Tudo bem pregar um evangelho distorcido?
Você pergunta se está tudo bem pregar um evangelho imperfeito, mas isso vai depender do grau e tipo de imperfeição desse evangelho que é pregado. A mensagem do evangelho é tão simples que até para torná-la imperfeita é preciso algum trabalho. Veja o que é o evangelho aqui: “Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão. Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1 Coríntios 15:1-4).
Posso dar a você um copo de leite imperfeito e essa imperfeição ser apenas por existirem algumas impurezas ou porque o leite já começou a azedar. Pode fazer algum bem ou algum mal, mas não irá matá-lo. Mas posso dar também leite de ótima qualidade, numa embalagem moderna e colorida, porém contendo algumas gotas de estricnina que irá matá-lo em questão de minutos. Portanto é sempre bom buscar “o leite racional, não falsificado” (1 Pedro 2:2) e ficarmos alertas contra distorções que possam levar à morte espiritual. As falsificações mais comuns do evangelho são aquelas que misturam à água da Palavra (João 3:5; Efésios 5:26), ou “leite”, se preferir a figura do outro versículo, boas obras, rituais e privações ou flagelos, como forma de se alcançar a salvação.
Mas nunca devemos nos esquecer de que Deus é poderoso até para usar uma gota da Palavra da Verdade misturada num oceano de impurezas para incutir vida nova numa alma perdida em delitos e pecados. Nos anos 1980 conheci um excelente pregador de rua que frequentava o calçadão no centro de São Paulo. No intervalo para o almoço eu costumava parar para ouvi-lo, pois pregava o evangelho com uma clareza, convicção e amor no olhar que deixava qualquer um com água na boca. Sua voz era tão potente e cristalina que ele estava sendo processado pelo presidente de uma multinacional que achava que ele usava amplificação em sua fala.
Ele me contou que tinha se convertido quando era motorista de táxi e ganhou uma Bíblia edição “Novo Mundo” da Sociedade Torre de Vigia, que no original inglês nada mais é que uma King James piorada. As Testemunhas de Jeová pegaram a tradicional King James em inglês e alteraram as passagens que falam da divindade de Cristo e outras mais para adaptá-la aos seus ensinos, como se fosse uma nova tradução feita a partir de originais gregos e hebraicos. Em seu descanso ele parava o táxi numa sombra e lia, lia, lia, até o Espírito Santo tocar seu coração. Mesmo em meio às doutrinas malignas que os editores tinham introduzido no texto, havia água pura o suficiente para tocar uma alma.
Mas isso de maneira nenhuma isenta de responsabilidade quem corrompe a Palavra de Deus ou prega um evangelho distorcido. Em Gálatas o apóstolo Paulo chama de “anátema”, que significa “maldito”, quem prega um evangelho distorcido, e o assunto de sua carta era o evangelho que alguns estavam pregando um evangelho que incluía a guarda da Lei para receber a salvação.
“Maravilho-me de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo para outro evangelho; o qual não é outro, mas há alguns que vos inquietam e querem transtornar [corromper ou perverter] o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema. Assim, como já vo-lo dissemos, agora de novo também vo-lo digo. Se alguém vos anunciar outro evangelho além do que já recebestes, seja anátema” (Gálatas 1:6-9).
A maioria das pessoas que ouviu o evangelho deve ter recebido a mensagem misturada com algumas impurezas, mais por ignorância de quem prega do que por maldade. Deus pode sim transformar aquela água em vinho, símbolo de vida e alegria. Até mesmo o pior mercenário num púlpito, quando abre a Bíblia e fala passagens da Palavra de Deus, pode ser usado pelo Espírito Santo para tocar o coração de alguém, porque o poder está na Palavra de Deus, e não na pessoa que a prega ou no lugar onde foi pregada.
Uma pessoa que conheça a Bíblia saberá discernir um evangelho falso de um verdadeiro. Geralmente o falso vem numa embalagem tão bonita e apetitosa que faz seu receptor baixar a guarda e tomar o veneno. O falso não tem sangue e irá falar de sentir-se bem, mudança de vida, prosperidade financeira, proteção contra todos os males desta vida, sorte no amor e muitas outras coisas que apelam para os desejos comuns de todos os seres humanos. Alguns parecem vender a ideia de que você se transformará num Super-Homem ou Mulher-Maravilha, de tanto poder que terá à sua disposição. Gostam de usar passagens como “Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas não chegará a ti” (Salmos 91:7), como se o evangelho fosse um poderoso amuleto, não para ser ouvido e crido, mas para ser levado atrás da orelha como se fosse um ramo de arruda.
Mas evangelhos assim não tem nada do sangue derramado para expiar nossos pecados, nada da obra substitutiva de Jesus, o Cordeiro de Deus, para nos salvar eternamente. Pode ser uma mensagem apenas social, religiosa ou de mudança de sorte ou conduta, e quem não entender o que é realmente o cerne do verdadeiro evangelho pode cair na conversa e comprar gato por lebre. Como se costuma dizer, o livro se compra pela capa, não é mesmo? Parece ser este o caso de alguém que me escreveu seduzido pela capa ou embalagem de boas maneiras das pessoas que costumam levar até ele um evangelho distorcido, que diz ser Jesus um “deus” menor, nega a Trindade e prega uma salvação terrena obtida por meio de boas obras e da filiação à sua organização religiosa.