Sou iníqua por não estar em comunhão?

Sua dúvida se refere ao tempo em que aguarda ser recebida à comunhão à mesa do Senhor, já que pediu seu lugar há algum tempo e ainda não viu os irmãos se manifestarem. Você leu 1 Co 5 e viu várias coisas ali falando dos “de fora” e isso a desanimou. Entre elas está a exortação para que “com o tal nem ainda comais” (1 Co 5:11), que achou fosse o seu caso. Me parece que você deixou passar algo sobre estes com os quais não devemos nem comer: “Já por carta vos tenho escrito, que não vos associeis com os que se prostituem... que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais” (1 Co 5:9-11).

O assunto de 1 Coríntios 5 não é a recepção de alguém à mesa do Senhor, mas a exclusão de alguém que, pelo seu andar, revela que pode ser um falso irmãos. Daí ser excluído. É aquele cuja boca diz uma coisa, mas a vida mostra outra. Então não deve ser considerado irmão. Este é o assunto explícito do capítulo. Apesar de ali termos princípios que também podem ajudar na recepção à mesa, o “com o tal nem ainda comais” obviamente não se refere àqueles que expressaram o desejo de estar em comunhão mas ainda não foram recebidos à mesa.

Alguém que pede o seu lugar à comunhão é um caso completamente diferente e a assembleia procura conhecer o irmão ou irmã melhor para ver se não está em pecado moral, doutrinal ou importando usos e costumes do arraial religioso, um problema que era menor no início, porém se agravou depois.

Além disso é preciso saber se a pessoa entende o princípio de autoridade, pois se não entender certamente criará problemas mais tarde. Como lidar com alguém que não aceita a autoridade do Senhor delegada à assembleia nem mesmo enquanto aguarda para ser recebida à comunhão? O que essa pessoa fará se porventura vier a cair em pecado? É comum pessoas assim, quando advertidas ou disciplinadas pela assembleia, saírem para não voltarem mais. Alguns, que trazem um espírito de liderança, podem até sair arrastando discípulos, e tudo começou por terem colocado em dúvida a autoridade do Senhor na assembleia.

Muitas divisões entre os irmãos já foram causadas simplesmente pelo não reconhecimento da autoridade do Senhor dada à assembleia. Geralmente é alguém que é disciplinado e silenciado ou colocado fora de comunhão e acaba angariando a simpatia dos descontentes, criando assim um grupo em torno de si.

Alguns contestam que a assembleia tenha poder e autoridade para julgar quem deve ou não ser recebido à comunhão, alegando que isso seria ficarmos dependentes de julgamento humano. Mas nós estamos sim sujeitos ao julgamento humano, na assembleia e em muitas outras áreas da vida, porque foi assim que Deus estabeleceu. Há inúmeras passagens na Palavra em que Deus mostra que delega o governo a homens, começando por Adão no Éden, depois por Noé, que recebeu de Deus poder de vida e morte sobre seus semelhantes, e vai até os nossos dias. Para isso temos pais, professores, gerentes, prefeitos, governadores, presidentes, reis, juízes, etc.

Seria interessante você ler alguma coisa sobre autoridade, em especial sobre a autoridade que o Senhor delegou à assembleia para julgar e “ligar ou desligar”. Se o Pai no céu acata o que é ligado e desligado pela assembleia, quem somos nós para questionar isso? Não confunda autoridade com infalibilidade.

(Mt 18:18-20) “Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu. Também vos digo que, se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles”.

(1 Co 6:2-3) “Não sabeis vós que os santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundo deve ser julgado por vós, sois porventura indignos de julgar as coisas mínimas? Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas pertencentes a esta vida?”.

Só mais uma coisinha que me ocorreu. Participamos da ceia do Senhor para atender ao seu pedido, e não para obtermos algo para nós. De nossa parte a responsabilidade está em pedir o lugar à comunhão. Da parte da assembleia, sua responsabilidade é examinar a situação e conceder acesso à mesa do Senhor. Uma vez feita a sua parte, que é desejar e pedir, você já fez a vontade do Senhor, e é isto o que importa e o que ele requer de você. Agora cabe aos irmãos que julgam seu pedido fazerem eles também a vontade do Senhor. Lembre-se: é para ele que você deve partir o pão. O versículo diz “fazei isto em memória de MIM”, e não “fazei isto em memória de SI”.

Mas não se engane pensando que o fato de ser recebida à comunhão fará de você uma pessoa mais abençoada ou mais espiritual em seu andar. Enquanto você precisar carregar sua velha natureza sempre correrá o risco de falhar, a menos que ande em Espírito para não satisfazer as concupiscências da carne. A velha natureza nunca melhora porque é má até o miolo, e a nova nunca melhora porque é perfeita, por vir de Deus. Então é preciso deixar de dar lugar à carne e permitir que seja o Espírito Santo o controlador de sua vida.

Mas a espera para sermos recebidos à comunhão também serve para aprendermos a esperar, algo que odiamos fazer. A cada dia eu aprendo um pouco mais da importância da autoridade delegada. O guarda pode me multar, mesmo sem ter a formação que tenho, porque ele tem autoridade delegada pelo estado (ao qual estou sujeito). Mas o guarda pode me multar errado e eu não posso fazer nada contra ele ou sua autoridade. O que posso é apelar para uma autoridade superior, e é assim também nas coisas de Deus.

Há situações quando o julgamento da assembleia falha (autoridade não é sinônimo de infalibilidade) e a opção do que é prejudicado por tal julgamento não é se opor à autoridade do Senhor na assembleia, mas apelar para o próprio Senhor em oração, a Autoridade superior, o “Supremo Tribunal Celestial”. Uma vez li uma história de um médico que disse a uma enfermeira crente que até o Deus dela sabia o quanto ela estava sendo injustiçada em seu emprego. Ela respondeu a ele: “E é nisso que eu descanso. Deus sabe”.

(1 Pe 4:1-2) “Ora, pois, já que Cristo padeceu por nós na carne, armai-vos também vós com este pensamento, que aquele que padeceu na carne já cessou do pecado; para que, no tempo que vos resta na carne, não vivais mais segundo as concupiscências dos homens, mas segundo a vontade de Deus”.

Isto quer dizer que o crente pode escolher entre pecar ou sofrer. Pecamos quando deixamos a carne assumir a dianteira, voltando àquele que sempre foi nosso modo de ser. Mas sofremos na carne (nosso orgulho, vontade própria, etc.) quando vivemos segundo Deus.

Li um comentário dessa passagem que diz: “Quando um crente deliberadamente escolhe sofrer a perseguição como cristão ao invés de continuar numa vida de pecado, ele “cessou do pecado” (algo como “deu um basta no pecado”). Isto não significa que ele já não cometa pecados, mas que o poder do pecado em sua vida foi quebrado. Quando alguém sofre por se recusar a pecar, já não é mais controlado pela vontade da carne.”