Somos criaturas ou filhos de Deus?

Às vezes usamos indistintamente palavras como “criatura de Deus” ou “filho de Deus”, mas existem algumas diferenças entre os termos. Pense, por exemplo, em um automóvel. Ele é criado por uma equipe de engenheiros, projetistas e designers que produz um protótipo. Geralmente são feitas modificações nesse protótipo que acabam afetando também o projeto original. Vamos chamar o projeto original de “criação” e o protótipo de “criatura”.

Então, a partir do protótipo e de seu projeto, o modelo é fabricado em série pelos operários da fábrica, que hoje inclui até robôs. Estive numa fábrica de motores onde trabalham poucas pessoas para vigiarem a esteira onde os motores vão sendo montados por braços mecânicos de robôs programados para isso. E robôs não criam coisa alguma, apenas fazem aquilo para que foram programados, como se tivessem um DNA eletrônico dentro deles.

É evidente que os veículos que saírem da linha de produção trarão todas as características da “criatura” produzida a partir da “criação” original, principalmente porque essas características foram transmitidas aos operários e aos robôs para as repetirem “n” vezes. Mas lembre-se de que os engenheiros, projetistas e designers já não participam desta fase de produção.

Podemos dizer que aquele carro à venda na concessionária é uma “criação” do designer Fulano, do engenheiro Sicrano e do projetista Beltrano? Sim, porque ele saiu da cabeça desses profissionais. Mas podemos dizer que foram eles que “fabricaram” o carro? Não, foram os operários e os robôs que o trouxeram “à vida” com base no projeto original.

Agora pense no ser humano. No Evangelho de João diz, ao referir-se aos que são chamados “filhos de Deus” por terem nascido de Deus: “não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo 1:13).

Esta passagem fala de duas classes de pessoas, os nascidos de Deus e os não nascidos de Deus, mas sim “do sangue”, “da vontade da carne” e “da vontade do homem”. Portanto, quando um bebê vem ao mundo ele nasceu porque o casal assim o quis, porque tiveram “vontade da carne” para se relacionarem sexualmente, e o bebê traz em si as características de seus pais, “do sangue”.

Assim é tudo na natureza: houve um Designer original (Deus) que criou todas as coisas, inclusive o ser humano, e agora a criação funciona como uma grande fábrica da qual saem todos os seres vivos. É claro que Deus está sempre por detrás de todas as coisas, seja no nascimento de uma formiga ou de um ser humano, mas o que quero mostrar aqui é que Deus não criou eu e você do mesmo modo como criou Adão e Eva, o “protótipo”. Eu e você somos frutos daquela criação original, e neste sentido podemos nos considerar “criação” de Deus, do mesmo modo que o seu carro é “criação” do designer, embora tenha sido de fato fabricado por operários. Vamos à Bíblia:

(Gn 1:27) “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”.

(Gn 5:1-2) “Este é o livro da genealogia de Adão. No dia em que Deus criou o homem, à semelhança de Deus o fez; homem e mulher os criou, e os abençoou, e lhes chamou pelo nome de Adão, no dia em que foram criados”.

Os versículos acima nos falam da ação de criar original, do projeto e protótipo, e o versículo abaixo nos fala da ação de fabricar com base naquela criação original, e por isso aqui também diz que “nos criou”:

(Sl 95:6) “Vinde, adoremos e prostremo-nos; ajoelhemos diante do Senhor, que nos criou”.

Portanto fomos criados por Deus no sentido de sermos “veículos” que tiveram sua origem no “projeto” inicial e Deus nos formou no ventre de nossa mãe, pois nada vive sem que Deus assim queira. Mas são duas ações distintas, e é importante entender isto para não cair no erro de alguns que acusam a Deus por ter “criado” uma criança defeituosa ou a “formado” assim no ventre de sua mãe.

A criança nasce defeituosa (e todos nós somos defeituosos em algum aspecto) porque o projeto original sofreu uma sabotagem: foi introduzido nele um erro chamado pecado. A partir daí todos os “veículos” humanos saem da linha de produção com esta falha que acarreta outras falhas, como as imperfeições físicas, mentais etc.

Mas lembre-se de que isto não estava no projeto original do Designer que é Deus, mas foi introduzido nele numa espécie de “sabotagem industrial”, uma ação terrorista como em casos de produtos de marcas famosas que são envenenados quando saem da produção por algum funcionário descontente. Na obra da Criação esse “funcionário” descontente sabotador é o outro ser inteligente que Deus criou além de Adão. Ele viu seu lugar de administrador da Criação perdido por causa de seu orgulho e outro, Adão, ser colocado em seu lugar. Estou falando de Satanás.

(Ez 28:15) “Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado até que se achou iniquidade em ti”.

Isto nos leva a entender que, assim como existiu um dia em que Adão foi criado, também existiu um dia em que Satanás foi criado. E quando falo “Adão” entenda o casal, porque é assim que Adão é visto em Gênesis com sua esposa ao lado, já que a mulher não é um acessório do homem, mas parte integrante dele. “...homem e mulher os criou, e os abençoou, e lhes chamou pelo nome de Adão, no dia em que foram criados” (Gn 5:2). Isto fica ainda mais maravilhoso quando pensamos em Cristo e a Igreja, sua noiva, mas este é um assunto que você poderá desfrutar em Efésios 5, em especial do versículo 22 ao final.

Mas, voltando ao nosso assunto, os anjos não se reproduzem entre si*, pois não existe diferença de gênero entre eles (tipo anjo macho e anjo fêmea) e também não morrem. Deus os criou um a um, como fez com o primeiro homem e não sabemos o número deles, mas deve ser imenso. Depois de criar os anjos, que são seres celestiais, Deus criou a terra, pois lemos que eles estavam vendo isso acontecer. Ao descrever a Criação, Deus revela a Jó que ela foi assistida pelas “estrelas da alva”, os “filhos de Deus”, termos usados para os anjos:

(Jó 38:4-7) “Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Dize-mo, se tens entendimento. Quem lhe pôs as medidas, se é que o sabes? Ou quem estendeu sobre ela o cordel? Sobre que estão fundadas as suas bases ou quem lhe assentou a pedra angular, quando as estrelas da alva, juntas, alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus? “.

Portanto, a Criação de Deus poderia ser resumida assim: Primeiro foram criadas as criaturas mais elevadas, os anjos, dos quais Satanás, um querubim, ocupava uma posição privilegiada. Depois da convulsão causada pela rebelião angélica e de um estado de caos em que se tornou o Universo, Deus trouxe aquela criação progressiva que vemos em Gênesis a partir do versículo 2 do capítulo 1.

Mas veja que nessa criação progressiva Deus criou todas as coisas a partir de elementos que já existiam antes na terra (os elementos químicos que você encontra em seu corpo também existem nos peixes, nas árvores, etc.). Nessa criação progressiva houve uma ordem, dos seres inanimados como as plantas aos animados (que têm alma) como aves, insetos, animais, etc., dos invertebrados, aos vertebrados, culminando na coroa desta criação, o homem, o único que recebeu o sopro de Deus e que tem um espírito capaz de se comunicar com seu Criador.

Assim como ocorre com os anjos, o homem é um ser moral, com responsabilidades diante de Deus (ao contrário das plantas e dos animais). Mas diferentemente dos anjos, os homens se reproduzem e morrem, enquanto os anjos não se reproduzem e nem morrem. Os anjos que Deus criou no princípio são os mesmos que existem por aí. No caso de Adão, o que vemos por aí são seus descendentes, nascidos da vontade do homem, da vontade da carne e do sangue.

Com isto chegamos à segunda parte de sua pergunta, se os homens são filhos de Deus. Não. Tecnicamente falando os homens são criação de Deus, mas não filhos. Originalmente só existiam duas classes de filhos de Deus por terem sido criados diretamente por Deus: os anjos e Adão. E os homens? Veja que eles não são chamados de filhos de Deus, mas sempre de filhos de alguém, enquanto Adão é chamado de filho de Deus e na passagem de Jó 38:4-7 acima os anjos são também chamados de filhos de Deus:

“...Cainã, filho de Enos, Enos, filho de Sete, e este, filho de Adão, filho de Deus” (Lc 3:38).

Agora há uma terceira classe de filhos de Deus: aquele que crê em Jesus. Isto é muito claro desta passagem do evangelho de João. Veja que é uma posição condicional, à qual se entra pela fé em Cristo Jesus, de privilégio (podemos chamar a Deus de Pai) e também de responsabilidades de filhos.

(Jo 1:10-13) “O Verbo estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu [o povo judeu], e os seus não o receberam. Mas a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.

(Gl 3:26) “Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus.

(Gl 4:6) E, porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai.

Por meio da obra na cruz, da morte e ressurreição de Cristo, Deus, por assim dizer, deu um “reset” em tudo e iniciou uma nova Criação a partir de Cristo, do modo como ele havia feito antes a partir de Adão, e hoje todo aquele que está em Cristo é “nova criação” (não “nova criatura” como algumas traduções trazem e aguarda o momento quando será transformado à semelhança de Cristo ressuscitado e glorificado.

“Este [Cristo] é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação” (Cl 1:15).

“Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas” (2 Co 5:17 NVI).

“O que importa é ser uma nova criação” (Gl 6:15 NVI).

Mas veja que mesmo os que fazem parte desta nova criação não foram criados um a um como os anjos ou Adão. Na nova criação Cristo é as primícias (os primeiros frutos) e ele é também a semente que, assim como Adão, deu origem a toda uma nova linhagem. Sugiro que leia atentamente o capítulo 15 de 1 Coríntios pois lá tudo está detalhado.

Lembre-se de duas coisas: Jesus é o último Adão, porque na cruz Deus deu por encerrado o “projeto” do primeiro Adão condenando ali à morte o seu Filho Jesus. Sobre o velho homem podemos bater o carimbo: “PROJETO ARQUIVADO” e considere como destinados à sucata as carrocerias dos veículos que ainda andam por aí. Usando de meu exemplo, o velho homem “saiu de linha”. Jesus é o último Adão porque há, por assim dizer, apenas duas criações do homem: Adão e Cristo (embora Cristo não tenha sido criado, por ser Deus, ele se fez homem em algum momento do tempo para ser o último Adão).

(1 Co 15:45) “Pois assim está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente. O último Adão, [Cristo] porém, é espírito vivificante”.

(1 Co 15:47) “O primeiro homem [Adão], formado da terra, é terreno; o segundo homem [Cristo] é do céu”.

Adão é chamado de “primeiro homem” porque dele vieram outros, como eu e você. Cristo é chamado de segundo homem (e não último homem) porque dele vêm todos os que creem, os quais têm agora uma vida que literalmente não é deste planeta, mas do céu. Mas para isto acontecer o grão de trigo precisava “cair na terra” e morrer.

(Jo 12:24) “Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto”.

(1 Co 15:37) “E, quando semeias, não semeias o corpo que há de nascer, mas o simples grão, como de trigo, ou de outra qualquer semente”.