Se Deus julga os adúlteros, por que os irmãos precisam saber?

Sua dúvida está no julgamento que é mencionado em Hebreus 13:4: “Digno de honra entre todos seja o matrimônio, bem como o leito sem mácula; porque Deus julgará os impuros e adúlteros.” Que juízo seria este? Se é Deus quem o julgará, por que os irmãos teriam de lidar com isso? Não bastaria ele se arrepender diante de Deus para tudo ficar resolvido?

Para entender isso é preciso entender as diferentes esferas de juízo mencionadas na Palavra de Deus. Existe o juízo eterno, quando todos os incrédulos serão lançados no lago de fogo. Você encontra isso em Apocalipse 20:

“Vi um grande trono branco e aquele que nele se assenta, de cuja presença fugiram a terra e o céu, e não se achou lugar para eles. Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, postos em pé diante do trono. Então, se abriram livros. Ainda outro livro, o Livro da Vida, foi aberto. E os mortos foram julgados, segundo as suas obras, conforme o que se achava escrito nos livros. Deu o mar os mortos que nele estavam. A morte e o além entregaram os mortos que neles havia. E foram julgados, um por um, segundo as suas obras. Então, a morte e o inferno foram lançados para dentro do lago de fogo. Esta é a segunda morte, o lago de fogo. E, se alguém não foi achado inscrito no Livro da Vida, esse foi lançado para dentro do lago de fogo.” (Apocalipse 20:11-15)

Esse não será um juízo para ver quem vai para o céu e quem vai para o lago de fogo, mas uma sessão judicial para lavrar as sentenças dos que não creram. Quando esse juízo final ocorrer, os salvos já estarão com Cristo e não aparecerão ali. Repare que no texto não fala de ninguém sendo salvo ou livre desse juízo. A promessa do Senhor para os que creem foi esta:

“Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida.” (João 5:24)

Entre aqueles que professaram fé na Pessoa e obra de Cristo existe o juízo exercido pela assembleia, em nome do Senhor e com a autoridade que ele delegou nos capítulos 16 e 18 de Mateus, e depois vemos sendo exercida em outras passagens da doutrina dos apóstolos nas epístolas

Em Mateus 16:18-19, depois de anunciar que edificaria (no futuro) sua igreja, o Senhor disse que “tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.” Ali ainda não era o momento de tal ordem ser cumprida, pois ela estava associada à fundação futura da igreja que se daria no dia de Pentecostes em Atos 2. Mas a autoridade para “ligar” e “desligar” já estava sendo anunciada.

É preciso entender que esse “ligar” e “desligar” tem o sentido de “decretar” e “anular um decreto”, ou “decidir” e “desfazer a decisão”, e não de ligar ou desligar alguém do corpo de Cristo. Um membro do corpo de Cristo jamais pode ser desligado por decisão humana, como o papado achava poder fazer com suas excomunhões e condenação dos hereges à fogueira, O próprio Senhor afirmou: “dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai.” (João 10:28-29).

Portanto, o juízo exercido pela assembleia ao nome do Senhor Jesus é um juízo administrativo ou governamental visando a disciplina e/ou exclusão da comunhão apenas (e não do corpo de Cristo) daquele que está em pecado. Em Mateus 18:20 o Senhor deu mais detalhes disso quando apresentou o caso de algum irmão que tivesse algum litígio com outro e se recusasse, primeiro a aceitar a admoestação do irmão ofendido, depois a aceitar a reprimenda feita na presença de testemunha, para finalmente ser encaminhado a uma decisão da assembleia:

“Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o [1] entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão; mas, se não te ouvir, [2] leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda a palavra seja confirmada. E, se não as escutar, [3] dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano. Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu. Também vos digo que, se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles.” (Mateus 18:15-20)

Esse “considerar como um gentio ou publicano” significava deixar de tratá-lo como irmão em Cristo (mesmo que fosse genuíno), chegando até a evitá-lo como vemos um exemplo prático no capítulo 5 de 1 Coríntios, no caso de um homem da assembleia em Corinto que estava em pecado por manter relações sexuais com a madrasta. Ali Paulo diz:

“Geralmente, se ouve que há entre vós imoralidade e imoralidade tal, como nem mesmo entre os gentios, isto é, haver quem se atreva a possuir a mulher de seu próprio pai. E, contudo, andais vós ensoberbecidos e não chegastes a lamentar, para que fosse tirado do vosso meio quem tamanho ultraje praticou?” (1 Coríntios 5:1-2).

Na continuação do texto você vê o apóstolo dar mais instruções, como mostrar “que um pouco de fermento faz levedar toda a massa”, ou seja, um pecado não julgado pode contaminar outros na assembleia como uma pitada de fermento faz com uma bacia de massa de pão, e também que eles não deveriam se associar ou ter comunhão com quem estivesse de pecado. Paulo, inspirado pelo Espírito, deixa claro que não está falando de evitar contato com incrédulos, pois para isso seria preciso sair do mundo, já que não poderíamos nem sequer ir à escola ou ao trabalho, onde obviamente existem incrédulos. A separação seria com o que, “dizendo-se irmão”, está em pecado. Diz ele:

“Já por carta vos tenho escrito, que não vos associeis com os que se prostituem. Isto não quer dizer absolutamente com os devassos deste mundo, ou com os avarentos, ou com os roubadores, ou com os idólatras; porque então vos seria necessário sair do mundo. Mas agora vos escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais” (1 Coríntios 5:9-11).

Tal disciplina, que pode parecer drástica demais (deixar de comer com o que pecou), tem um objetivo de amor, que é o de restaurar o pecador arrependido. No Antigo Testamento temos uma figura disso em Levítico 13. Quando a lepra, que é figura do pecado, atingisse um israelita. Ele devia ser separado do acampamento dos filhos de Israel e mantido longe. Eventualmente o sacerdote poderia visitá-lo para examinar sua lepra. Quando o sacerdote constatasse que a lepra havia coberto o homem da cabeça aos pés ele o declararia limpo da lepra.

Parece não fazer sentido considerar alguém totalmente coberto de lepra como limpo, mas isso era para nos mostrar que um pecado só pode ser considerado resolvido quando o que pecou se reconhece culpado da cabeça aos pés. Ele já não nega o que fez e nem acusa outros por ter caído em pecado. Assume completa e total responsabilidade por seu ato após sofrer a reprimenda dos irmãos, e pode então ser restaurado à comunhão dos santos. Em 2 Coríntios Paulo parece exortar os irmãos a restaurarem o que pecou para que não fosse mergulhado em excessiva tristeza pelo justo tratamento que vinha recebendo dos irmãos. Se ele tinha assumido sua “lepra”, que fosse restaurado.

“Porque, se alguém me contristou, não me contristou a mim senão em parte, para vos não sobrecarregar a vós todos. Basta-lhe ao tal esta repreensão feita por muitos. De maneira que pelo contrário deveis antes perdoar-lhe e consolá-lo, para que o tal não seja de modo algum devorado de demasiada tristeza. Por isso vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor” (2 Coríntios 2:5).

A restauração à comunhão era tão importante quanto a disciplina para tirar do meio dos irmãos o malfeitor. Se antes Satanás estava tentando arruinar o testemunho pela vista grossa dos irmãos de Corinto, permitindo que um pecado grave seguisse sem julgamento, agora Paulo demonstra que o mesmo Satanás poderia se aproveitar da dureza do coração deles em não perdoar o transgressor devidamente arrependido:

“E para isso vos escrevi também, para por esta prova saber se sois obedientes em tudo. E a quem perdoardes alguma coisa, também eu; porque, o que eu também perdoei, se é que tenho perdoado, por amor de vós o fiz na presença de Cristo; para que não sejamos vencidos por Satanás; porque não ignoramos os seus ardis” (2 Coríntios 2:9-11).

Em uma época de início e grande poder manifestado na igreja, quando ainda existiam apóstolos e profetas que recebiam de Deus a autoridade e a revelação inédita da Palavra, a responsabilidade em julgar o pecado tinha consequências claras e drásticas. Aqueles irmãos do passado não podiam ir à livraria da esquina comprar um Novo Testamento, pois este ainda estava para ser escrito. Portanto eles dependiam da revelação dada aos profetas e da autoridade dos apóstolos para estabelecer os critérios e as jurisprudências, por assim dizer, que acompanhariam a ordem e disciplina na casa de Deus. Foi usando dessa autoridade e poder que o apóstolo deu a sentença para o que pecou e não tinha sido ainda julgado pela assembleia:

“Eu, na verdade, ainda que ausente no corpo, mas presente no espírito, já determinei, como se estivesse presente, que o que tal ato praticou, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, juntos vós e o meu espírito, pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo, seja entregue a Satanás para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus” (1 Coríntios 5:3-5).

Repare que o apóstolo não passa por cima da autoridade do Senhor delegada à assembleia para tomar medidas disciplinares contra quem pecou, mas acrescenta a ela a sua autoridade apostólica de entregar a Satanás para destruição da carne a fim de aquela pessoa ser salva no dia do Senhor. Isto significa que os apóstolos tinham um poder e autoridade que ninguém hoje possui, que era de invocar a morte de alguém. É bom lembrar que os que hoje denominam a si mesmos “apóstolos” não passam de usurpadores.

Essa autoridade apostólica foi demonstrada no caso de Ananias e Safira em Atos 5, que caíram mortos aos pés do apóstolo Pedro por terem mentido ao Espírito Santo. Isto é também o que é chamado na doutrina dos apóstolos de “pecado para morte” em 1 João 5:16-17. Ainda que hoje não tenhamos apóstolos para invocar tal sentença sobre alguém, o “pecado para morte” continua existindo nos casos em que um verdadeiro crente em Cristo decide viver em pecado e deixa de ser um testemunho útil para Deus na terra. Deus pode tirá-lo daqui para não atrapalhar.

Parece ser isso que estava acontecendo na assembleia em Corinto, quando Paulo menciona a maneira desordeira, inconsequente e irreverente com que tratavam a ceia do Senhor. Muitos já estavam “dormindo”, que é a expressão usada no Novo Testamento para a morte de um crente em Cristo:

“Por causa disto há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem. Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo.” (1 Coríntios 11:30-32).

O Senhor se incumbiria de julgar e repreender um crente em pecado ainda nesta. Além disso, aquele que a assembleia julgasse culpado de pecado e colocasse fora da comunhão à mesa do Senhor estaria vulnerável ao juízo de Deus nesta vida, por já não estar no círculo de comunhão dos irmãos. “Os de fora, porém, Deus os julgará. Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor” (1 Coríntios 5:13).

É aqui que voltamos ao ponto que você levantou de Hebreus 13:4, onde diz que “Deus julgará os impuros e adúlteros”. Obviamente não quer dizer que a assembleia deva fazer vista grossa para o pecado em seu meio, porque temos instruções claras de como tratar em juízo com o que pecou. Também não quer dizer que este julgamento efetuado por Deus seja o julgamento dos ímpios para a condenação eterna, como vemos em Apocalipse. Ainda que um salvo por Cristo cometa um adultério, ele jamais voltará à condição de perdido, pois recebeu a salvação por graça e sem merecimento, um presente ou dom de Deus, e “os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento” (Romanos 11:29), isto é, irreversíveis.

Portanto essa expressão “Deus os julgará” tem a ver com o julgamento governamental ou administrativo de Deus nesta vida. No momento em que um crente é colocado fora da comunhão por pecado ele passa para o terreno comum do julgamento divino que recai sobre todos os homens nesta vida. É disto que o apóstolo Paulo fala em Gálatas 6:7: “Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará”. Alguém que tenha caído em adultério, mesmo sendo um crente genuíno no Senhor, irá colher as consequências de seu pecado.

Eventualmente seu cônjuge poderá requerer o divórcio (embora o perdão seja a forma cristã de proceder), a pessoa com quem adulterou poderá exigir alguma coisa ou importunar o adúltero ou adúltera, se o casal tem filhos estes serão envolvidos na ruína do lar, o que adulterou pode precisar passar o resto da vida com a saúde arruinada por uma doença venérea etc. São muitos os juízos nesta vida que podem cair sobre o cristão que peca, mesmo sabendo que ao confessar seu pecado ele tem garantido de Deus o perdão.