Lembraremos no céu o que passamos na terra?
Sim, a Bíblia apresenta muitas evidências de que continuaremos a ser as pessoas que fomos na terra, obviamente ressuscitados ou transformados, mas com nossa individualidade preservada. Portanto nos lembraremos de pessoas e eventos de nossa vida aqui, mas é preciso lembrar que faremos isto com uma mente perfeita, e não mais sujeita às apreensões, medos, remorsos, tristezas, etc.
Em Ap 6:9-11 os mártires se lembram muito bem do que aconteceu na terra e do sofrimento que passaram. O que ocorre é uma mudança de perspectiva no modo como enxergamos as coisas, mas não sofreremos uma lavagem cerebral que venha a apagar nossas memórias.
(Ap 6:9-11) “Quando ele abriu o quinto selo, vi, debaixo do altar, as almas daqueles que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam. Clamaram em grande voz, dizendo: Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra? Então, a cada um deles foi dada uma vestidura branca, e lhes disseram que repousassem ainda por pouco tempo, até que também se completasse o número dos seus conservos e seus irmãos que iam ser mortos como igualmente eles foram”.
Quando Babilônia é julgada e destruída, a grande meretriz de Apocalipse, que representa o sistema religioso que virá a perseguir e martirizar os santos terrenos durante a grande tribulação, encontramos um clamor para que os santos, apóstolos e profetas exultassem por causa da queda daquela que teria afligido os santos. Eu tenho certeza de que os que foram perseguidos e estiverem no céu naquele momento não vão dizer “Babilônia? Quem é essa?! Nunca ouvi falar...”, mas irão exultar com sua destruição.
(Ap 18:20) “Exultai sobre ela, ó céus, e vós, santos, apóstolos e profetas, porque Deus contra ela julgou a vossa causa”.
(Ap 19:1-4) “Depois destas coisas, ouvi no céu uma como grande voz de numerosa multidão, dizendo: Aleluia! A salvação, e a glória, e o poder são do nosso Deus, porquanto verdadeiros e justos são os seus juízos, pois julgou a grande meretriz que corrompia a terra com a sua prostituição e das mãos dela vingou o sangue dos seus servos. Segunda vez disseram: Aleluia! E a sua fumaça sobe pelos séculos dos séculos. Os vinte e quatro anciãos e os quatro seres viventes prostraram-se e adoraram a Deus, que se acha sentado no trono, dizendo: Amém! Aleluia!”.
Quando o Senhor Jesus voltar com todos os santos que então estiverem com ele nos céus, tanto os que ressuscitaram quanto os que foram arrebatados, seria absurdo pensar naquela imensa multidão descendo para a batalha contra a besta e os reis da terra e ignorando a razão de tudo aquilo. Você não seria capaz de imaginar-se perguntando ao santo ao seu lado algo como: “Aonde nós vamos?”, “Terra? Que terra?”, “O que aconteceu lá para merecerem esse juízo?”, “Que besta é essa?”, “De que falso profeta estão falando?”.
(Ap 19:11-19) “Vi o céu aberto, e eis um cavalo branco. O seu cavaleiro se chama Fiel e Verdadeiro e julga e peleja com justiça... e seguiam-no os exércitos que há no céu, montando cavalos brancos, com vestiduras de linho finíssimo, branco e puro. Sai da sua boca uma espada afiada, para com ela ferir as nações; e ele mesmo as regerá com cetro de ferro e, pessoalmente, pisa o lagar do vinho do furor da ira do Deus Todo-Poderoso”.
Quando vemos Moisés e Elias no monte da transfiguração, conversando com Jesus sobre as coisas que iriam acontecer em Jerusalém (a saber, a crucificação), eles não estão nem um pouco alheios aos acontecimentos da terra e nem precisarão ver algum telejornal celeste para saber das coisas. E quando voltassem para o céu logo depois é evidente que não teriam apagadas da memória a lembrança daqueles momentos que passaram com o Senhor no monte da transfiguração.
(Lc 9:30-31) “Eis que dois varões falavam com ele: Moisés e Elias, os quais apareceram em glória e falavam da sua partida, que ele estava para cumprir em Jerusalém”.
Quando João, no capítulo 4 de Apocalipse, é arrebatado aos céus, fica claro que ele passa a assistir de camarote aos eventos que se desenrolam na terra. O céu não é um lugar alheio aos acontecimentos da terra, porque tudo o que acontece aqui tem consequências eternas e serão registradas para sempre no céu. O simples fato de encontrarmos as multidões celestiais adorando o Cordeiro que havia sido morto demonstra que todos ali têm clara consciência da morte de Cristo e da razão disso.
Na história do rico e Lázaro a vida na terra continua na memória de quem já morreu e o rico pede até que Lázaro seja mandado para avisar seus irmãos, ou seja, ele se lembra deles. Seria estranho pensar que o rico, no hades, tivesse conhecimento de coisas na terra que estivessem vedadas à memória de quem já estivesse no céu. Além disso, Lázaro é confortado estando no céu, e não faria sentido ele ser confortado se não soubesse de que estaria sendo confortado, ou o rico atormentado sem ter consciência do que o levou ali.
(Lc 16:25) “Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro igualmente, os males; agora, porém, aqui, ele está consolado; tu, em tormentos”.
E se aqueles nos céus estivessem alheios aos acontecimentos da terra, como poderia haver “maior júbilo no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento”? (Lc 15:7). Embora seja válido pensar que os anjos de Deus se alegrem com cada conversão, o texto vai além ao afirmar que “há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende” (Lc 15:10), o que significa que não está falando diretamente dos anjos, mas daqueles que estão diante dos anjos, ou seja, os santos redimidos. E como eles poderiam se regozijar se ignorassem quem são aqueles que se arrependem na terra, de que estão arrependidos e como puderam chegar ao arrependimento?
Seria muito estranho aplicar 2 Co 5:10 a pessoas que fossem pegas de surpresa no céu, indagando, “Como assim? De que bem ele está falando? Qual foi o mal que fiz?”. O Tribunal de Cristo para os salvos não tem um caráter de julgamento da pessoa, mas de suas obras apenas (porque os salvos já foram julgados em Cristo na cruz), mas para os perdidos haverá condenação com base nas mesmas obras más que praticaram em vida.
(1 Co 3:12-15) “Contudo, se o que alguém edifica sobre o fundamento é ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, manifesta se tornará a obra de cada um; pois o Dia a demonstrará, porque está sendo revelada pelo fogo; e qual seja a obra de cada um o próprio fogo o provará. Se permanecer a obra de alguém que sobre o fundamento edificou, esse receberá galardão; se a obra de alguém se queimar, sofrerá ele dano; mas esse mesmo será salvo, todavia, como que através do fogo”.
(2 Co 5:10) “Porque importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo”.
(Mt 12:36-37) “Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no Dia do Juízo; porque, pelas tuas palavras, serás justificado e, pelas tuas palavras, serás condenado”.
Os Atos de justiça dos santos praticados na terra serão a matéria prima do tecido de linho finíssimo do vestido de noiva que vemos em Apocalipse nas bodas do Cordeiro. Também é dito que as obras dos que morrem no Senhor os acompanham no céu.
(Ap 19:7-8) “Alegremo-nos, exultemos e demos-lhe a glória, porque são chegadas as bodas do Cordeiro, cuja esposa a si mesma já se ataviou, pois lhe foi dado vestir-se de linho finíssimo, resplandecente e puro. Porque o linho finíssimo são os Atos de justiça dos santos”.
(Ap 14:13) “Então, ouvi uma voz do céu, dizendo: Escreve: Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem das suas fadigas, pois as suas obras os acompanham”.
Existe uma diferença entre ter consciência de pecados pendentes e ter consciência de pecados pagos. Acredito que teremos plena consciência de onde fomos tirados, ou não saberemos a razão de estarmos ali e nem fará sentido louvarmos o Cordeiro. Quando você tem uma dívida paga por um amigo, você se lembra da dívida, do pagamento e do amigo. Você já não é mais afligido pela pendência e pela dívida, mas pode descansar no fato de ter sido paga e vive com um sentimento de gratidão àquele que pagou.
No céu não seremos diferentes do que fomos na terra, no sentido de nossa individualidade. É claro que estaremos todos transformados e vivendo em um corpo glorificado como o do Senhor Jesus, com sentimentos puros, livres de todo pecado, malícia e engano. Mas seremos as mesmas pessoas, no sentido de quem somos e reconheceremos as pessoas ali, não apenas as que amamos na terra, mas as que nos eram desconhecidas. Lembre-se de que os três discípulos que subiram com Jesus ao monte da transfiguração imediatamente reconheceram Moisés e Elias, que tinham vivido séculos antes deles. Naquele tempo ainda não existia fotografia ou qualquer referência visível para eles poderem se apoiar.
(1 Co 13:12) “Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido”.
Tendo isto em mente podemos entender melhor o versículo em Isaías 65:16-17 que diz: “...porque já estão esquecidas as angústias passadas, e estão escondidas dos meus olhos. Porque, eis que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá mais lembrança das coisas passadas, nem mais se recordarão”.
Antes é bom ter em mente que este versículo fala da terra durante o Milênio, não do céu, pois na sequência vemos pessoas plantando e colhendo, construindo casas e criando animais, coisas que não faremos no céu. Mesmo assim, nessa terra restaurada e com pessoas de carne e ossos (não ressuscitadas) vivendo nela Deus promete que serão “esquecidas as angústias passadas... e não haverá mais lembrança das coisas passadas, nem mais se recordarão”.
É evidente que ele não está falando de passar uma borracha nas mentes das pessoas, transformando-as em recém nascidos que não sabem sequer como usar as mãos, mas está se referindo às angústias, isto é, aos sentimentos. É fácil compreender o sentido quando pensamos numa mãe que foi muito maltratada por um filho, e um dia ele volta para casa arrependido e sua mãe o perdoa de tudo. Pergunto: Será que essa mãe irá alguma vez trazer à memória as angústias passadas? Não, ela colocou uma pedra em cima daquilo e elas nem se comparam ao prazer de ter seu filho de volta e transformado em um filho exemplar. “O amor cobre todos os pecados” (Pv 10:12).
O mesmo entendimento podemos ter da passagem que diz: “porque lhes perdoarei a sua maldade, e nunca mais me lembrarei dos seus pecados” (Jr 31:34). Aqui é também no sentido de dívida paga. As dívidas que você tinha com o banco continuam lá, mas em um arquivo morto e com um grande carimbo de “PAGO”. Mesmo assim, e sabendo que terei memória de minha vida na terra, minha impressão do céu é que estaremos tão ocupados com Cristo e sua formosura que acabaremos relegando para um segundo plano todas as memórias a nosso respeito.
É bom pensar no céu como a casa do pai à qual o filho pródigo retornou. Ao ser abraçado pelo pai e introduzido na mansão o filho tinha perfeita consciência de seu passado, sua memória não foi apagada, mas seus atos de desobediência foram todos perdoados. O filho havia ensaiado seu discurso que incluía dizer ao pai que o fizesse um empregado, mas ao ser abraçado ele pula esta parte. Ele entendeu que aquele pai jamais o colocaria numa posição menor que filho, com todos os direitos e privilégios. E em nenhum momento na história você escuta o pai trazer à tona a vida errada do filho, ao contrário, tudo é festa e alegria por seu retorno ao lar.
(Ap 5:8-14) “E, quando tomou o livro, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um deles uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos, e entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra. Vi e ouvi uma voz de muitos anjos ao redor do trono, dos seres viventes e dos anciãos, cujo número era de milhões de milhões e milhares de milhares, proclamando em grande voz: Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor. Então, ouvi que toda criatura que há no céu e sobre a terra, debaixo da terra e sobre o mar, e tudo o que neles há, estava dizendo: Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos. E os quatro seres viventes respondiam: Amém! Também os anciãos prostraram-se e adoraram”.