Devemos nos preocupar com o que as escolas ensinam?

Sim, devemos nos preocupar com o que andam ensinando aos nossos filhos nas escolas, mas nem sempre somos capazes de interferir nisso. Nos Estados Unidos é cada vez maior o número de pais cristãos que tiram seus filhos da escola para praticarem “homeschooling” que é o ensino em casa. Naquele país, desde 1999 o homeschooling cresceu 75% e hoje 4% das crianças lá são educadas em casa.

Mas lá existe toda uma estrutura de acompanhamento, material didático e também uma cultura de ensino em casa que não temos no Brasil. Além disso, a prática não é permitida no Brasil, onde a educação é uma atribuição do estado e toda criança deve estar regularmente matriculada em uma escola. Alguns pais tentam praticar o homeschooling no Brasil e acabam num emaranhado de ações legais que podem comprometer outra faceta do comportamento cristão: o da obediência às leis e autoridades do país.

Recebi de alguém o link para um vídeo de uma “pastora” pregando em uma igreja contra supostas iniciativas do governo relacionadas à educação sexual nas escolas. O vídeo virou um “hit” avidamente compartilhado por “evangélicos” sem noção e fáceis de serem manipulados. Não costumo assistir esses vídeos, mas foi suficiente ver nos primeiros dez segundos o que viria depois: as frases que ela usou na abertura eram técnicas de manipulação usadas na comunicação, e aí meu alarme tocou. Busquei pelo nome da dita “pastora” e descobri que é assessora parlamentar, portanto sua preleção teria interesse e viés político.

Não se iluda, nos dias de Jesus na terra não eram os homossexuais, prostitutas e políticos corruptos os alvos dos discursos mais inflamados do Senhor. Eram os líderes religiosos do judaísmo. No início da Igreja, Nero podia ser um tirano, mas não conseguiu muita coisa em seu ataque físico aos cristãos. O maior dano seria causado por aqueles dentro do rebanho, lobos vestidos de ovelhas, como Paulo advertiu em Atos 20. Não demoraria para eles conseguirem o que queriam: estar onde estava “o trono de Satanás” (Ap 2:13), como donos do mundo. E assim tem sido nos últimos dois mil anos.

A expressão em Lucas 11 mostra que os líderes religiosos dos tempos de Jesus eram astutos o suficiente para se camuflarem como sepulcros sobre os quais as pessoas caminham sem perceber a podridão e morte que estão ocultas ali.

(Lc 11:43-44) “Ai de vós, fariseus! Porque gostais da primeira cadeira nas sinagogas e das saudações nas praças. Ai de vós que sois como as sepulturas invisíveis, sobre as quais os homens passam sem o saber! “.

Duas verdades inexoráveis que muitos cristãos estão deixando passar: o cristão não é do mundo e o mundo não é do cristão. Portanto o que os governos fazem ou deixam de fazer tem tanta importância para o cristão hoje quanto o que Nero fazia ou deixava de fazer há dois mil anos. Não vemos no livro de Atos cristãos fazendo passeatas em Roma protestando contra aquele tirano. Eles não eram do mundo e o mundo não era deles.

(Jo 17:15-16) “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal. Não são do mundo como eu do mundo não sou”.

(Gl 6:14) “Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”.

Meu problema com o referido vídeo não está em seu tema ou na iniciativa de cristãos que queiram buscar meios de policiar ou melhorar a educação que seus filhos recebem nas escolas. Minha crítica é quanto ao uso de subterfúgios e manipulações para atingir tal fim, o que não é uma forma cristã de agir. Quanto à qualidade do ensino ou às aberrações que estão introduzindo no ensino de crianças, especialmente na área sexual, o que poderíamos esperar das escolas? Elas são do mundo, não são? Um irmão costuma dizer que ao lado de cada governante do mundo existe um demônio pronto para influenciá-lo a seguir a vontade do príncipe deste mundo, Satanás. Para um mundo que expulsou o Salvador isso não vai mudar e nem melhorar, mas só piorar. A esperança do cristão não está em um mundo melhor, mas em sair do mundo para estar com o Senhor e devemos preparar nossos filhos neste sentido, como os israelitas, que não quiseram deixar seus filhos no Egito quando partiram.

Os pais cristãos devem preparar seus filhos em casa, e não esperar que aprendam os caminhos do Senhor nas escolas. A formação do caráter se dá pelo ensino e exemplo dos pais, não do Estado. Moisés é um exemplo de alguém que foi educado segundo a sabedoria deste mundo, mas mesmo assim foi preservado por Deus. É isto que devemos buscar para nossos filhos: nós os entregamos inevitavelmente às águas da morte do Nilo, porém em um cesto devidamente impermeabilizado para essas mesmas águas não penetrarem. E Deus irá fielmente cuidar deles naquilo que não estiver ao nosso alcance. Não nos cabe querer impor um ensino de valores cristãos em um mundo incrédulo e inimigo de Deus.

Não tenho qualquer problema com a postura política ou ideológica de quem quer que seja, e sei que Deus usa muitos cristãos em diferentes postos da sociedade. Mas eu pessoalmente não considero apropriado a um cristão intervir em governos só por vermos exemplos disto em várias passagens do Antigo Testamento, como a de José no Egito. Um grande engano é quando cristãos tentam agir “biblicamente” sem entender as diferentes dispensações. José, no Egito, estava em um contexto totalmente diferente daquele do cristão hoje. O povo de Deus no Antigo Testamento era um povo terreno (Israel) voltado a conquistas terrenas, bênçãos terrenas e prosperidade terrena. Não havia nada de errado em um israelita pegar em armas e lutar por seus direitos na terra que Deus lhe havia reservado.

Para o cristão é diferente. Não temos aqui uma cidade, nossa cidadania é celestial. Nem mesmo João Batista, que vivia interferindo nas relações sexuais ilícitas do governante de sua época é modelo para o cristão. Ele pertencia a outra dispensação e sua atuação estava correta naquele contexto. O modelo para o cristão começa em Atos 2 e passa principalmente pelas epístolas. Não é um modelo para um povo terreno, mas celestial. Mas isto obviamente vai contra o pensamento da grande massa da cristandade, católica e protestante, que acredita no domínio do mundo para Deus.

Fica claro que a referida “pastora” do vídeo está agindo de forma contrária às escrituras ao pregar numa igreja. Além disso ela começa dizendo que “Deus tem um propósito muito grande para este estado. Há promessas de Deus para este estado... Deus tem promessas especiais para este estado e esta cidade... Este encontro nosso já estava marcado desde a eternidade... “Esta é uma técnica primária de manipulação, muito usada em igrejas evangélicas. Quem disse que Deus tem um propósito para qualquer estado brasileiro? Como ela obteve tal informação? Esta é a conhecida “profetada” que imediatamente inibe os ouvintes de fazerem um julgamento do que será dito a seguir. Se tal pessoa tem uma conexão de banda larga com Deus ao ponto de ter tais informações, quem sou eu para julgar o que vem a seguir? (Trabalho com comunicação e sei detectar manipulação na oratória).

Encontrei um site onde uma professora da Universidade Metodista analisou o vídeo e revelou as falácias na apresentação e distorção dos fatos. Independente de concordar ou não com as conclusões da professora que analisou a apresentação, é inegável que os fatos e fontes foram distorcidos para se adequarem ao objetivo da “pastora”.

Portanto, a crítica não é contra o tema apresentado ou a preocupação crescente com as barbaridades que estão introduzindo no ensino, mas contra a manipulação de informações para se alcançar um fim, que no fundo é a promoção de um posicionamento político. Que as escolas estão ensinando nossas crianças uma porção de bobagens é fato, mas isto não deve ser justificativa para distorcermos informações ou manipularmos as pessoas para aceitarem nossa opinião.

Eu nem perderia meu tempo em comentar se o vídeo fosse uma palestra de algum educador ou político incrédulo ou até ateu falando sobre o problema educacional, mas a questão é que ali está alguém dizendo-se representante de Deus, trazendo “revelações divinas” e querendo “santificar” suas opiniões com tal postura. Neste caso existe espaço para qualquer cristão julgar este modo de proceder, por mais louvável que seja a questão levantada. O tema pode parecer válido, as a maneira de abordá-lo não é.

“Porque nada podemos contra a verdade, senão pela verdade” (2 Co 13:8).

“Porque, andando na carne, não militamos segundo a carne. Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus para destruição das fortalezas; Destruindo os conselhos, e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo.” (2 Co 10:3-5).

Depois de ler o que comentei sobre o vídeo no Facebook alguém me escreveu dizendo que Deus poderá cobrar de mim por refutar o que diz a tal “pastora”. Tal ameaça é apenas uma variante da velha conversa ouvida nas religiões, tipo “Não toqueis no ungido do Senhor”. A tática do clero (que biblicamente não existe nesta dispensação) sempre foi de aterrorizar os leigos com ameaças de fogo e enxofre para os que contestarem sua autoridade. Minha crítica ao vídeo não é isolada. Há outros sites e blogs de cristãos que se sentiram enojados com a forma burlesca de envolver o nome de Deus em coisas dos homens e manifestações com fins políticos.

Enquanto as pessoas continuarem a não julgar o que dizem esses que se arvoram líderes cristãos, elas continuarão sendo manipuladas. A Palavra de Deus é clara no sentido de que devemos julgar tudo o que ouvimos referenciando as coisas de Deus. O versículo que você citou, “Examinai tudo. Retende o bem” pode dar a impressão de ser correto qualquer cristão dizer o que lhe vem à mente e da forma como bem entender, mas a passagem tem uma continuação: “Abstende-vos de toda a aparência do mal”. Não devo fazer vista grossa para o mal sob o pretexto de reter o bem, e não existe mal pior do que o mal religioso.

Eu já disse isto quando apontei que nos evangelhos o Senhor não era tão rigoroso contra prostitutas quanto contra líderes religiosos. As prostitutas ele tratava com amor e consideração (exceto suas práticas pecaminosas, obviamente), e gastava tempo conversando com elas. Mas para os vendilhões do templo e os fariseus ele tinha um azorrague de cordas e de palavras e não tinha papas na língua ao chamá-los de “Raça de víboras”. Leia o Antigo Testamento e verá que a verdadeira prostituição continuamente mencionada por Deus era a infidelidade de seu povo e dos pastores que apascentavam a si mesmos.

Depois de toda esta discussão sobre “galhos”, “folhas”, “flores” e “frutos” me ocorre que deixei passar justamente a “raiz” do problema, que, se fosse levada em conta, nem sequer teríamos um vídeo para ser discutido aqui. O desprezo que a cristandade tem hoje pela Palavra de Deus, vivendo numa condição parecida com a do livro de Juízes quando “cada um fazia o que achava reto aos seus próprios olhos” (Jz 21:25), é a causa de toda essa confusão. Portanto deixo aqui para meditação esta passagem que vale sim para os nossos dias (ou teremos de descartar também outras passagens que falam de erros morais da mesma epístola):

“Como em todas as igrejas dos santos, conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina. Se, porém, querem aprender alguma coisa, interroguem, em casa, a seu próprio marido; porque para a mulher é vergonhoso falar na igreja. Porventura, a palavra de Deus se originou no meio de vós ou veio ela exclusivamente para vós outros? Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo” (1 Co 14:33-37).

A pergunta é: reconhecemos como mandamento do Senhor o que está escrito nesta passagem? A “pastora” que insiste em pregar nas igrejas reconhece isto como mandamento do Senhor?

Se você achar que esta passagem é de aplicação exclusiva a Corinto ou aos costumes da época de Paulo precisará fazer o mesmo com muitas outras de suas cartas. Tudo o que está nas epístolas vale para a igreja hoje, são mandamentos do Senhor (não de Paulo). Não sei que critério é este de achar que esta ordem em particular possa valer para aquela igreja e todas as outras (por exemplo, a ceia do Senhor, a ordem nas reuniões, os dons, etc.) sejam tratadas como universais.

Usando o mesmo critério poderíamos dizer que o que Paulo escreve contra relações homossexuais em Romanos só valeria para Roma e o que escreve contra sexo extraconjugal ou jugo desigual em Coríntios só valeria para Corinto. Usando o critério dos “costumes locais” podemos descartar qualquer passagem das epístolas que não nos satisfaça, pois os costumes hoje aceitos na sociedade nos guiariam neste sentido.

Quando Paulo menciona “mas estejam submissas como também a lei o determina”, ele não está falando particularmente dos dez mandamentos, mas de todo o corpo de doutrina do Pentateuco, que o Senhor nos evangelhos chama de “a lei” em contraste com “os profetas”. Esta lei da submissão foi a primeira dada por Deus à mulher no Éden em decorrência da queda.

(Gn 3:16) “E à mulher disse: Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará”.

É a isto que Paulo se refere ao escrever a Timóteo com a mesma conotação da passagem de Coríntios:

(1Tm 2:11-15) “A mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão. E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem; esteja, porém, em silêncio. Porque, primeiro, foi formado Adão, depois, Eva. E Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão. Todavia, será preservada através de sua missão de mãe, se ela permanece em fé, e amor, e santificação, com bom senso”.

Seu argumento de que uma mulher lavou os pés de Jesus na tentativa de justificar que as mulheres podem também agir em qualquer situação não procede porque existe uma diferença entre a regra e a exceção. Sim, mulheres lavaram os pés do Senhor, mulheres foram usadas para levar mensagens dele aos discípulos, mulheres fizeram um milhão de coisas, porém sempre dentro da esfera que lhes estava apropriada. Mas no caso específico das reuniões da igreja o mandamento é que permaneçam em silêncio, e se a mulher desconsiderar isto não estará agindo em obediência à Palavra que estabeleceu esta condição particular. Não somos mais sábios do que Deus, portanto devemos acatar a sua Palavra e não discutir com Deus ou tentar adaptá-lo às nossas ideias e costumes.

(1 Co 14:37) “Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo”.