(2 Co 2:6-8) “Basta-lhe ao tal esta repreensão feita por muitos. De maneira que pelo contrário deveis antes perdoar-lhe e consolá-lo, para que o tal não seja de modo algum devorado de demasiada tristeza. Por isso vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor”.
Outro argumento usado para justificar que pessoas em pecado continuem em comunhão com os irmãos costuma ser o de que Jesus também comia com pecadores. Mas a questão é que ele fazia isso com incrédulos no intuito de conduzi-los ao arrependimento. É o que fazemos quando levamos o evangelho a todas as pessoas sem distinção. Mas uma vez congregados em assembleia ou igreja o assunto passa a ser o da comunhão dos santos. Aí deve existir uma clara separação (santificação) prática, tanto da má doutrina como dos vasos (pessoas) vivendo em pecado.
(2Tm 2:19-21) “Todavia o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade. Ora, numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra. De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra”.
O zelo para com as coisas do Senhor deve existir também com respeito aos que visitam a assembleia, usando o princípio da “guarda dos portões” que encontramos em Neemias 7. Numa época de tamanha corrupção do cristianismo, não raro as assembleias acabam sendo visitadas por pessoas contaminadas até o pescoço de má doutrina, legalismo e outros problemas. Como proceder? Obviamente eles não devem ter comunhão à mesa do Senhor até que sejam bem conhecidos dos irmãos quanto às suas práticas de vida, doutrina e associações.
(Ne 7:1-3) “Sucedeu que, depois que o muro foi edificado, eu levantei as portas; e foram estabelecidos os porteiros, os cantores e os levitas. Eu nomeei a Hanani, meu irmão, e a Hananias, líder da fortaleza, em Jerusalém; porque ele era homem fiel e temente a Deus, mais do que muitos. E disse-lhes: Não se abram as portas de Jerusalém até que o sol aqueça, e enquanto os que assistirem ali permanecerem, fechem as portas, e vós trancai-as; e ponham-se guardas dos moradores de Jerusalém, cada um na sua guarda, e cada um diante da sua casa”.
Neemias é o livro que fala da construção do muro de separação entre o que era de Deus e o que pertencia ao mundo. Havia um muro e havia portas, as quais só eram abertas quando o sol estivesse a pino para que não existisse sombra alguma de dúvida quanto a quem iria entrar. Quem chegasse a Jerusalém no fim da tarde, durante a noite ou início da manhã era obrigado a acampar fora dos muros da cidade até que os guardas pudessem ter uma visão clara de quem iria entrar.
Se meu pai estivesse vivo diria que isto era o equivalente ao ditado antigo que dizia que para se conhecer bem uma pessoa é preciso “fumar um rolo de fumo e comer um saco de sal” com ela. Antigamente o tabaco era vendido em rolos (para fazer cigarros de palha) e é evidente que isto mostra que é preciso tempo para se conhecer alguém muito bem.
Alguém que hoje acabe de chegar a uma reunião e se declare cristão pode estar vivendo em pecado, e se ninguém o conhece na vida diária não há como saber. Ou pode ser alguém de uma religião que fale dos evangelhos, mas negue a divindade de Cristo, como Espíritas, Testemunhas de Jeová e Mórmons. Ou ainda pode estar associado a algum tipo de ocultismo e espiritualismo, como ser membro de uma sociedade secreta, por exemplo.
Uma maneira simples e prática de se saber se uma assembleia de cristãos obedece ao princípio bíblico da santidade ou separação na casa de Deus, é perguntar: “Pessoas em pecado são excluídas da comunhão?”. Se a resposta for não, afaste-se dali para não ser culpado de associação. Este princípio de separação para se evitar cumplicidade pode ser encontrado nesta passagem:
(Ap 18:4) “E ouvi outra voz do céu, que dizia: Sai dela, povo meu, para que não sejas participante dos seus pecados, e para que não incorras nas suas pragas”.
O cuidado com os que chegam trazendo má doutrina, que não era tão necessário no início da igreja, foi previsto pelo apóstolo Paulo para o tempo depois de sua partida (e dos outros apóstolos).
(Atos 20:29-31) “Porque eu sei isto que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho; E que de entre vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si. Portanto, vigiai, lembrando-vos de que durante três anos, não cessei, noite e dia, de admoestar com lágrimas a cada um de vós”.
Os lobos seriam os incrédulos vestidos em pele de cordeiro com o intuito de destruir o rebanho, e os homens falando coisas pervertidas seriam os que chegariam com espírito de líderes em busca de seguidores (estes geralmente gostam de apresentar credenciais e falam de sua bagagem intelectual, cursos de teologia, etc.). Eles certamente apareceriam e os irmãos deviam estar preparados para reconhecê-los e rechaçá-los. Se no início da igreja ficava muito claro quem chegava carregando uma bagagem de judaísmo, e para isso foram dadas as epístolas aos Gálatas e aos Hebreus, hoje a dificuldade é maior, pois a cristandade se afastou de tal maneira da Palavra de Deus que nem sempre é fácil distinguir quem é ovelha e quem é lobo.
Algumas assembleias já passaram a experiência de serem visitadas por alguém se dizendo irmão, mas que logo exibiu suas garras de lobo ao perceber que não poderia ministrar a Palavra ou participar da ceia do Senhor sem ser bem conhecido de antemão pela assembleia. Para evitar discussões que irão contaminar os ouvintes, uma boa forma de agir em casos assim é um ou dois irmãos convidarem a pessoa para uma conversa fora do local de reunião (salão, casa, etc.) e, uma vez lá fora, deixar claro que sua permanência ali não é bem vinda e despedi-la.
É claro que alguns irão protestar, dizendo que um modo de agir assim não é nada democrático, e têm razão, pois a assembleia não é uma democracia. Outros dirão que é falta de amor, mas isso é por não entenderem que o amor nunca deve caminhar divorciado da verdade. Um pai que deixa de disciplinar um filho errado alegando que não o faz por amor está criando um bastardo. (Hb 12:8) “Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois então bastardos, e não filhos”. Ao falar de João, H.H. Snell comenta: “É notável que o mesmo apóstolo que foi inspirado a escrever de forma tão enfática a respeito da verdade tivesse sido o instrumento empregado a escrever tão detalhadamente sobre o amor. O fato é que não podemos realmente ter verdade sem amor, ou amor sem verdade. Ambos estão perfeitamente mesclados em Cristo”.