Apocalipse 1:7 prova que a terra é plana?

Apocalipse 1:7

Sua dúvida é sobre Apocalipse 1:7, que diz que Cristo “vem com as nuvens, e todo olho o verá”, e se isso pode ser visto como uma evidência de que a terra seria plana. Pois, afinal, como todo olho poderia ver Cristo descer dos céus se metade dos “olhos” estiverem do outro lado de uma terra esférica? Pelo jeito você foi seduzido por essa teoria conspiratória, e não apenas ficou nas tentativas de comprovação usuais, mas tenta usar a Bíblia para comprová-la.

Toda teoria conspiratória traz elementos intrigantes e sedutores, e algumas são realmente verdadeiras obras de arte. Mas se você fizer uma simples pergunta irá perceber o quanto elas são vazias de significado prático. A pergunta é: “Em como isso vai mudar minha vida quando eu acordar na segunda-feira para ir trabalhar?”

Teorias conspiratórias viciam, porque é impossível amarrar suas pontas, e aí gera aquela discussão: “Ok, você não pode provar que seja assim, mas também não pode provar que não seja”. Elas satisfazem aquela necessidade humana que surgiu no Jardim do Éden de apontar o dedo e culpar alguém pela desgraça. Adão culpou Eva e o próprio Deus, que deu a ele uma esposa: “A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi”. Eva culpou a serpente: “A serpente me enganou, e eu comi” (Gênesis 3:12-13). As teorias conspiratórias irão culpar os bancos, a CIA, o FBI, a indústria de medicamentos, o Mcdonalds, os reptilianos, a NASA... a lista é interminável. Um dos pronomes mais usados pelos adeptos de teorias conspiratórias é: “Eles”.

Quem conhece um pouco da hierarquia das necessidades de Maslow vai perceber que uma teoria conspiratória pode envolver uma ou mais necessidades básicas do ser humano, tipo comida, segurança, sentimento de ser aceito, autoestima, realização pessoal... Um adepto das teorias conspiratórias tem algo de adolescente; sente-se um Homem Aranha lutando por uma causa, um salvador da espécie humana, e seu ego é alimentado disso. Apesar de correr o risco de perder amigos, emprego e às vezes até o cônjuge, ele se sentirá incluído e aceito dentro de seu pequeno clube de teoristas conspiratórios. Afinal, no desfile dos bilhões de habitantes do planeta eles serão os únicos marchando com o passo certo.

Se você cair na rede de uma teoria conspiratória vai se sentir ativo e motivado em suas investigações, mas qualquer pessoa com um mínimo de bom senso irá enxergá-lo como um cão correndo atrás do próprio rabo. Do ponto de vista médico, um teorista de conspirações pode cair nessa rede por sofrer de alguma disfunção, como ansiedade, paranoia, psicose etc., ou então desenvolver sintomas decorrentes de sua nova mania. Alguns destroem seus relacionamentos quando mergulham nessa onda, portanto encare a obsessão por teorias conspiratórias como uma droga sem a qual você acha que não pode viver.

Não trate esse problema como algo inofensivo. Pessoas em estágio avançado de envolvimento com uma teoria conspiratória não são muito diferentes dos seguidores fanáticos de alguma seita religiosa. Eventualmente chegam a cometer crimes ou arrastar a família atrás de si para viver em alguma gruta numa montanha, tentando evitar que “Eles”, o inimigo, possa alcançá-los. Se você já passou por diferentes “fins do mundo”, como “bug do milênio”, “calendário maia” e coisas semelhantes deve conhecer alguém que destruiu a família indo atrás dessas coisas.

A coisa fica ainda mais séria quando se tenta usar a Bíblia para fundamentar uma teoria conspiratória, como essa da “Terra Plana” que você citou. O versículo que deu origem à sua dúvida pode ser facilmente explicado com um pouco de conhecimento da profecia bíblica. Vejamos:

“Eis que vem com as nuvens, e todo o olho o verá, até os mesmos que o traspassaram; e todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Sim. Amém” (Apocalipse 1:7).

É verdade que “todo olho o verá, até os mesmos que o traspassaram”, mas isto não significa que acontecerá de forma simultânea. Ele virá sim com as nuvens do céu como os discípulos o viram subir quando estavam no Monte das Oliveiras, mas aí se dará um processo gradual de comparecimento de todos à sua presença. Se ler Mateus 25 verá que isso é o que é chamado de julgamento das nações, com base no modo como elas se comportaram em relação aos seus “pequenos irmãos”, os judeus. Olhando o panorama completo da profecia você percebe que diferentes juízos estarão caindo em diferentes partes do mundo nesse momento, e que ele irá tratar primeiro, de forma privativa, com o seu povo, os judeus, representados pelas duas tribos, Judá e Benjamim.

Uma bonita figura disso você encontra na maneira como José, um tipo de Cristo no Reino, se revelou a seus irmãos. “Então José não se podia conter diante de todos os que estavam com ele; e clamou: Fazei sair daqui a todo o homem; e ninguém ficou com ele, quando José se deu a conhecer a seus irmãos” (Gênesis 45:1). Da primeira vez Cristo “veio para o que era seu (os judeus), e os seus não o receberam” (João 1:11), e só depois ele passou a tratar com os demais. Assim será também em sua segunda vinda.

A dificuldade começa quando você associa este versículo a outra passagem em Mateus 24, que parece falar de uma manifestação gloriosa, como aquelas que artistas costumam pintar em quadros ou são publicadas em revistas de religiões como Testemunhas de Jeová e Adventismo do Sétimo Dia. Nelas há multidões olhando para uma imagem de Jesus descendo das nuvens abertas e cercado de raios de luz e anjos tocando trombetas. Obviamente quem passou a vida sendo condicionado a imagens assim acaba achando que, para o mundo inteiro enxergar este evento, só com a terra sendo plana, ou com transmissão global de TV via satélite, o que condicionaria a vinda de Cristo à invenção da TV, satélites, repórteres etc. Vamos à passagem:

“Portanto, se vos disserem: Eis que ele está no deserto, não saiais. Eis que ele está no interior da casa; não acrediteis. Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até ao ocidente, assim será também a vinda do Filho do homem. Pois onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão as águias... Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; e todas as tribos da terra se lamentarão, e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória” (Mateus 24:28-30).

Esta passagem começa falando dos falsos anúncios da volta de Cristo que poderão confundir o remanescente judeu fiel que irá se converter em tempos de grande tribulação. Neste capítulo 24 de mt a Igreja já terá sido arrebatada ao céu anos antes, e se você não entende o arrebatamento ou as diferentes dispensações precisará aprender isso, pois são coisas fundamentais para se compreender a profecia bíblica. O significado de palavras como “relâmpago”, “ocidente” e “oriente” é que sua vinda será inquestionável, mas aqui o foco está no juízo que ele traz consigo. O “relâmpago” nos fala de um juízo rápido. Quando um raio cai sobre uma árvore esta é queimada imediatamente. Águias ou aves de rapina têm o mesmo sentido de juízo rápido sobre os cadáveres — homens com aparência de que vivem, mas que estão mortos espiritualmente.

Resumindo, a volta de Cristo para julgar as nações será inequívoca, e seu juízo rápido como um raio ao qual ninguém escapará. Mas para saber onde e como ele virá precisamos saber como e de onde ele partiu ao despedir-se dos discípulos no Jardim das Oliveiras.

“E, quando dizia isto, vendo-o eles, foi elevado às alturas, e uma nuvem o recebeu, ocultando-o a seus olhos. E, estando com os olhos fitos no céu, enquanto ele subia, eis que junto deles se puseram dois homens vestidos de branco. Os quais lhes disseram: Homens galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir. Então voltaram para Jerusalém, do monte chamado das Oliveiras, o qual está perto de Jerusalém, à distância do caminho de um sábado” (Atos 1:9-12).

Se este versículo fala da subida, Zacarias 14:4 fala da descida: “E naquele dia estarão os seus pés sobre o monte das Oliveiras, que está defronte de Jerusalém para o oriente; e o monte das Oliveiras será fendido pelo meio, para o oriente e para o ocidente, e haverá um vale muito grande; e metade do monte se apartará para o norte, e a outra metade dele para o sul”.

Nesse momento do encontro com “a casa de Davi”, ou seja, os judeus (porque as outras tribos ainda estarão para ser recolhidas pelos anjos), ele será visto pelos que o pregaram na cruz, não as mesmas pessoas, mas os descendentes daqueles que há dois mil anos disseram: “O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos” (Mateus 27:25). Zacarias 12:10 detalha esse encontro: “Mas sobre a casa de Davi, e sobre os habitantes de Jerusalém, derramarei o Espírito de graça e de súplicas; e olharão para mim, a quem traspassaram; e pranteá-lo-ão sobre ele, como quem pranteia pelo filho unigênito; e chorarão amargamente por ele, como se chora amargamente pelo primogênito”.

Quando eu digo que é preciso conhecer as dispensações, o arrebatamento da Igreja e o panorama todo da profecia para entender essa vinda de Cristo para reinar, é porque podemos ser enganados pela visão reducionista normalmente propagada pelas religiões. Muitas delas nem mesmo conseguem distinguir a diferença entre a vinda do Senhor para buscar sua Igreja, e a manifestação de Cristo para estabelecer o seu reino, o que acontecerá no mínimo sete anos mais tarde. E mesmo esta manifestação tem uma sequência que começa com sua aparição em particular para os judeus, levando-os a sair pela terra para dar a boa notícia de que Cristo voltou. É disto que fala a passagem em Isaías que costumamos usar como exemplo de evangelização. No entanto sua aplicação primeira é profética:

“Portanto o meu povo saberá o meu nome; pois, naquele dia, saberá que sou eu mesmo o que falo: Eis-me aqui. Quão formosos são, sobre os montes, os pés do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, do que anuncia o bem, que faz ouvir a salvação, do que diz a Sião: O teu Deus reina! Eis a voz dos teus atalaias! Eles alçam a voz, juntamente exultam; porque olho a olho verão, quando o Senhor fizer Sião voltar” (Isaías 52:6-8).

Agora, voltando à passagem de Apocalipse 1:7 que gerou a dúvida, veja como faz sentido entendê-la como coisas distintas:

“Eis que vem com as nuvens...” — isto realmente acontecerá, pois foi assim que os discípulos o viram subir “...e todo o olho o verá” — também acontecerá, mas não necessariamente de forma simultânea, mesmo porque muita gente estará trabalhando em minas debaixo da terra. “até os mesmos que o traspassaram” — os judeus, de cujos antepassados eles herdaram essa culpa. “e todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele” — cada uma por sua vez, um exemplo do que podemos ver no modo como ele tratará as ovelhas (gentios), os bodes (os que maltrataram os judeus) e os “pequeninos irmãos”, que são os judeus, “irmãos” do Senhor por ele ter vindo da tribo de Judá.

Quanto a outras passagens que os seguidores da teoria da “Terra Plana” usam para tentar embasar suas ideias, é preciso entender um pouco de hebraico para decifrar as que eles utilizam. Eu não entendo hebraico, mas lendo quem entende descobri que no hebraico antigo a palavra “círculo” era a mesma utilizada para “esfera”. Daí a confusão, quando alguns leem “Ele é o que está assentado sobre o círculo da terra” (Isaías 40:22).

Para outras passagens que falam de “confins da terra”, “cantos da terra”, “centro da terra” ou “colunas do céu” etc., a dificuldade dos teoristas da “Terra Plana” está por terem tirado nota baixa em redação e interpretação de texto, ou por não saberem diferenciar linguagem poética, analogias e coisas do tipo. Ou ainda por perderem de vista o fato de que muitas passagens na Bíblia falam do de vista humano, de quem está na terra. Por isso dizemos que o sol está subindo ou descendo no horizonte, quando na verdade é a Terra que está girando. Mas aí talvez algum adepto da teoria me escreva insistindo que a Terra é plana e não gira, mas é o sol que fica dando voltas como uma mosca prestes a pousar numa pizza. Então eu nada mais tenho a dizer, mas um psiquiatra pode ajudar.

Encontrei uma explicação mais elaborada, inclusive de termos hebraicos, no endereço http://logoshp.6te.net/bbtpla5.htm.

De vez em quando aparece alguém querendo insistir que a terra é plana usando versículos da Bíblia e a pseudociência das teorias conspiratórias, que supostamente "prova" também que o homem não foi para o espaço (e muito menos para a Lua), que é tudo mentira da NASA, etc. Aí sou obrigado a contar outra vez minha experiência como estudante de intercâmbio morando 6 meses na casa de um engenheiro que projetou as baterias do projeto Apollo. Wallace F. Payne também tinha patentes de várias coisas e era um habitual colaborador da Wikipedia, antes de falecer há alguns anos com quase 90 anos. Mas você acha que minha história convence? Nada. Quem é "convertido" a uma teoria conspiratória sofreu lavagem cerebral e não arreda pé nem se colocarem o cara num foguete e mandarem para a Lua. Ele vai chegar lá e achar que está na Disneylândia. Faz lembrar o caso de uma velhinha numa cidadezinha no sertão. Ela nunca tinha visto um avião ou helicóptero e dizia que o homem não tinha sido criado para voar, então não voava e que tudo não passava de enganação. Então um dia desceu um helicóptero no campinho de futebol do lugar e a cidade toda foi ver, inclusive os netos que levaram a vovó. Chegando lá viu o bicho pousado e quando disseram que daqui a pouco a máquina iria subir, duvidou: "E essa coisa lá sobe?!" Motores ligados, ventania, helicóptero subindo e ganhando os céus. "E aí, vó, o que diz?" - cobraram os netos. A velha não titubeou: "E essa coisa lá desce?!" A propósito, se você viu o filme Apollo 13, a cena em que o diretor de voo manda chamar os engenheiros que trabalharam no módulo aconteceu mesmo. Wallace foi acordado à noite para confirmar que a bateria iria aguentar o tranco para trazer os astronautas de volta à terra. Veja a cena neste endereço: https://youtu.be/KhoXFVQsIxw