Preciso me esforçar para ser salvo?
Sempre devemos ter em mente duas coisas: quando uma verdade é declarada numa passagem da Palavra de Deus, outra passagem não poderá contradizê-la. Outra é procurarmos entender as circunstâncias em que as coisas foram ditas, a quem, com que motivo, etc.
(Lc 13:23-24) “Alguém lhe perguntou: “Senhor, serão poucos os salvos? “Ele lhes disse: esforcem-se para entrar pela porta estreita, porque eu lhes digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão”.
A primeira impressão que a passagem dá é de que o esforço humano é que nos salva, ou seja, se eu for salvo poderei dizer que foi por eu ter me esforçado. Porém sabemos bem que nada em nossa salvação vem de nós, ou poderíamos nos gloriar em nós mesmos. O catolicismo romano e boa parte do protestantismo acredita na salvação por obras, ainda que os protestantes preguem a salvação pela fé. É que, principalmente os pentecostais, acreditam que somos salvos pela fé, mas só podemos nos manter salvos pelas obras, obediência, perseverança, etc.
A passagem abaixo mostra claramente que a salvação é pela graça, pela fé, não depende de nós, é presente de Deus, não depende de obras (para ninguém poder se gloriar que foi salvo por seus esforços), e que os salvos são nova criação em Cristo para viver e praticar boas obras que nem são suas, mas de Deus, que as preparou para nós as praticarmos.
(Ef 2:8-10) “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas”.
Então que esforço é este que está falando Lucas, para entrar pela porta e caminho estreitos? É o esforço do querer estar nessa salvação que Deus preparou de graça, e é aí que entra a necessidade de entendermos as circunstâncias do que foi dito.
Se ler os versículos anteriores de Lucas 13 verá que o Senhor está ensinando a respeito do Reino de Deus. O conceito de “salvação” para um judeu não era o mesmo que temos hoje como igreja, de irmos morar no céu com Cristo. Para um judeu salvação significava viver para sempre no reino do Messias na terra.
Veja o caso de Mateus 24, que descreve o remanescente de judeus convertidos durante o tempo da tribulação após o arrebatamento da igreja. Ali diz que “aquele que perseverar até o fim será salvo” (Mt 24:13). Mas que salvação é essa? A resposta está no mesmo capítulo, versículo 22: “se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma carne se salvaria; mas por causa dos escolhidos serão abreviados aqueles dias”. O contexto todo está falando de uma salvação da vida, da pessoa ser salva da morte (em meio a toda a tribulação descrita na passagem) para poder entrar viva no reino do Messias.
Voltando ao capítulo 13 de Lucas você encontra os judeus querendo insinuar que os galileus, que tinham sido mortos por Pilatos, sofreram aquilo por serem pecadores, e o Senhor mostra que eles não eram nem um pouco menos pecadores do que os outros e sem arrependimento seriam igualmente condenados (vers. 1-3). Depois ele fala a mesma coisa referindo-se a outros que morreram na queda de uma torre (vers. 4-5).
Em seguida ele fala de Israel, representado pela figueira, que há 3 anos não dava fruto para o dono da terra. Para evitar cortá-la de imediato, o dono da terra ordena que ela fique mais um ano para ver se produz fruto.
O capítulo segue falando de Israel, agora representado pela mulher encurvada há 18 anos. Por que achar que a mulher representa Israel? Romanos 11:10 diz, falando de Israel: “Escureçam-se os seus olhos, para que não consigam ver, e suas costas fiquem encurvadas para sempre”. A passagem segue com a indignação dos judeus por Jesus ter curado no sábado e depois vem as comparações que ele faz com o Reino de Deus.
Primeiro o Reino é semelhante a um grão de mostarda que dá uma grande árvore em cujos ramos os pássaros se aninham. em Mateus 13 aprendemos que esses pássaros são os mesmos agentes de satanás que roubaram as sementes que o Semeador semeou e caíram à beira do caminho, portanto o reino, em seu aspecto atual, inclui falsos e verdadeiros. (Veja Mateus 13:4-19)
Depois o reino é comparado à mulher (uma pessoa que não poderia ensinar - 1 Timóteo 2:12) introduzindo fermento (figura de má doutrina, como o próprio Senhor explica em outra passagem - Mateus 16:12) na massa que acaba crescendo artificialmente.
É na sequência, em seu caminho para Jerusalém, que alguém pergunta se serão poucos os que se salvarão e o Senhor não responde à pergunta dele, mas fala à consciência. Eu creio que o Senhor não diz “serão poucos” ou “serão muitos” porque não era importante aquela pessoa saber, já que é uma pergunta que só serve para a curiosidade. Que vantagem tal pessoa teria em saber se são poucos ou muitos?
Se estivermos falando de salvação eterna, a Bíblia deixa claro que serão muitos, pois os perdidos não serão em maior número que os salvos porque a própria Palavra diz que Cristo terá, em tudo, a primazia. Ele não daria ao inimigo a primazia de ter arrastado mais pessoas à perdição do que Cristo à salvação.
(Cl 1:18) “E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência”.
Além disso devemos considerar o número de fetos provenientes de abortos naturais ou não, e também de crianças que morrem antes da idade da razão. Todos esses são seres humanos, não são anjos como dizem alguns, mas seres humanos salvos pela obra de Cristo, o mesmo que disse para seus discípulos não impedirem as crianças de irem a ele.
Chegamos então ao versículo que diz para entrarmos pela porta estreita e se fizermos uma conexão com tudo o que foi dito antes perceberemos que os judeus se achavam justos por natureza, dignos de entrarem no Reino só pelo fato de serem filhos de Abraão, de serem judeus, de acharem que guardavam a Lei, etc. Era como se eles dissessem: eu não preciso fazer nada, porque já tenho meu lugar garantido por meu status de filho de Abraão.
Porém a conversão exige uma tomada de posição, exige estar disposto a sair da zona de conforto do caminho largo e se colocar disposto a cumprir a condição de um relacionamento estreito com Deus. Mesmo assim não devemos nunca nos esquecer de que nem esta disposição vem de nós mesmos, mas de Deus.
(Fp 2:13) “Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade”.
Usando de um outro exemplo, imagine o caminho largo e a porta larga como a condição natural do homem, ou seja, do que diz “vamos deixar do jeito que está para ver como fica”. Pense agora na porta ou caminho estreitos como uma mudança de posição, algo que nossa velha natureza não aprecia porque avalia as consequências disso e percebe que poderá perder amigos, prazeres humanos, ser perseguido por sua fé, etc.
Volto a lembrar: se temos tantas passagens que falam claramente que a salvação é por graça, que somos escolhidos antes da fundação do mundo e que ninguém pode nos tirar das mãos do Pai que nos deu a Cristo, não poderíamos interpretar esta passagem como se a salvação fosse por esforço e que assim que saíssemos do caminho estreito estaríamos automaticamente perdidos, como se fôssemos nós mesmos os geradores e mantenedores de nossa salvação. Pensar assim é colocar a fé na capacidade humana, e não na graça de Deus, na obra de Cristo e no poder do Espírito em nos manter.
(Ef 1:13-14) “Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa. O qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão adquirida, para louvor da sua glória”.
(1 Pe 5:10) “E o Deus de toda a graça, que em Cristo Jesus vos chamou à sua eterna glória, depois de haverdes padecido um pouco, ELE MESMO vos aperfeiçoará, confirmará, fortificará e fortalecerá”.
Mais um pensamento: se você me perguntar por que a porta e o caminho são estreitos eu poderia também responder que é por só existir uma porta e um caminho, Jesus. O acesso a qualquer lugar que só tenha uma porta pode muito bem ser chamado de “estreito” e considerar a necessidade de “esforço” para passar por ali, já que a alternativa (qualquer outra porta ou caminho) não servirá.