As profecias já se cumpriram?

A ideia de que a maioria das profecias bíblicas já tenham se cumprido é conhecida como “preterismo”, em contraste com o “futurismo”, que espera ainda pelo cumprimento das profecias. Mas mesmo entre preteristas e futuristas não existe um consenso quanto ao volume de profecias já cumpridas. Existe ainda uma classe intermediária que vive tentando interpretar as profecias pelos acontecimentos presentes, geralmente chamados de “historicistas”. Por isso você encontra hoje livros e mais livros completamente inúteis por terem jurado que o anticristo era algum dos Papas que já morreram ou líderes políticos como Hitler, Stalin ou Mikhail Gorbachev. Ou falando de avanços tecnológicos da época que alguns pensavam ser a “marca da besta”, como foi o código de barras nos anos 80 e é hoje o chip de identidade antissequestro usado em crianças e executivos.

Já os “futuristas”, em alguns casos também chamados “dispensacionalistas”, entendem que a profecia tem a ver com Israel e o mundo, e não com a igreja. Portanto seria perda de tempo tentar encontrar na época atual a consumação de eventos proféticos, pelo menos enquanto a igreja ainda estiver na terra. Eu particularmente me incluo entre os que acreditam que o relógio profético está parado até o arrebatamento da igreja, quando voltará a bater. Aí virá a última semana profética de Daniel (a 70a.), na metade da qual o anticristo se revelará e terá lugar a “grande tribulação” que precede a vinda de Cristo ao mundo em poder e glória com os santos que foram arrebatados e ressuscitados sete anos antes. Será instalado então o reino de mil anos de Cristo, sendo Israel a nação detentora de todas as promessas de Deus e com preeminência na terra, seguido da última rebelião de Satanás e do juízo final. Então virá o estado eterno.

A quase totalidade das religiões surgidas antes do século 19 adotam uma visão “preterista” e interpretam o reino de mil anos de Cristo como meramente simbólico. Entre os sistemas religiosos que não creem no cumprimento literal das profecias e do milênio estão católicos, anglicanos, presbiterianos, luteranos, alguns batistas e metodistas. As religiões pentecostais, que surgiram principalmente durante e após o século 19, adotaram uma visão futurista, porém muito mais historicista, pois vivem alardeando que alguma manchete de jornal já é o cumprimento de alguma profecia bíblica, geralmente para vergonha do testemunho cristão por falharem em suas previsões.

Se você pertence a alguma denominação cristã fundamentalista, como católica, presbiteriana, luterana, metodista, batista, etc., é provável que nem saiba que o corpo doutrinário do sistema sob o qual você está pode trazer afirmações do tipo:

— A “grande tribulação” já teria acontecido com a queda de Israel e não ocorrerá novamente.

— A “grande apostasia” (abandono da verdade) teria ocorrido no primeiro século, portanto o que se deveria esperar seria uma cristianização crescente do mundo.

— Os “últimos dias” estariam relacionados ao período entre a vinda de Jesus e a destruição de Jerusalém, portanto já ocorridos por terem sido os “últimos dias” de Israel.

— O “anticristo” seria apenas uma expressão para descrever a apostasia da igreja antes da queda de Jerusalém, por isso qualquer pessoa ou ensino falso poderia ser chamado de “anticristo”.

— O “arrebatamento”, em que os santos serão tirados da terra para se encontrarem com o Senhor nos ares, não seria um evento diferente da volta de Jesus no último dia.

— A “segunda vinda” coincidiria com o arrebatamento e a ressurreição no final do Milênio simbólico, quando viria o “juízo final”.

— A “besta” de Apocalipse teria sido Nero.

— O “falso profeta” de Apocalipse teria sido a liderança de Israel que rejeitou a Cristo e adorou a besta.

— A “grande meretriz” de Apocalipse teria sido Jerusalém, que sempre caiu na apostasia e perseguiu os profetas, perdendo assim o status de cidade de Deus.

— O “milênio” seria o Reino de Jesus que ele estabeleceu quando veio aqui (o primeiro advento), portanto seria o período atual, quando os cristãos reinam sobre a terra e preparam o mundo para a segunda vinda de Cristo (esta é a crença de uma grande parte dos batistas do sul dos EUA, que inclui o ex-presidente Bush e segue a Teologia do Domínio, a mesma que o catolicismo romano e o anglicanismo britânico praticaram durante séculos, invadindo e dominando nações inteiras).

— A “primeira ressurreição” de Apocalipse 20:5 seria uma ressurreição espiritual ou a justificação e regeneração de todo aquele que está em Cristo.

— Os “mil anos” de Apocalipse20:2-7 seria apenas um número simbólico para expressar o período atual de domínio da igreja como um longo período de tempo que já mostrou não ser de meros mil anos e pode chegar a milhões de anos.

— A “nova criação” já teria começado e os “novos céus e nova terra” seriam palavras simbólicas para descrever a condição dos salvos.

— Israel teria sido deixado de lado por causa de sua apostasia e nunca mais seria o reino de Deus e nem teria qualquer futuro como nação especial.

— A Igreja teria substituído Israel e seria agora a merecedora de todas as promessas de prosperidade feitas a Israel no Antigo Testamento.

— A “batalha de Armagedom” seria simbólica, representando a derrota daqueles que se opõem a Deus ou obedecem os falsos profetas.

Vejo que o problema do “preterismo” é de base. Se não existir a preocupação de se dividir a Palavra de Deus de forma precisa, acabaremos achando que tudo o que está escrito vale para todos. A exortação dada por Paulo a Timóteo poderia ser traduzida mais literalmente assim: “Procura diligentemente apresentar-se a Deus aprovado, um obreiro que não tem de que se envergonhar, dissecando com precisão a palavra da verdade” (2Tm 2:15). O sentido da palavra grega que foi traduzida como “manejar” nas versões Almeida é, no grego, “dissecar”, ou seja, separar os órgãos com o objetivo de examinar cada um separadamente. Só assim é possível entender cada evento em seu devido lugar e em sua relação com o todo, e não simplesmente jogar toda a profecia bíblica na vala comum do simbolismo ou da história acabada.

Basta aplicar este princípio ao livro de Apocalipse para vermos que ele está dividido em três grandes seções: “Escreve, pois, as coisas que viste, e as que são, e as que hão de acontecer depois destas” (Ap 1:19). Não precisa ser nenhum Sherlock para perceber que a referência feita no capítulo 4 do mesmo livro é justamente à terceira grande divisão, mostrando ser ela posterior à terceira, que fala do tempo da igreja, e por isso mesmo ainda futura: (Ap 4:1) “Depois destas coisas, olhei, e eis que estava uma porta aberta no céu; e a primeira voz que, como de trombeta, ouvira falar comigo, disse: Sobe aqui, e mostrar-te-ei as coisas que depois destas devem acontecer”.

Além disso, o Apocalipse descreve em sua maior parte o período de grande tribulação, e o evangelho nos diz claramente que trata-se de uma tribulação como a qual nunca existiu e nunca existirá.

(Mt 24:21) “Porque nesse tempo haverá grande tribulação, como desde o princípio do mundo até agora não tem havido e nem haverá jamais”.

(Mc 13:19) “Porque aqueles dias serão de tamanha tribulação como nunca houve desde o princípio do mundo, que Deus criou, até agora e nunca jamais haverá”.

Os evangelhos também mostram que após o período da grande tribulação o sol se escurecerá, a lua não brilhará e as estrelas cairão do céu. É evidente que nada disso aconteceu, portanto só podemos deduzir que ainda não veio o período da grande tribulação, porque se tivesse vindo nós certamente poderíamos dizer que nunca na história da humanidade houve coisa igual e também estaríamos vendo o que está descrito em Mateus:

(Mt 24:29) “Logo em seguida à tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do firmamento, e os poderes dos céus serão abalados”.